domingo, 6 de março de 2011

Se a canoa não virar, olê olá...

Esse ano, ainda não sei direito porquê, tivemos o carnaval no começo de março. Eu não posso dizer muito sobre o carnaval desse ano, afinal passei toda a última semana com dengue (aliás, internado por dois dias). Apesar de pular carnaval estar no meus planos, antes do mosquito listrado frustrá-los, nunca fui disso. Então, também não posso dizer muito sobre o carnaval dos demais anos.

Na minha infância eu costumava ficar em casa, vez em quando saía na rua e, por azar, me deparava com meu mais temível medo: o bate-bola! Pra quem não conhece, é uma fantasia onde um homem coloca uma máscara assustadora e sai andando por aí com uma bola de plástico que quando atirada ao chão faz um barulho terrível, parecido com o de um tiro.

Bate-bolas no Rio de Janeiro: fala sério, tu também não sentiria medo?
Tirando o bate-bola, adorava o carnaval de rua. Isso foi nos anos 90 e no subúrbio do Rio de Janeiro, quando da minha infância. Desde então, me mudei para cidades pequenas onde carnaval só havia na TV. Taubaté, a última cidade por onde passei, contudo, tinha um apreço pelo carnaval. Lá há a Avenida do Povo, onde desfilam algumas escolas de samba. No entanto, o que atraia mesmo o Vale inteiro era o carnaval de rua de São Luís do Paraitinga, o qual nunca fui também (por razões financeiras). Esse ano me parece que ambos correram muito bem.

E, finalmente, descobri o carnaval manauara. Também com desfiles de escolas de samba e folia de rua. E o melhor: sem bate-bolas! Já me informaram das mais tradicionais bandas ou blocos de rua como a Banda da Bica ou o Bloco das Piranhas. Vontade de ir não faltou, mas a doença não permitiu. Ano que vem, quem sabe.

O que faz do carnaval o feriado preferido do brasileiro é justamente essa possibilidade de cair na gandaia abertamente. Afinal, ele foi criado para isso. Carnaval é o nome que deram na Europa para os dias que antecedem a Quaresma, os quarenta dias de jejum da Semana Santa. Carna em grego significa carne e Valles prazeres: o nome já diz tudo. São alguns dias de festa para a carne antes dela sofrer as penitências da abstinência.

Enquanto festa, o carnaval já é antigo e remonta os mais variados rituais pagão, mas como feriado aprovado pelo calendário litúrgico somente no século XI. De lá pra cá, o carnaval passou por muitas mudanças. Algumas cidades dotaram-lhe de algumas modificações. Em Veneza, o carnaval era mais aristocrático com sua corte de mascarados e artistas circenses na rua. Nos Estados Unidos, é Nova Orleans que chama atenção com seus desfiles de carros alegóricos e bandas, dentre outras coisas. Finalmente chegamos ao carnaval do Rio de Janeiro, considerado pelo Guiness Book o maior carnaval do mundo.

O carnaval chegou no Brasil com outro nome: entrudo. Entrudo era como chamavam, em algumas vilas portuguesas, os bonecos que acompanhavam o desfile. Depois de trazido para o Brasil, o entrudo tornou-se uma festa popular, mas somente nos grandes centros urbanos. Segundo pesquisadores havia dois tipos de entrudo: o familiar, praticado na casas dos senhores, e o popular, praticado por escravos, libertos, homens livres mais pobres na rua. O entrudo familiar era feito com limão de cheiro e farinha, enquanto o popular era mais violento: o sujeito, além de poder levar uma paulada aleatoriamente, era alvo desde de ovos á vasos de plantas.

Por causa da violência, o entrudo popular começou a ser perseguido pelo governo imperial e em meados de 1840 estava sumindo das grandes cidades. O modelo francês de carnaval, baile de mascarados e associações de carnaval, começava a entrar no Brasil na mesma década e pouco a pouco o entrudo sai de cena e entra de uma vez por toda o carnaval. O baile de mascarados francês era praticado pela burguesia, principalmente de Paris, e no Brasil não foi muito diferente por algum tempo. As associações de carnaval tornaram-se os clubes e grêmios de carnaval (como Os Tenentes do Diabo) e somente na virada do século se tornam as famosas escolas de samba. Diferente dos clubes, nas escolas de samba o trabalho era feito pela comunidade, geralmente de áreas periféricas das grandes cidades. A primeira que se tem notícia é a Deixa Falar, fundada em 1928 no Rio de Janeiro, por um punhado de compositores e cantores que mais tarde se tornariam famosos, como Ismael Silva.

Não preciso dizer que as escolas de samba, assim como os sambistas, eram vistos pela opinião pública como símbolos da vulgaridade. Como elas adquiriram o status de estrelas que tem hoje? O caminho é longo. A valorização das escolas de samba começou com a valorização dos sambistas - o culto ao malandro criado durante a Era Vargas ajudou um bocado. E tinha de passar pela valorização da sua comunidade: a antiga Praça Onze no Rio, por exemplo, demorou a ser vista como uma comunidade realmente e não apenas um "reduto de negros e judeus". Muitas até hoje não foram valorizadas.

Hoje, as principais cidades do Brasil tem sambódromo e transmite o desfile das escolas de samba pelas emissoras locais ou nacionais. Celebridades passam a tomar espaço nos desfiles, ao invés de pessoas da comunidade. Símbolo de que foi engolido pela indústria cultural. O carnaval popular hoje virou realmente popular mesmo, embora ainda exista aquele carnaval mais aristocrático, feito nos clubes.

Antes de ir, gostaria de mencionar uma reflexão feita pelo antropólogo Roberto DaMatta sobre nosso carnaval: analisando os carnavais do Brasil e dos EUA, Roberto chegou a conclusão de que o carnaval aqui seria uma válvula de escape, uma oportunidade do brasileiro - torturado pela sociedade altamente autoritária e desigual em que vive - desfrutar um pouco não só da alegria, mas principalmente da igualdade e de escapar da autoridade. Enquanto nos EUA, o carnaval é "administrado" de forma altamente hierárquica nos grêmios carnavalescos e, em certa forma, no carnaval de rua, aqui ele não resiste á esse tipo de autoridade. Eu, no entanto, penso que isso não se aplica mais ao Brasil, pois as escolas de samba estão cada vez mais fortes e o carnaval de rua mais escasso. Mas que autoridade eu tenho pra falar isso mesmo?

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