quarta-feira, 19 de março de 2014

Sagrado


Passando aqui para sugerir o ótimo conto do brother Ricardo Porto: Sagrado.
O conto me lembrou muito o filme Sunset Limited, protagonizado por Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones e inspirado na obra de Cormac McCarthy. Abaixo um trechinho do conto:
"Pedro era um padre sem fé há muito tempo. Não que ele não rezasse ou se emocionasse com a obra de Deus vez em quando, mas ele não acreditava mais que o Senhor se importasse com Sua criação. Convenhamos, era um fiasco. Ainda no Paraíso o homem era desobediente. Um dilúvio não resolvera o problema do pecado. Seu filho veio interceder por nós, mas não foi bem aceito e terminou morto. Sua morte ajudou a propagar a Palavra, mas ainda assim o mundo é torpe e somos cada vez melhores em destruir o mundo que nos foi confiado, que deveria ser a herança dos justos. Deve ser por isso que Ele mandou os mortos se levantarem".

Seriados, gangsteres e afins


Episódios-piloto são traiçoeiros. Podemos ser injustos com séries inteiras por causa deles. De duas uma, ou a série é melhor em si é melhor que seu começo ou pior. Raro manter a estabilidade nesse meio televisivo. 
Não sou um seguidor assíduo de séries. Mesmo as que gosto não acompanho regularmente. Preguiça por um lado, falta de tempo por outro. Acho que mais me dediquei a duas: Monk (que assisti até o final) e Lost (que abandonei na quarta temporada).
Hoje se fala numa Era de Ouro da TV americana. A crise na indústria cinematográfica teria feito com que muitos roteiristas e atores migrassem para a telinha, produzindo assim obras mais criativas e de maior qualidade. E cita-se como exemplo Breaking Bad, Game of Thrones, Boardwalk Empire, Dexter, The Walking Dead, etc... Agora a coqueluche do momento é True Detective.
Confesso que só assisti um ou outro episódio de cada uma dessas séries, mas fico me perguntando se não há muito burburinho ou marketing como diz Artur Xéxeo nesse boom de séries "de qualidade". Talvez eu não seja o mais autorizado a fazer essa avaliação, já que meu relacionamento com elas sempre foi bem diletante, mas me parece que muitas dessas produções são pretensiosas demais. Como se cada episódio fosse feito para ganhar um Oscar. Não me entenda mal, a busca por qualidade é saudável. Mas vejo em muitos seriados propostas que afirmam revolucionar o mundo do entretenimento, negando todo o referencial dos gêneros em que se situam (suspense, drama, policial, etc).
Enfim, digo isso porque recentemente assisti o primeiro episódio de Mob City e achei esta uma série despretensiosa, mas que proporcionou - pelo menos no capítulo inicial - uma trama envolvente e que dialoga com todo o universo de filmes e séries do tipo. Aliás, histórias da máfia são quase um fetiche para o mundo do entretenimento americano, não há como não ter em vista os filmes dos anos 30 ou as obras de Scorcese, Coppola e DePalma. Seja como for, é um bom entretenimento que não escorrega tão fácil em mediocridades.

Outro Dia Perfeito


Quando o verão pousa nas marquises é lindo. E sufocante. Nessas horas me arrependo de nunca ter me apaixonado. Pelo menos teria alguém a quem dedicar essa foto.
Todos os dias, quando o sol está se pondo, sento aqui e tiro uma foto. Cada entardecer é diferente, sabe? Há dias que terminam com nuvens cansadas, outros com tonalidades festivas de azul. Adoro quando o sol incendeia os céus, despertando a cor laranja das coisas.
Mas esse aqui... Sublime é pouco. Agora vem o dilema: não sei se guardo ou se rasgo. Explico, se guardar essa foto me perseguirá para o resto da vida. Como fazer algo melhor que isso?
Enfim, decidi: vou rasgar e guardar os pedaços.

sábado, 15 de março de 2014

Crônicas do Quarto Poder

Praia de Imbetiba, Macaé, anos 50.

Sobre a história da pacata Macaé, no interior do Rio de Janeiro, achei um fato bem curioso. O político Eduardo Serrano, vindo de Niterói e com fortes laços políticos na Capital, se candidatou a prefeito desta cidade e foi eleito em 1959 para ser cassado em 1960. O motivo: sua sexualidade. Acontece que os jornais exploraram a sua até então discreta preferencia por companheiros do mesmo sexo e batendo na tecla da moral e dos bons costumes, o prefeito teve seu mandato cassado.
Encontrei na internet um trabalho bem interessante da estudante Evelyn Soares Valente sobre o episódio que explora o peso da mídia como formadora de opinião, usando aqui ainda que marginalmente o conceito de construção do consenso presente em Noam Chowsky e adaptado por Bernardo Kucinski ao contexto brasileiro.
*Falando em prefeitos, outro dia andando pelo centro de Macaé encontro um sujeito em cima de um caixote com roupas amarrotadas prometendo mundos e fundos. Descobri pelo jornal O Rebate de José Milbs que se trata de uma figura super conhecida na cidade: Mariola, o vendedor de mariolas que desde 2011 está se candidatando a prefeito. Muitas de suas propostas eram interessantes: chamar a polícia de Campos para patrulhar a cidade, criar um batalhão especial para expulsar o tráfico de Malvinas e Nova Holanda e incentivar a venda de mariolas.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Múltiplos 2014s

Esse é um ano bem especial. Falo não apenas por conta da Copa e da infinidade de feriados nacionais que teremos, mas também de quantidade de datas comemorativas cruciais para se entender o Brasil e o Amazonas:

-60 anos do suicídio de Getúlio Vargas;
-60 anos do Clube da Madrugada;
-50 anos do Golpe de 1964;
-40 anos do Pacote de Abril;
-20 anos do Plano Real.

Talvez os mais badalados eventos aqui sejam o terceiro e o último. O próprio Instituto Fernando Henrique Cardoso já cuidou de fazer uma série de palestras sobre o Plano Real, enquanto os debates e até mesmo comemorações sobre o Golpe se proliferam. Há poucas menções, no entanto, sobre o tiro que mudou o destino da República Populista em 1954 e ás leis que acenaram para o fim da ditadura civil-militar em 1974 - com ênfase no "acenaram".
Sobre a fundação do movimento artístico que trouxe á Manaus um sopro de renovação artística há muito menos menções ainda. Aproveitando o ensejo, vou divulgar aqui um artigo meu sobre a ditadura em Manaus publicada na revista Temporalidades da Universidade Federal de Minas Gerais: Vicissitudes de um Heródoto caboclo: Arthur Reis e a ditadura civil-militar em Manaus (1964-1966).
Em 2014 também fazem 50 anos que a Beatlemania se mundializou com o show dos garotos de Liverpool nos Estados Unidos. Um show com vários cantores da atualidade, além de Paul e Ringo, vai ser organizado daqui uns dias.

Patrimônio desfalcado

Antes do carnaval, a Biblioteca Nacional foi furtada mais uma vez. Em 2005 um rapaz tinha sumido com algumas obras raras do acervo, agora alguns notebooks foram afanados. Como o prédio ainda está em reforma, sendo protegido por um frágil tapume, o ladrão não precisou se esforçar muito.
Ao que parece tratava-se de um dos muitos viciados em craque que vivem ali perto. Mas na maioria dos casos os responsáveis por desfalques no patrimônio histórico e cultural brasileiro são pessoas com um perfil totalmente distinto. Você que é pesquisador e mora em Manaus vai imediatamente lembrar de uma figurinha mais que manjada nesse meio.
O mais preocupante é que existe toda uma rede de tráfico de obras culturais responsável por retirar inúmeros tesouros do nosso país. Segundo a lista da Interpol, o Brasil tem 1.596 itens roubados. Ontem mesmo descobriram o paradeiro de um livro raríssimo de botânica que foi furtado do Museu Emílio Goeldi no Pará há cinco anos atrás.

segunda-feira, 10 de março de 2014

As Árvores Sangram


AS ÁRVORES SANGRAM
Dedicado a aniversariante Ilana Joplin.

Um dia, as árvores começaram a sangrar.

O primeiro a levar esse susto foi um homem simples, que estava pensando em eliminar a árvore do quintal para não ter que recolher as folhas caídas.
Deu uma machadada e, pof! Foi sangue pra tudo que é lado.
O sangue respingou na camisa e no rosto do pobre homem.
Assustado, o homem deu um grito e correu para colocar a mão no golpe que a árvore levou, numa tentativa caridosa – e desesperada – de impedir o sangramento evidente.
Depois de três tentativas, a árvore parou de sangrar. Restara um ferimento comum - um talho aberto, como um golpe desferido por um gladiador – mas o sangue definitivamente parara de fluir.
O Homem correu para o telefone e chamou a imprensa.
5 minutos depois, o homem estava sendo entrevistado. Nem tinha tirando a camiseta ainda, nem lavado o rosto. O Homem ensanguentado jazia ali, em frente à reporter e ao camera-man, parecendo um serial-killer que acabara de ser capturado.
Mas ele era apenas um homem normal, contando que a árvore tinha sangrado.
E a noticia se espalhou: primeiro na vizinhança, depois no bairro inteiro. À noite, durante o último telejornal da programação, a notícia já tinha alcançado o estado inteiro.
Dia seguinte, no programa matinal, a apresentadora de meia idade reunira uma equipe de especialistas, para debater o assunto e as possíveis causas do estranho fenômeno.
Tudo isso enquanto ela cozinhava batatinhas e frango em cubos.
A casa do homem tinha virado um grande acampamento científico. Igual quando encontraram o E.T. do filme do Spielberg.
O Homem ainda não tinha ganhado muito dinheiro com o ocorrido, mas como era muito solitário, estava curtindo toda a repentina movimentação em sua casa.
E a árvore foi extenuantemente analisada.
Especialistas da universidade do estado olharam, retiraram amostras, olharam de novo, e de novo, e de novo.
E depois deixaram a casa do homem em paz. Todo mundo foi embora.
Dias depois, os especialistas se pronunciaram na televisão. O assunto já estava quase esquecido, mas o que eles revelaram era assustador:
O sangue da árvore era humano.
Sangue humano.
A árvore ainda era uma árvore comum. Com raiz, caule, galhos e folhas. Ainda era a mesma árvore dos livrinhos que usávamos para estudar na quinta série.
Mas agora ela sangrava. Inexplicavelmente. E era sangue humano. Tipo A positivo, diziam alguns.
Dois dias depois, uma mulher perdeu a direção do veículo e se chocou com uma árvore, no subúrbio de uma cidade vizinha.
A mulher estava bem, não sofrera nenhum ferimento.
Mas a árvore que ela atropelou sangrou como um boi num matadouro.
A pobre mulher ficou horrorizada. Como o para-brisa do carro se esfarelou, a motorista ficou coberta de sangue.
As árvores começaram a sangrar. Não era apenas árvore do quintal do pobre homem.
A imprensa apareceu, os especialistas vieram, e todo mundo que estava no local via o acidente de carro como se fosse o resultado de um atropelamento fatal, mas era apenas um carro que se chocou com uma árvore...
...Que sangrava.
E todo mundo ficou assustado.
Era apenas uma árvore normal, um amontoado de celulose e clorofila... 
Que sangrava sangue humano.
Sangue do tipo O, diziam alguns.
Mas incidentes semelhantes ocorreram em outras cidades, em dias depois, no país inteiro.
Até que um chinês que procurava lenha fez uma árvore sangrar.
Aí não restavam mais dúvidas: as árvores do mundo inteiro começaram a sangrar.
E o assunto chegou na ONU.
Todas as nações do mundo estavam assustadas com o fato.
Nas revistas, televisões, jornais, todos davam suas opiniões sobre o que poderia estar causando o estranho ocorrido.
Especialistas, cientistas, céticos, religiosos... Muitas palavras pronunciadas com tom de verdade, mas apenas perguntas sem respostas.
Tanto sangue!
Um cientista canadense descobriu que o sangue das árvores poderia ser usado em transfusões com humanos.
Grande idéia!
Acabaram-se os problemas de falta de sangue em hospitais.
Tinha de todo tipo, inclusive os tipos mais raros.
Sangue de árvores salva vidas!
Até que um dia, alguém resolveu mostrar o outro lado da história.
Apareceu na TV uma filmagem horrorizante.
Naquele momento, onde o mundo estava começando a encontrar sentido novamente, alguém jogou um balde de água fria na felicidade das pessoas.
A filmagem tinha vindo de algum lugar abandonado por Deus, no meio da Amazônia.
Com uma imagem nítida, a filmagem mostrava o que seria um campo desmatado, por uma madereira ilegal.
Um imenso campo ensanguentado.
Vários e vários quilômetros de um holocausto ecológico.
Terror absoluto.
Quando a policia do meio ambiente chegou ao local, foi mais assustador ainda:
Sangue derramado em todas as direções.
E sangue fede. Imaginem milhares de pessoas exterminadas com uma moto-serra e você não consegue chegar nem perto da realidade.
Impossível segurar as emoções.
A imagem do desmatamento chocou milhões de pessoas no mundo inteiro.
Houve quem se perguntou por que antes um desmatamento nunca tinha chocado tanta gente.
Eu acho que é porque as árvores não sangravam ainda.
Os humanos são assim:
Mania de querer humanizar tudo...
Foi uma revolução no mundo.
Pela primeira vez, nações do mundo uniram forças para combater QUALQUER DESMATAMENTO.
Não se podia mais cortar nenhuma árvore no mundo.
E tudo aquilo que dependia de madeira – construção, marcenaria, transporte, caixas – teve que se virar com outros produtos. A construção civil sofreu um golpe do qual quase não se recuperou.
Toda madeira agora era neuroticamente reciclada. Claro, madeira processada do tempo em que as árvores ainda era apenas árvores.
Cortar lenha podia, mas apenas com madeira morta. Troncos caídos, que já não sangravam mais.
As ONGs estavam às mil maravilhas.
Haviam conseguido salvar as florestas do mundo inteiro. Mas na verdade, foram as árvores que salvaram a si próprias.
Os bancos de sangue do mundo inteiro estavam cheios. Quem diria... As árvores também acabaram salvando a vida de milhões de pessoas!
Na ONU, alguém até sugeriu que as árvores não fossem incomodadas nunca mais.
No comércio, novos substitutos foram sendo introduzidos – derivados de plásticos biodegradáveis, substitutos “verdes”, tudo para não agredir mais o meio ambiente.
E as pessoas foram aos poucos se tornando menos dependendo da madeira.
Difícil no inicio, mas o resultado era um mundo melhor e um futuro promissor.
Tudo porque, inexplicavelmente, as árvores começaram a sangrar.
E isso mudou o mundo. E mudou os humanos.
E a felicidade veio lentamente.
E o tempo passou. Parecia até que as árvores sempre tinham sangrado. Ninguém quase lembrava mais de uma época em que se cortavam árvores.
Tudo sempre tinha sido assim.
Foi aí que nós, cachorros, gatos, vacas e galinhas, decidimos que começaríamos a falar...

domingo, 9 de março de 2014

GOJIRA!


Não sei se sabem, mas um remake de Godzilla será lançado esse ano. Mais um? Sim, mas um. Mas não se preocupe. Pelos trailers, esse parece que não vai desapontar os fãs do lagartão, diferente daquele de 1998. Se lembram? É, melhor nem lembrar mesmo.
E por conta disso o brother Ricardo Porto preparou uma matéria sobre o rei dos monstros que é uma verdadeira homenagem ao bichão. Leiam ele aqui.

*Acredito que se o filme corresponder á expectativa dos fãs logo logo teremos filmes de Mothra e companhia ilimitada. O que pode prolongar o namoro de Hollywood com os nerds.

Para o Bloco dos Reaça é carnaval todo dia


Fico triste ao ver pessoas que descontentes com o governo do PT passam a defender a ditadura civil-militar. Fico triste por que além de recorrem a uma fraudulenta idealização do passado (de que na ditadura não havia corrupção e nem baderna), não conseguem sair de lugares comuns, não elegem uma nova perspectiva de futuro que não seja necessariamente pela via autoritária.
Nesse oceano de desencanto um texto me fez ganhar o dia: Ninguém é a favor de bandido, é você que não entendeu nada de Ramon Kayo. O autor tenta escapar dos velhos clichês conservadores repisados a todo instante na mídia e no cotidiano quando se trata de discutir direitos humanos. O texto não é um primor, mas desconstrói de forma bem lúdica estas pérolas do reacionarismo.
*Aproveitando o momento: além de irônico, acho extremamente engraçado o costume de pensadores dessa direita new age (que de "new" não tem nada) criticar os movimentos sociais como responsáveis por criar uma cultura de vitimização no Brasil enquanto eles repetem a todo momento que são vítimas da falta de liberdade de expressão, de consideração, de isso e daquilo.

Banda desenhada

Essa é para o pessoal que se amarra em quadrinhos: o site Sapos Voadores reuniu aqui uma série de concursos de quadrinhos da internet. Infelizmente, como só abri a mensagem agora, muitos já tiveram seus prazos de inscrição terminados. Mas os dois últimos ainda estão em tempo, portanto, corram e se inscrevam!

Obs: O título não tem nada a ver com o Gorillaz; banda desenha é como são chamados os quadrinhos em Portugal.

sábado, 8 de março de 2014

Essencial e genial


Se você não sabe bolhufas sobre o cinema brasileiro, com certeza deve associar o nome de Eduardo Coutinho mais a tragédia que ceifou sua vida que á sua obra inovadora. Em janeiro desse ano, como sabemos, seu filho que sofre de distúrbios psicológicos o matou a facada em sua casa no centro do Rio de Janeiro. Me espantei com a notícia. Tomei contato com ela pela internet e pensei ser mais uma brincadeira de mau gosto, mas não, foi bem real.
Ele já tinha mais de 80 anos e algumas doenças pulmonares por conta de seu inseparável cigarro. Mas mesmo assim ninguém esperava que ele partisse assim. Em seu enterro compareceram várias pessoas, amigos como Ferreira Gullar e desconhecidos que apreciavam sua obra.
Cabra Marcado para Morrer é sempre mencionado como um divisor de águas no cinema brasileiro. Por quê? O filme tem um novo modo de fazer documentários. Não mais aquele modelo que Jean-Claude Bernardet chama de sociológico por vir carregado de ideias centrais onde os depoimentos e imagens captados apenas são ilustrativos. Nesse filmem as entrevistas constroem a narrativa e embora o tema seja a luta camponesa no Nordeste há espaço para muito mais.
Na verdade, se trata de um filme sobre outro filme. Sobre um que Coutinho pretendia fazer em 1964 sobre a morte de um agricultor ligado ás Ligas Camponesas no Nordeste, mas que com  o golpe foi engavetado. Há portanto uma metalinguagem aqui que não fica somente no tema, mas na própria abordagem aos entrevistados. Coutinho e sua equipe aparecem, interagem com os depoentes de diversas formas fora a entrevista. Eles são protagonistas também dessa busca pelos antigos atores do filme perdido. Atores esses que eram membros da comunidade e líderes camponeses.
Em segundo lugar, as consequências da ditadura para o campo não eram tão bem exploradas pelos documentaristas e mesmo pesquisadores acadêmicos. Ao reconstituir a história de todos aqueles que participaram de seu antigo projeto ele evidencia o peso do regime na dissolução de comunidades e de famílias, influenciando mesmo as migrações. A história que começa no interior de Pernambuco passa por diversas localidades do Nordeste e até pelo subúrbio carioca comprovando que talvez a brutalidade da repressão no campo foi um motivo tão forte para o êxodo rural quanto as secas.
Para você que cursa História, meu amigo, esse filme, bem como toda obra de Coutinho, são indispensáveis. O cineasta carioca tinha um nítido interesse pelo outro, pela reconstituição de experiências humanas através de evidências (sendo os depoimentos a maior delas). Interesse esse que os historiadores compartilham. Sua obra oferece um importante contraponto ás consagradas narrativas sobre a história recente do Brasil por partir do ponto de vista das pessoas humildes e carentes que povoam o país. Do golpe de 1964 á eleição de Lula em 2003, tudo isso e muito mais pode ser encontrado nas produções desse artista essencial e genial.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Surpresas geladas

El pequenino mamute.

Quase 80% do nosso planeta é feito de água, sendo que boa parte dela se encontra congelada. Muitos acham que as profundezas do mar são o reino de inúmeros mistérios, mas o que dizer do interior das superfícies congeladas? Mamutes congelados já foram encontrados debaixo delas. Recentemente, com o momentâneo degelo dos montes alpinos foram revelados corpos de soldados da Primeira Guerra Mundial macabramente preservados. E agora, mais recentemente ainda, um vírus foi encontrado perto da Rússia. Tão, mas tão bem preservado que bastou aquecerem o gelo para voltar á vida. Os cientistas dizem que ele não é perigoso. E se o que mais tiver debaixo do gelo for? Bem, com o aquecimento global as surpresas devem ser cada vez mais constantes.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Igarapé do fim do mundo


"Vamos para Presidente Figueiredo nesse domingo?" Vamos. A ideia era ir até Balbina. Saímos umas nove horas da matina. A reta esburacada que seguíamos prometia mais vinte quilômetros de nada. Já havia passado de meio dia e, portanto, nossos estômagos ladravam constantemente. Certo de que chegaríamos em Balbina logo, desprezamos alguns bons restaurantes de beira de estrada.
“Berro d’água”, dizia a placa, “pousada e [o mais importante] restaurante”. Cinco reais por pessoa. Não pensamos duas vezes. Dobramos à direita naquele portão entre dois coqueiros.

-Meu amigo, o restaurante ainda tá funcionando?
O senhor que protegia a entrada feito um gárgula disse: só descer...
Descemos. O caminho começa a ficar estreito. Continuamos descendo. A mata vai ficando fechada. Ainda descendo. Aparecem mil buracos. Descemos mais um pouco. As curvas aumentam. 
Cantávamos aquela música do Tim Maia sobre guaraná, suco de caju, sobremesa.
Mas já havíamos andado um bom pedaço de chão. As casas da pousada eram mera lembrança agora. A atual realidade era o mato. De todos os lados.
A cada solavanco Ricardo soltava um sonoro palavrão recheado de angústia. Bem, eu fingia estar calmo roendo minhas unhas. Décio, crente de que algum animal nos seguia, vigiava a mata ao nosso redor. Será uma onça?
-Cara, a gente tá no carro! Relaxa! Onça não pega carro!
-É, pega ônibus.

O humor do Ricardo como sempre reconfortante.
E depois de quase uma hora de muita tensão e fome avistamos o restaurante! Lacrimejei de emoção. Descendo mais um pouco, um igarapé maravilhoso. Aquelas águas negras convidativas. E em suas margens, aquelas cabocas mais convidativas ainda. Ricardo foi lá fazer rastreamento.

Esperamos pacientemente o tambaqui sem espinha, rindo do sufoco de outrora. As moscas e abelhas visitavam nossa mesa. Uma canção qualquer sobre dor de cotovelo dominava o ambiente esfumaçado. Quando chegou o peixe, não durou muito. Sumiu em coisa de dois minutos. Sorte que ainda tinha um suprimento fortificado de macaxeira na mesa.
Décio chamou a atenção para o fato das pessoas ali parecerem bem diferentes. Costeletas grandes, aqueles óculos escuros cafonas. Lá fora não tinha um carro novo: só fusquinhas e chevettes. Encontramos um igarapé de hipsters, brinquei. Ou então viajamos no tempo, completou Ricardo. 

Mas uma sombra foi encobrindo tudo. Uma tempestade estava vindo. E já estava mesmo na hora de voltarmos. Entramos no carro e subimos o caminho do medo. Quando saímos da mata o céu estava totalmente diferente. Nada de nuvens, nem vento. Na entrada, outro velho. Notei que estava vestindo uma camisa da Beija Flor de Nilópolis do carnaval de 2014 homenageando o Boni. Não seria nada de mais, não fosse o fato de que estávamos em junho de 2013.
-Bacana, esse cara é o Boni?
-Sim, aquele cara da Globo que morreu...
-Morreu?
-Sim, já faz uns sete anos.
Bem, não andamos antenado com o mundo dos famosos. Mas como um cara em Presidente Figueiredo conseguiu uma camisa do carnaval de 2014?
-Um amigo meu me mandou lá do Rio já tem um tempo...
-Um tempo? Meu amigo, você me desculpe mas até tá parecendo que fomos mandados pro futuro... Só por desencargo de consciência, quem é o presidente do Brasil agora?
-Ué, o Bolsonaro!
Puta que par...

terça-feira, 4 de março de 2014

Gafes de gala


Nem só de glamour vive o Oscar. A equipe do Cinetoscópio preparou uma matéria nesse clima de premiação sobre os momentos mais constrangedores do evento. Me lembro assim de cabeça só do caso do Marlon Brando que enviou aquela moça para protestar contra o modo que Hollywood via os indígenas e dos atores que não aplaudiram Elia Kazan por conta das delações que fez na época da Caça ás Bruxas.
Ah, sim, também tem as quedas da Jennifer Lawrence. Mas não sei se foi tão constrangedor assim quanto andam dizendo. Me parece que ela soube muito bem contornar a situação.

Aproveitando a deixa, o que acharam do Oscar desse ano? Muito previsível? Eu achei. Só me espantei com tantas estatuetas para Gravidade. Esse foi um Oscar que quebrou muitos paradigmas: dois filmes de ficção científica foram indicados (Ela e Gravidade) e um deles ganhou quase uma dúzia de prêmios; primeiro diretor negro (Steve McQueen) a ganhar um Oscar; animação com um novo tipo de princesa (Frozen) ganhou sua estatueta também; e fizeram uma homenagem ao diretor brasileiro Eduardo Coutinho.

Filmes sobre racismo, drogas, AIDs e política deram o tom da festa da indústria do cinema. O Oscar é um termômetro da sociedade. Percebam que o teor dos filmes demonstra um importante avanço numa indústria bem conservadora, habituada a fórmulas prontas e vendáveis. 

segunda-feira, 3 de março de 2014

Descobrindo uma ou outra coisa na solidão gelada


Se alguém me contasse que Perseguição (2011) era um filme de Joe Carnahan eu não acreditaria. Isso porque Carnahan é um expoente do cinema de ação. O próprio Liam Neeson, protagonista desse filme, diz que o baixinho lembra muito aqueles diretores casca grossa que produziam seus filmes noir nos anos 50 com seus inseparáveis charutos cubanos. No prefácio que fez á Kick-Ass 2 entupiu as páginas de palavrões enquanto garantia que dessa vez Mark Millar tinha caprichado no nível de "paudurescência".
Digo isso porque esse filme, que em nada lembra o anterior Esquadrão Classe A (2010) a não ser pela presença de Liam Neeson, tem um ritmo diferente e uma dose de humanismo tocante que dificilmente beira o sentimentalismo. Trata-se de um avião que cai no meio da neve. Dentro dele estavam trabalhadores de uma plataforma petrolífera ali perto. Sabemos de início que um deles é um atormentado caçador, contratado para proteger os demais homens dos lobos. No decorrer do filme somos apresentados a cada um deles, uns mais que outros.
A grande beleza desse filme é essa descoberta do outro. Todos são nivelados pela tragédia e pouco a pouco vamos achando as peculiaridades aqui e ali desses homens (não há melhor exemplo desse processo que as cenas finais). Contudo, é necessário um flashback próximo do fim do filme para que tomemos consciência de que todos estes personagens já nos foram apresentados antes, nas cenas iniciais. E mais: que antes mesmo da queda já havia o desejo, pelo menos em um dos personagens, dessa descoberta do outro. Nesse processo de humanização talvez Carnahan erre um pouco ao colocar toda a força nos diálogos. Assim temos alguns momentos em que as confissões soam ligeiramente forçadas. Como a discussão metafísica no meio do filme.
Mas Perseguição não decepciona como filme de ação também. Como disse, os sobreviventes da queda se vêem no meio de um local inóspito. Não bastasse isso eles tem de enfrentar uma matilha de lobos. Mais uma sacada de gênio aqui foi fazer que os caninos aparecessem pouco. Só vemos seus contornos e seus dentes, mas só isso já basta para tirar o sono de muita gente. Sem contar o modo como os ruídos são explorados. Contudo, os lobos não são os únicos responsáveis por manter os nervos á flor da pele. Há aqui uma cena extremamente tensa e ao mesmo tempo tocante envolvendo um penhasco.
Enfim, é um filme bem atípico. Recomendado.

domingo, 2 de março de 2014

Marx, tradições, Mujica e Terceira Via

"Marx deu um tiro no pé com O Capital".
(Bruno Pacífico x Anália Ferreira, sendo mediados por Fernando Fernandes)
Bora dar um rolezinho no fuscão do Mujica?


Nos reunimos na Cachaçaria do Dedé certa sexta feira e do nada percebemos que a conversa estava esquentando do lado de lá da mesa. Anália havia dito que Marx deu um tiro no pé ao escrever O Capital, pois ao revelar as vísceras do capitalismo e como derrotá-lo teria dado de bandeja aos seus defensores os meios de se perpetuar no poder. Foi mais ou menos assim o debate:
-Ele deu a receita para o sistema se reproduzir! Pode ver que O Capital é mais lido por economistas neoliberalíssimos que por militantes.
-Mas ele também disse os meios de combater esse sistema, forneceu subsídios pra luta continuar.
-E a luta continua?
-Claro que sim: veja a América Latina.
-Posso até estar enganada, mas muitos governos da América Latina são mais reformistas que revolucionários.
-E o Uruguai pode ser chamado de reformista? O que o Mujica tem feito lá é uma revolução. Legalizar o aborto, a maconha. Isso tudo para um mundo tão conservador quanto a América Latina é uma mudança muito radical.
Fernando falou um pouco sobre essa questão da manutenção das tradições, de como elas se repaginam para continuarem sendo perpetuadas, associando aqui a possível derrota do marxismo á essa capacidade camaleônica do capitalismo. Como o próprio Bruno questionou: será que o marxismo foi derrotado mesmo?
Ele também se adaptou aos novos tempos.
Desde os anos 80 no Brasil os escritos de Lênin, o defensor das vanguardas, foi perdendo espaço para as obras de Gramsci, o pai dos intelectuais orgânicos. Hoje não se fala mais em revolução, mas em medidas revolucionárias. Entende-se que o marxismo tem de se acostumar com a democracia liberal, que é até mesmo saudável a ele ser orientado por esse espírito democrático para não incorrer nos erros totalitários de um Stálin.
Slazov Zizek, em um artigo (ficarei devendo o nome para vocês, crianças), se pergunta: seria o capitalismo indestrutível? O que podemos fazer? Quem poderá nos salvar? Ele mesmo responde que existem muitos caminhos para se resistir a ele. A Terceira Via pode parecer um deles, mas a cada dia ela se amolda mais e mais a um discurso desideologizador. Uma esquerda democrática, ciente dos caminhos e descaminhos do regime, seria o mais adequado para aqueles que querem uma mudança realmente profunda, dizia o filósofo.
Queria ter contribuído mais para o debate e queria também reproduzir mais pontos dele aqui, mas por enquanto só me lembro disso. Talvez os amigos colaborem aqui com mais pontos de vista.

Amores serão sempre amáveis


Passando aqui para recomendar o ótimo post do historiador Valdei Araújo sobre o passado e o futuro hoje: Distopias, futuros adiados e transcendência. A partir de uma música do Chico Buarque (Futuros Amantes), ele reflete sobre como nos apropriamos do passado e como projetamos o futuro hoje, depois da Queda do Muro de Berlim e depois que o gigante acordou e voltou a dormir.
*Em tempo: sempre me incomodou essa expressão "o gigante acordou". Me cheira a ufanismo barato, mas enfim...

Segundo Valdei, a modernidade consagrou dois modos de se ver o futuro: utópico e distópico. O futuro como o melhor dos mundos ou então como o pior dos mundos. A utopia tem muito de nostalgia, afinal procura-se voltar ao que era "antes", sendo esse "antes" um passado sempre idealizado. A distopia bebe muito no niilismo; as coisas não darão certo não apenas por conta da ausência de sentido da história, mas também pelo homem, egoísta por natureza.
Mas o historiador elenca aí uma terceira concepção de futuro, aquela esposada por Chico em sua letra: o futuro adiado, um projeto de realidade que fica suspenso por quanto tempo for necessário até ser chamado a ser realizado.
Muitos tem falado na desintegração da experiência (o maior exemplo aqui pode ser Walter Benjamin) diante da modernidade, mas o que o autor sugere aqui é uma outra percepção de experiência que transcende o presente para encarar a modernidade, para impedir que seja desintegrada.
Na canção, o amor desses dois amantes é sempre remarcado, mas não há angústia nisso. Há aqui serenidade, e é isso em poucas palavras que Valdei propõe como forma de resistir á uma modernidade pulsante e frenética. 
Essa discussão sobre historicidade e temporalidade rende muito. Pretendo debater mais isso em post futuros.
**Além de Chico, Valdei adora Alan Moore e se você cavucar um pouco mais no blog dele vai achar análises de Watchmen e o tempo histórico.

Artemanhas I

Saul Steinberg.

Essa eu achei genial.
Um cara fez um livro sobre 50 artistas contemporâneos. E olha que ele caprichou: páginas cheias de biografias, trechos de entrevistas, fotos de suas obras em ótima definição e capa de luxo. Acontece que nenhum deles é real. Todos foram inventados por Bruno Moreschi, o autor do livro, para concluir sua dissertação de mestrado no Instituto de Arte da Unicamp. Quer dizer, o livro é sua dissertação.
A pegadinha aqui faz parte de uma crítica aos dispositivos de consagração da arte atualmente. Moreschi não foi o primeiro: se lembram do Yuri Firmeza que fez a maior badalação na imprensa cearense sobre uma exposição de um artista japonês sensacional que não existia? (Não faz mal, se não se lembra tem um link aqui com mais informações).
Há um tempo conversando com um amigo veio aquela pergunta mais que manjada: o que é arte? Ele veio com essa definição: arte é o que se chama de arte. Parece óbvio, né? Mas experiências como essa de Moreschi e Firmeza comprovam isso. As demarcações, que antes eram ligadas ao conceito de Belo, foram estendidas indefinidamente pelas vanguardas do século XX. A subjetividade comanda, mas não há como deixar de imaginarmos que estas fronteiras frouxas entre arte e cotidiano abrem espaço para charlatanismos. Ora, muitas pessoas enxergam o termo "arte contemporânea" pejorativamente por causa disso.
Mas se tudo é arte, por que excluir o charlatanismo?

*Bem que alguém podia fazer algo parecido sobre o meio acadêmico.
** Me lembrei também de um outro episódio: quando Monteiro Lobato voltou para Taubaté já consagrado nacionalmente como escritor e editor pediram para ele fazer uma palestra na Associação Artística e Literária. O criador de Emília fez um discurso sem qualquer sentido, apenas composto de palavras pomposas tal como "defenestração" e "tuberosidades" e foi aplaudido de pé ao final de sua fala.

Adieu Resnais


Carlos Villaró se foi em fevereiro e agora Alain Resnais.
Se foi aos 91 anos e em plena forma. Ano passado lançou Vocês Ainda Não Viram Nada. Com Hiroshima, Meu Amor (1959) e Ano Passado em Marienbad (1961) revolucionou o cinema francês. Tá certo que não estava sozinho, basta lembrar dos seus outros companheiros de Nouvelle Vague como François Truffaut, Claude Chabrol e Jean Luc Godard. Dos seus filmes assisti apenas a dois: Noite e Neblina (1955) e A Vida é um Romance (1983).
O primeiro me impactou. É um documentário sobre o Holocausto, realizado com uma sutilidade arrasadora. O segundo me intrigou. São vários personagens em várias temporalidades, apenas o tema lhes une: a felicidade.
Todo cineasta tem seu  grande tema e o de Resnais era o tempo. Mas não o "tempo do mundo", na feliz expressão de Fernand Braudel, mas o tempo de cada um. Remover a memória era a técnica do dono do castelo em A Vida é um Romance para se alcançar a felicidade, contudo a experiência falha miseravelmente. É contra o esquecimento que Noite e Neblina se ergue. Nada mais justo que o tempo o levasse.

A sanha never ends


Hoje li n'O Globo um artigo do cientista político Nelson Paes Leme - que pode ser encontrado na íntegra aqui no post do Fernando Brito - com o seguinte título: a UDN não morreu.
O que quer dizer UDN? Calma, titio explica: União Democrática Nacional é o nome de um partido criado em 1945 e extinto em 1966 (já falamos dele em um post anterior) que tornou-se bastião do conservadorismo em terras tupiniquins.
Diz Paes Leme que o udenismo perdura através de um moralismo obtuso. Acho que podemos acrescentar aqui anticomunismo também. Qual a novidade? A sociedade brasileira sempre foi muito conservadora e autoritária. Talvez o mais importante nessa discussão é saber como esse reacionarismo sobrevive. Por meio de que mecanismos ele se adapta aos novos tempos?
O cara do conservadorismo hoje não tem rugas, mas espinhas. Há um descontentamento com o presente e há uma associação, por inúmeros motivos, das mazelas do cotidiano com a participação dos movimentos sociais (principalmente das chamadas minorias) nas políticas públicas desde 2003.
A direita, que havia se queimado pelo apoio á última ditadura, saiu do armário. Antes fosse uma direita inteligente, o que enriqueceria nossa morna democracia, mas não. Ela não propõem nada de novo, não há um projeto de Brasil. Quando há sempre é orientado por uma volta a um passado totalmente idealizado. Há mais uma sanha contra tudo aquilo que abale a moral e a acomodação. Bolsonaro, Feliciano e Sherazade são os testas-de-ferro do "cidadão de bem".
Bem, a UDN foi vítima da autofagia. O autoritarismo que tanto defendeu foi seu fim. E o que será dos udenistas de plantão hoje?

Para entender o "hoje" de 2014

Vem Pra Rua (Manaus, 2013). Foto: Igo Rafael Farias.
Aviso: Não estou fazendo aqui uma lista dos textos essenciais e definitivos para compreender profundamente esse momento tão peculiar por que passamos. Seria muita presunção fazer isso. Afinal, a história e o presente, como queria Walter Benjamin, é feito de muitos "agoras". Por isso estou elencando aqui alguns "agoras" que tem me ajudado a pensar e repensar minhas certezas sobre o que estamos vivenciando.


Esse post foi escrito em 2012 se não me engano no saudoso blog Fagocitando São Paulo do meu amigo Diego Gatto (por isso as referências ao coronel Telhada) e foi revisado recentemente para seu novo blog Check Out Town. O que me cativa aqui além da verve do autor, é esse sentimento de inconformismo com a democracia que não descamba para um saudosismo autoritário. É a sede por coisas novas. É o anseio por fugir das miragens do neoliberalismo. 

Manifestações, Bráulio Tavares
O escritor paraibano me deixou inquieto por todo um dia com esse post. Prenhe de inquietações, todas elas muito bem articuladas com sua escrita lúdica, nos oferecem um posicionamento aquém das usuais visões maniqueístas sobre as manifestações. Não encontramos demonizações aqui, muito menos canonizações.

Ao contrário dos dois primeiros textos, esse aqui se aproxima mais dos ensaios políticos tradicionais ao reunir dados estatísticos e um embasamento teórico referente á movimentos sociais consagrado (refiro-me aqui ás considerações de Eder Sader). Alguns conceitos problemáticos, como classe média ou classe c, aparecem aqui, mas justamente para serem problematizados á luz do momento - note que ele foi escrito um mês depois das grandes manifestações de 2013.

O jornalista condensa aqui uma série de impressões sobre os rolezinhos, tentando fugir de discursos enviesados (embora aqui e ali escorregue em certo moralismo), além de estabelecer uma conexão interessante com várias obras que discutem as ambiguidades da urbanização no mundo contemporâneo sem necessariamente ter aquele discurso academicista.

Por que implicar com o academicismo? Nada contra, apenas acredito que nesse momento os pesquisadores tem se valido de muitos conceitos deslocados e anacrônicos na tentativa de justificar sua posição enquanto peritos, enquanto decifradores do real, quando estamos na hora e a vez da experiência.