domingo, 27 de junho de 2010

O Pensamento Católico no Brasil

Clássico livro de Antônio Carlos Villaça, um dos grandes escritores brasileiros que, mesmo tendo produzido pouco, nos mostra uma grande sensibilidade e lucidez.
Sensibilidade e lucidez que não poderia faltar nesse livro, um ensaio sobre a história do catolicismo, principalmente entre os intelectuais, no país. Com uma linguagem erudita, mas fluída, que cativa o leitor, o autor nos presenteia com belos balanços e avaliações.
Villaça vai desde os tempos da colônia até o momento em que o livro foi escrito (os anos 80), mas a parte mais interessante do livro trata do final do século XIX e começo do século XX, época em que o pensamento católico brasileiro mais se desenvolveu e época, aliás, da qual o autor fez parte (uma vez que conheceu tanto os altos membros da hierarquia católica, como o cardeal Leme, como os líderes leigos, como Alceu Amoroso Lima e Gustavo Corção).
Interessante pela análise que faz Villaça dos grandes expoentes do pensamento católico, principalmente Alceu Amoroso Lima e Carlos de Laet, nos apresentando não só o peso de suas figuras, mas também passando um pouco do que eles representaram para quem vivia naquela época. Assim entendemos como Laet arrebanhava tantos seguidores, como o padre Júlio Maria parecia esta criando uma revolução na Igreja e no povo.

Antônio Carlos Villaça.
Villaça se vincula a uma corrente mais liberal do catolicismo, uma vertente que tem no humanismo cristão de Jacques Maritain e na voz de Amoroso Lima sua essência. Uma corrente que encara a modernidade não como elemento estranho, mas como passível de vantagens e defeitos, ao contrário da corrente mais conservadora, que tem como principal porta-voz Gustavo Corção. Por isso, Villaça critica muito a posição monolítica e agressiva de Corção.
De qualquer maneira, O Pensamento Católico no Brasil é um livro recomendado para historiadores e leigos de todos os tipos, católicos ou não.

Coisas do Progresso...

Eu me assustei com duas notícias que vi no jornal A Crítica desse domingo (19 de maio de 2010): o aumento do número de trabalhadores doentes saídos do Parque Industrial de Manaus e o crescimento de motoristas e cobradores com problemas psicológicos e físicos na cidade.
Me assustei, em primeiro lugar, pela semelhança das duas manchetes, e, depois, por não ser nada novo. Os poucos meses em que moro em Manaus já são suficientes para observar o caos que é o trânsito manauara. E mais ainda: a precariedade do transporte coletivo. Além dos acidentes nossos de cada dia, assisti há algumas greves e paralisações.
Bem, mas vamos ao assunto: essas notícias comprovam o que eu descobri com meus estudos em história - que desenvolvimento econômico não significa desenvolvimento social ou humano. Manaus é uma das cidades que mais contribui para o PIB interno em se tratando de indústrias (está no terceiro lugar do rank, depois de São Paulo e Rio, se não me engano) e mesmo assim está cravada de tensões terríveis. Além das desigualdades sociais (o centro é uma ilha de riqueza cercada de pobreza por todos os lados) temos um péssimo sistema de serviços urbanos (digo transporte, saúde, urbanização, etc.) e o resultado desse casamento são pessoas corrompidas pelo estresse e pelo cansaço.
O que falo de Manaus, aliás, não deve espantar mais ninguém. O que deve espantar é acharmos uma cidade que não tenha todos esses problemas. As mesmas consequencias que vem assolando Manaus podem ser encontradas em outras grandes cidades brasileiras como São Paulo ou Rio. Os problemas podem ser diferentes, mas a causa é a mesma; um projeto de desenvolvimento que privilegia a economia e não a cidadania. Em vez de procurar promover um desenvolvimento economico e social, simultaneamente, sempre com o cuidado de um se sobressair ao outro, temos guerras fiscais e algumas medidas que buscam apenas mitigar a falta de serviços fundamentais, como o transporte ou o lazer, por exemplo. Enquanto não revermos nossa concepção de desenvolvimento nossas cidades continuarão a serem grandes fábricas de doentes.

sábado, 26 de junho de 2010

Fontes para a História do Cinema em Taubaté:

-Taubaté no Aflorar do Século. Oswaldo Barbosa Guisard. Edição do autor, 1977.

-Conversando com a Saudade. Emílio Amadei Beringhs.

-Á Sombra da Outra. Afrânio Mendes Catani. Brasiliense: São Paulo, 1989.
(tomei conhecimento dessa obra a partir desse site).

-Memórias de um Produtor.Mário Audrá Júnior. Silver Hawk: São Paulo, 1997.

Apontamentos para a história do cinema em Taubaté:

-Os cinemas mais famosos de Taubaté eram o Cine Politeama e o Cine Odeon, sendo aquele mais velho que este. O Cine Politeama exibia sua programação em uma coluna diária no jornal Correio do Vale do Paraíba, através do colunista Écran (nome dado á projeção).

-O fundo musical dos filmes eram feitos por bandas locais, como a Banda Philarmônica ou a Banda João do Carmo (ambas conhecidas respectivamente, como a Banda dos Ursos e a Banda dos Paraguaios). Foi trabalhando como maestro das bandas nas sessões de cinema que se destacou o maestro Segesfredo Camargo(1888-1971), conhecido com Fego Camargo, futura sensação musical em São Paulo capital e futuro pai de Hebe Camargo.

-Oswaldo Barbosa Guisard (1903-1982) nos diz que o auge do teatro em Taubaté, principalmente do Teatro São João, se deu entre os anos de 1907 e 1908. O declínio está associado ao sucesso do cinema. Sucesso esse que passou toda a década de 1910 e só foi ter seu declínio, segundo os jornais, a partir da década de 1980. Mas entre 1910 e 1930 ele teve seu apogeu. "O cinema e o futebol grangeavam a preferência dos taubateanos, da coletividade, sem distinção". (Guisard, 1977,p. 167).

-Ainda Barbosa Guisard nos diz que a primeira projeção feita na cidade foi O Biógrafo, do sr. José Barrucci, que tinha filmado imagens da cidade. Emílio Amadei Beringhs nos fala que antes de chegar o cinema em Taubaté, trouxeram para cá o Pickpocket. O Pickepocket era um diabinho que fazia um monte de mágicas, escapava da polícia, atravessava muros e etc. A história acontecia quando se rodava uma fita com o desenho bem rápido.

-No final dos anos 40, Raul Guisard e Alberto Guisard, filhos da tradicional família do industrial Félix Guisard, decidem montar seu próprio cinema: o cine Urupês. Outra tradicional família envolvida na indústria têxtil, os Audrá, também investiram no cinema: no começo da década de 1950, Mário Audrá Júnior, conhecido como Marinho, funda uma companhia cinematográfica, a Cinematographica Maristela. A firma tentaria competir com as famosas e bem sucedidas Vera Cruz e Atlãntida, mas acabou perdendo espaço tanto para suas chanchadas como para o Cinema Novo. Seu maior sucesso foi O Comprador de Fazendas (1951), com Procópio Ferreira (1898-1979), inspirado em conto de Monteiro Lobato. Nos anos 60, a firma então é fechada e Mário só fica com sua empresa de dublagem, a AIC Cia, beneficiada com uma lei de Jãnio Quadros que obrigava a dublagem de todos os desenhos e séries que seriam transmitidos na tv de agora em diante.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A moderna concepção de História

No blog da Anita Lucchesi, pesquisadora da UFRJ, existe um interessante debate sobre a concepção moderna de História (aliás, tema da autora).

Que concepção seria essa? Basicamente, uma concepção que adota as estruturas sociais e naturais como grande protagonistas da história, responsabilizando elas por impulsionarem a ação e a cultura humana. Seus maiores representantes foram Hegel, Marx e o estruturalismo.

Muitos criticaram essa concepção como Johan Huizinga, Jacob Burckardt e Hannah Arendt, e é partir da crítica deles que ela parte sua análise. Huizinga criticava essa concepção por reduzir a diversidade e riqueza do indíviduo através dos tempos, riqueza e diversidade essa muito bem representada na produção cultural. Burckardt, grande crítico da modernidade em si, a critica por diluir a figura do homem em estrutura transcedentes, como se não existisse vontade própria. Arendt fala das implicações morais dessa concepção de história: a idéia de pertencer a um sistema além do mundo sensível implicou para muitos a idéia de que suas ações estavam acima do bem e do mal pois estavam ajudando o progresso da civilização (vide o nazi-fascismo).

terça-feira, 22 de junho de 2010

Marxismo e Pós-modernidade

"Como superar o marxismo dominante"? Agora vamos encarar a tão temida pergunta.

Acho que em primeiro lugar, qualquer corrente historiográfica ou filosófica que se preze tem que reconhecer os méritos primeiro e depois os defeitos da corrente anterior. Seria o caso dos pós-modernistas analisarem o marxismo, para além da simples crítica.

O marxismo possui ainda um dos melhores instrumentos de apreensão do processo histórico: o materialismo dialético. Além disso, Marx e seus seguidores criaram muitos outros dispositivos indispensáveis para uma análise não-redutiva da história, como faziam muitos dos positivistas. Não é de se estranhar, portanto, que as duas maiores e revolucionárias correntes historiográficas do século XX tenha se inspirado na filosofia marxista: a Escola dos Anais (ou Annales se preferir) e o marxismo inglês. Conceitos como o de longa, média e curta duração, desenvolvido e utilizado por Fernand Braudel, tem sua inspiração maior no marxismo. Além disso, a corrente marxista inglesa foi responsável por uma reavaliação crítica da filosofia e da historiografia marxista (numa época em que ela se tornava mais e mais dogmática) que gerou conceitos que são utilizados até hoje, a maioria por pós-modernistas, como o conceito de cultura de Thompson ou de classe social como fruto do contexto histórico, do mesmo historiador.

Como defeito podemos dizer que o marxismo, á medida em que foi ganhando o establishment histórico foi se tornando cada vez mais dogmático e no lugar do marxismo original, uma teoria não-redutiva que reconhecia a complexidade do processo histórico e do homem, surge uma espécie de marxismo contaminado por ideais cientificistas e positivistas, que enxergava o homem como marionete das grandes estruturas históricas, reduzindo sua liberdade, e que via nos grupos sociais categorias monolíticas e homogêneas. Mais uma vez a revitalização veio de seus próprios quadros, com a auto-avaliação e a posição crítica de intelectuais como Thompson, Hobsbawn, e no Brasil, do pioneiro Caio Prado Júnior e de Leandro Konder.
Se o marxismo possui seus méritos e defeitos, todos nós sabemos. Mas quais são os méritos e defeitos dos pós-modernistas? Em primeiro lugar, na problemática da verdade, onde se salientou os esquecidos limites da ciência (a posição de Michel de Certeau de que não é possível atingir a verdade, mas uma parte dela,me parece uma das mais lúcidas e moderadas nesse quesito), em segundo, a volta da afirmação do protagonismo das ações humanas (com a crítica ao estruturalismo nas ciências) e a preocupação em escrever a história dos esquecidos (afinal, essa é uma preocupação também de quem deseja fazer uma história total e de interesse social).
Quanto aos defeitos, ao meu ver, temos o exagero da crítica do discurso científico (que chega a pregar o fim da ciência), da fragmentação das história, do relativismo e da posição crítica para com a modernidade. Estes exageros criam uma história tão dogmática (mesmo não propondo nenhum paradigma) e confusa quanto a dos marxistas criticados por Thompson e Konder.
Uma vez esclarecido o papel das duas correntes, vamos á pergunta? Como superar o marxismo dominante? Bem, se o autor da pergunta encara o marxismo dominante como o marxismo academico unilateral que criticamos então a pergunta é fácil: uma posição crítica por parte dos demais historiadores e dos prórpios marxistas dá cabo desse problema. Se o autor entende como marxismo dominante toda a ideologia marxista, então, a resposta é outra: não há como superar o marxismo, assim como não há como superar os Annales (e mesmo os positivistas se você pensar bem) porque suas contribuições na estruturação da história como campo científico foram importantíssimas. O que se tem á fazer é dialogar com ele e criar uma nova corrente com novas contribuições ao campo histórico.
Aliás, muitos dizem que quem é dominante hoje no país é o pós-modernismo. Precisamos esclarecer mais uma vez o enunciado aqui então:se entendemos como pós-modernismo a fragmentação regional da história então sim, ele é dominante. O que todos reconhecem é que há um embate velado entre marxismo e pós-modernismo atualmente. Nesses termos, o interessante seria formular a seguinte pergunta: como superar o embate dominante? Ou seja, como deixar a polêmica de lado e criar novos procedimentos e novos raios de atuação?
Astor Antônio Diehl, em livro recentemente publicado, critica esse embate velado e propõe um enfrentamento mais sério e lúcido com o pós-modernismo. Prega como meio de realizar esse empreendimento duas ações simultãneas: a autoavaliação e crítica dos historiadores e do campo científico e a dialética entre a tradição historiográfica e as inovações metodológicas. Essa é apenas uma proposta, muitas ainda precisam ser feitas (algumas já foram feitas, embora não foram tão divulgadas) e até lá temos muito o que pensar, avaliar e analisar.

Pós-Modernidade

Sem nome, Jackson Pollock

Rapaz, de um tempo pra cá eu vivo pensando e analisando num tema muito delicado hoje no campo historiográfico: aquela corrente a que se convenhou chamar de pós-modernismo. Todo esse interesse foi despertado depois que vi um tópico em uma comunidade no orkut sobre história com o seguinte título: Como superar o marxismo dominante? Tornou-se uma verdadeira discussão (que descambou para a vulgaridade) entre um membro dessa corrente e outros pesquisadores e professores marxistas ou não.


Bem, é uma questão muito complexa, por isso vamos por partes. Primeiro, vamos entender o que é pós-modernismo e depois tentaremos responder a questão proposta no tópico da comunidade de uma maneira mais lúcida e crítica. Pós-modernismo é um conceito muito amplo, como demonstra Frederic Jameson ao analisá-lo nas artes plásticas, arquitetura, literatura e até ensino. O pós-modernismo caracteriza-se principalmente por assumir uma posição crítica em relação á modernidade (modernidade aqui entendida como a prática dos valores criados pelo Renascimento e consolidados com o Iluminismo, principalmente no que se refere ao uso da Razão, a idéia de progresso e a intervenção da ciência na realidade) e a defesa do relativismo.

A crítica á modernidade vem da frustração da experiência do século XX onde os ideais iluministas parecem ter provocado um pesadelo ao invés do sonho prometido (a igualdade, fraternidade, liberdade, e felicidade, acrescento). Aliás, Sérgio Paulo Rouanet chega a hipótese de que o pós-modernismo é mais uma frustração do que propriamente um novo estágio da]história humana. A defesa do relativismo implica na tolerância de outras possibilidades de pensar, de agir e de se expressar (um multiculturalismo, como muitos dizem) e na eterna desconfiança de verdades eternas.

O que vem a ser pós-modernismo em História? Segundo o pensamento dessa corrente, a verdade é impossível de ser alcançada pelo conhecimento histórico por causa da subjetividade do homem, portanto, as obras e documentos históricos seriam meros discursos. Ao historiador caberia analisar a subjetividade do autor do documento, ao invés de sua objetividade, ou seja, a pesquisa histórica se concentraria na análise do discurso. A visão mais radical chega a dizer que a História, como não chega á verdade, é pura ficção, literatura.

Pode-se imaginar como foi criticado o movimento, não só no mundo como em terras tupiniquins também. Severas foram as críticas, principalmente no caráter despolitizado, irracionalista, hedonista, relativista, dentre outras coisas da corrente. Mas o que nos importa agora é a crítica da historiografia não-pós-moderna. Entre os mais importantes críticos do movimento podemos citar o historiador espanhol Josep Fontana, o pesquisador francês François Dosse, o historiador inglês Perry Anderson, dentre muitos outros. Um dos mais famosos críticos do pós-modernismo no Brasil é o professor Ciro Flamarion Cardoso que enxerga no paradigma pós-moderno puro ressentimento para com as ciências. Recentemente surge no debate nacional a figura de Asto Antônio Diehl que critica a fragmentação do conhecimento histórico e o relativismo exagerado promovidos pelo pós-modernismo em história.

Liberdade de Imprensa II

Bem, continuaremos falando sobre a liberdade de imprensa.
No post anterior falamos sobre o direito á liberdade de imprensa, um direito criado pela modernidade e conquistado no decorrer dos últimos séculos. Hoje abordaremos um aspecto desse direito atualmente: os limites da liberdade de imprensa.
A luta contra a censura, em muitos países ocidentais, e sua consequente vitória (apesar de ás vezes reaparecer uma fagulha de censura) estabeleceu de uma vez por todas o direito á liberdade de imprensa. No entanto, alguns chegam a uma defesa quase fundamentalista desse direito. Tais defensores esbarram em outros direitos (ao meu ver tão importante e cruciais quanto á liberdade de imprensa) e justificam a quebra deles por meio da liberdade de imprensa. Me refiro principalmente ao direito á privacidade e a tolerância religiosa. Alguns jornais tem utilizado a liberdade de imprensa para justificar a entrada na vida não só de celebridades (embora esse seja o ramo mais rentoso), mas de pessoas envolvidas direta ou indiretamente na vida pública e também para atacar certas comunidades religiosas. A bola da vez é a comunidade muçulmana, em vista do crescimento do fundamentalismo no Oriente Médio e dos lamentáveis incidentes envolvendo membros do jornalismo e radicais (como o caso do assassinato do jornalista holandes Theo Van Gogh por radicais islãmicos). Não estou justificando o radicalismo islâmico (afinal, ele representa apenas um ramo da religião muçulmana), mas enfatizando o direito á qualquer crença religiosa e o respeito á ela, afinal esse é um direito garantido por nossas constituições e importante ferramenta para o desenvolvimento e manutenção da tolerãncia e da convivência.
Se alguns setores da imprensa tem culpa no cartório, muitos leitores também tem, afinal, esse mercado só é grande e lucrativo porque existe um público que adora consumir fofocas e se diverte menosprezando outras religiões e culturas. Mas fofoca e preconceito sempre existiu na história e sempre existirá, o problema é que ambo se tornaram verdadeira febre ultimamente. Estamos tentando construir um mundo menos opressor e mais compreensivo e precisamos que estes radicalismos diminuam. Uma conscientização do público e da imprensa se faz preciso.

domingo, 13 de junho de 2010

As idéias e seu lugar

(Resenha de Panorama da Filosofia Brasileira, Ricardo Vélez Rodríguez, acesso aqui.)

Roberto Schwarz chamou a atenção, em um já antológico artigo, para o status de nossa história intelectual, onde as idéias estão sempre fora de lugar, onde o pensamento anda em descompasso gritante com a realidade. Maria Sylvia Carvalho Franco respondeu em outro artigo propondo que as idéias estão exatamente no lugar, pois a construção de nossa sociedade foi feita para ser assim: culturalmente deslocados da realidade o pensamento e a reflexão. Afinal, onde estão as idéias?

Pode ser que o painel da filosofia brasileira exposto pelo filósofo e pesquisador colombiano Ricardo Vélez Rodríguez nos ajude a responder essa questão. Velez nos fala de nossa origem vinculada á segunda fase do tomismo, essa mais rígida e dogmática por conta da Contra-Reforma, na qual não se sobressai a crítica, mas a transmissão de um conhecimento dogmático nos colégios jesuíticos. É um saber muito barroco ainda.

No entanto, surge no século XVIII o que o autor chama de empirismo mitigado, por guardar algumas características do pensamento de John Locke. O empirismo mitigado queria transformar a filosofia em ciência aplicada, Portugal o irradiava para a sua colônia, criando uma elite formada nessa corrente meio cientificista. É bom que se diga que essa corrente partiu das idéias do grande reformador português, o temido Marquês de Pombal, e teve uma má recepção entre os (muitos) defensores do tomismo no Brasil. No entanto, é bom que se diga, o empirismo mitigado tornou-se o escopo ideológico dos nossos homens públicos desde a vinda da Família Real para o Brasil.

O liberalismo chega ao Brasil por meio do ministro de D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira, que ajuda a formular o sistema representativo (mais tarde institucionalizado pelo Visconde do Uruguai) nacional, extirpando dele o liberalismo radical, aquele praticado pelos líderes da Revolta Praieira e pelos revoltosos de 1842. O problema da liberdade será abordado depois por Eduardo França e Domingos Gonçalves Magalhães, dois pensadores que falam num momento de construção da nação e por isso escrevem sobre a importância da família e da pátria, principalmente o último (conhecido como um dos pioneirosdo romantismo brasileiro).

O autor fala que era comum nossos pensadores unirem as diversas correntes, principalmente o espiritualismo, e tentar extrair delas um pensamento síntese. Classifica estes de pensadores ecléticos. Os ecléticos seriam ofuscados a partir das últimas décadas do século XIX por um "surto de idéias novas" que estavam entrando nos meios acadêmicos agora e que eram contrárias ao espiritualismo, como, por exemplo, o darwinismo, o monismo e o positivismo.

O positivismo se torna o hegemônico e o autor nos fala que, graças ás singularidades de alguns setores que o adotaram, ele se dividiu em 3 tipos: o positivismo ortodoxo, praticado pela Igreja Positivista Brasileira de Teixeira Mendes e Miguel Lemos; o positivismo ilustrado, aquele que dá enfâse á construção de uma nova ordem social, a última etapa da evolução da humanidade; o positivismo político, praticado principalmente por Júlio de Castilhos, no qual, ao contrário do que dizia Comte, o Estado forte deveria moldar a sociedade, construir a nova ordem; e, por fim, o positivismo militar, que unia o pombalismo ao positivismo, elegia o Exército como o elemento que traira a nova ordem social.
Apesar da hegemonia, o positivismo sofreu duras críticas dos pensadores reunidos ao redor da Escola do Recife, gente como Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Bevilacqua, dentre tantos outros. A maioria deles se dedicou a estudar a epistemologia e a praticar um kantismo meio transcendente.

Descendente distantes do liberalismo radical, os liberais das últimas décadas do século XIX criticam não só o positivismo, mas também nosso sistema representativo por ter sido construído em cima de ideais conservadores do liberalismo, anti-democráticos. Seu grande representante foi o Partido Liberal (entre 1860-1870). Os conservadores também foram importantes no campo das idéias, inspirando-se principalmente nos tradicionalistas franceses, embora fossem muito mais tolerantes que eles, como observam muitos pesquisadores. Sua crítica era ao racionalismo e sua apologia á Igreja Católica, a monarquia e a família.

Vem o século XX e o castilhismo, que conquistara então o Rio Grande do Sul, torna-se nacional com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930. O positivismo ortodoxo se esvai, o ilustrado passa a defender a democracia liberal e o militar se funde, a partir de 1930, com o castilhismo. O espiritualismo, representado na figura de Farias Brito, volta a crescer e influencia e muito os pensadores tradicionalistas e ultramontanistas (ligados ao projeto de ortodoxia da Igreja Católica no começo do século).

Duas novas correntes aparecem aqui: o culturalismo e o marxismo. O culturalismo, herdeiro da Escola do Recife, privilegia a ação do homem e o que ela produz, principalmente a cultura.O maior representante dessa escola seria Miguel Reale, por muitos considerados o maior filósofo do Brasil. O marxismo aqui chega com Caio Prado Jr., mas torna-se cada vez mais dogmático, apesar das ações de muitos de seus pensadores, incluindo o próprio Caio, para tentar torná-lo mais crítico.
O existencialismo aqui também aparece, em dois momentos: o primeiro com a visita de Sartre ao Brasil e com os estudos sobre Heidegger nos anos 70. Neste momento, inclusive, o existencialismo se ligará com a tradição espiritualista.

O autor salienta o papel das instituições para fomentar a filosofia no Brasil,basta lembrarmos que as escolas mais profícuas foram aquelas que tinha instituições próprias para o debate, como a Escola do Recife, o ISEB, o Centro D. Vital, etc. Com a chegada dos programas de pós-graduação a situação parece estar mudando, ficando cada vez mais frutífera para o pensamento nacional.

Uma vez exposto todo esse imenso e colorido quadro intelectual de nosso país, voltemos á pergunta inicial: as idéias estão fora ou não de lugar? Ora, a maioria das correntes que vimos foi bastante influenciada por correntes estrangeiras, principalmente as francesas. Ponto para Schwarz. No entanto, é bom lembrarmos disso, é dinâmica própria do pensamento, seja onde for, ele evoluir a partir da influência externa, de demais centros de produção de conhecimento, e das mudanças de sua própria sociedade. O fato é que na nossa sociedade, graças ao nosso modelo de colonização, temos uma dependência muito grande para com os grandes centros, afinal o mecanismo da colonização foi feito para criar centros e periferias e mantê-los assim. Nossa entrada no capitalismo modificou muito pouco isso.Ponto para Maria S. Carvalho Franco.
Mas isso não quer dizer que não há originalidade no que produzimos, muito pelo contrário. A união de idéias modernas com as tradicionais, como vimos, foi responsável pelo nascimento de inúmeras correntes importantes, como o culturalismo ou o ecletismo. Vélez enfatiza muito isso, até na metodologia em que usa. Aliás, o fato das idéias estarem fora de lugar, olhando pela ótica do pensamento político, também tem sido o propulsor de mudanças sociais no nosso país nos últimos anos, como bem lembra Bernardo Ricupero. A falta de coerência entre a teoria e a realidade motivou quantas e quantas reformas, manifestações, golpes, projetos e processos, enfim, nas últimas décadas? O lugar das idéias, como vimos, é um tema importantíssimo.

Liberdade de imprensa

(Mafalda, Quino)
A liberdade de imprensa sempre foi um objetivo muito perseguido e muito barrado na história da imprensa mundial. Hoje gabamos de termos conseguido alcançá-lo. Mas volta e meia aparece alguma novidade no sentido de cercear a liberdade da mídia.
Durante a ditadura militar existia sempre o medo de novas modificações na chamada Lei de Imprensa, cada vez mais em conformidade com a censura e autoritarismo do AI-5. No Estado Novo quem vigiava os periódicos era o Departamento de Imprensa e Propaganda, o temido DIP, que tinha métodos muito mais sutis de impedir a circulação de certos jornais que não lhe fossem bem vistos, como, por exemplo, cortar seus suprimento de tinta e papel ou aumentar os impostos prediais.
Se a imprensa é um veículo muito marcante e popular, por isso sempre visada e perseguida, o que dirá então da internet? A proposta da internet era justamente a de permitir a comunicação entre as várias partes do mundo, entre as pessoas. E recentemente se tornou mais popular ainda ao criar uma mídia mais colaborativa. Defender um ideal ou desmascarar algumas mentiras (bem como criar outras) é mais viável e poderoso que na imprensa escrita do século passado.
Nem por isso está isenta de ser censurada. Ora, na China, como sabemos, há a censura da internet. No Brasil não faz muito tempo se discutia um projeto de lei para fiscalizar a propaganda política em blogs e outras plataformas. Não sei como anda o status do projeto atualmente, só sei que ele parece ter sido engavetado... por enquanto.

sábado, 5 de junho de 2010

O cinema segundo Ambrogi

Já disse aqui que o pesquisador de audiovisual Arlindo Machado fez uma comparação muito feliz entre o mito da caverna de Platão com o cinema. Segundo essa comparação, tanto o cinema como a caverna são locais dedicados á reprodução de ilusões. Para continuar imerso na ilusão, muitas pessoas tentam se desprender mais ainda da realidade. Como? Ora, o cinema ser um local escuro, fechado e onde geralmente se pede silêncio encontra sua razão de ser exatamente aí. É o que um crítico francês chama de situação cinema.

Pesquisando a imprensa taubateana me deparei com um grande defensor da situação cinema: Cesídio Ambrogi (1893-1974), um dos maiores nomes da intelectualidade taubateana do século XX (sem exageros). Cesídio, como todo intelectual do período, tinha como sua fonte de renda, a colaboração nos periódicos e jornais e foi justamente em um desses, onde mantinha uma coluna periódica chamada Reticências, que lhe encontrei comentando a chegada do cinema falado em Taubaté.
O escritor critica a presença do som nos filmes, pois assim ele quebra todo o poder de sugestão do filme. Agora os espectadores não precisam mais pensar no que os atores falaram. Além disso o próprio som distoa do poder hipnótico das imagens, muitas vezes se sobressaindo sobre elas. Isso quebra a ilusão do filme, diz o escritor. Enquanto o escritor via o som como fator desestabilizador da situação cinema, outro articulista, no mesmo exemplar (na coluna do cine Politeama, Écran), diz que o que era bom melhorou, mas ainda temos que dar conta de um problema que surgiu com o cinema falado; o telespectador-tradutor, aquele homem que assopra para os colegas de poltrona o que o ator falou (nessa época não existia dublagem), interrompendo com o próprio fluir do filme.
Na edição seguinte, o articulista de Écran comenta a coincidência. Diz que Cesídio, com sua sensibilidade de poeta, enxergou algo muito profundo e considera que o que importa é que o filme seja bom, falado ou mudo.

Supermáquina


Hoje o carro é cultuado e idolatrado como uma das maiores invenções da humanidade. Mas como essa adoração começou?
Não foi com Nicholas Cugnot quando este criou um veículo movido á vapor em 1769, também não foi quando Karl Benz e diversos outros inventores alemãos criaram o motor de combustão espontanea e o adaptaram a um veículo. Muitos dizem que o começo do culto veio com a produção em larga escala, inserida na indústria automobilística na década de 1910 por Henry Ford, que possibilitou transformá-lo em uma mercadoria e uma mania de todas as nações. Outros dizem que o culto ao automóvel começou na virada do século XIX quando surgiram na Europa e depois no EUA várias corridas entre os raros donos de automóveis, tendo numa delas falecido um dos irmãos Renault (donos de uma fábrica de carros na França). Eu também achava isso tudo, mas depois eu pensei melhor.
Arlindo Machado, em seu trabalho Pré-Cinemas e Pós-Cinemas, nos propõe que o cinema já existia muito antes dos irmãos Lumière. Existia no sonho das pessoas de se iludirem através das imagens, por isso ele estabelecia como parente do cinema alguns truques como os jogos de espelhos. Andei pensando e acho que com o carro aconteceu a mesma coisa: o que nos levou a inventar o carro foi a idéia de maior mobilidade, menos dependência (do cocheiro ou mesmo do cavalo) e mais facilidade de uso (convenhamos, manter um cocheiro, um tratador para os cavalos e um estábulo era muita coisa para poucos passeios). Já existia então o sonho do automóvel: Ferdinand de Verbiest, um missionário flamengo que visitou a China, já tinha idealizado um veículo que não precisava de cavalos para se movimentar para o imperador Kangxi. O que aconteceu é que os inventores dos séculos posteriores tirariam, cada um a seu modo, a idéia do papel e transformariam o sonho do carro cada vez mais próximo da realidade.
Claro que o fordismo ajudou a consolidar esse sonho, transformando-o, hoje, em fetiche. A proporção de carros vendida hoje é incrível, bem como de encontros e reuniões onde pode-se incrementar o carro e mesmo dar umas voltinhas nele (exercitar a liberdade conseguida com o motor de combustão espontanea). Se antes o carro era a máquina ideal, hoje ele se tornou a supermáquina.

Senso comum

Ainda falando sobre os diversos tipos de conhecimento, hoje quero falar deste que é um dos mais incompreendidos deles: o senso comum.
O senso comum é um arcabouço dos conhecimentos construídos no cotidiano do povo. Nem por isso ele é impermeável aos valores e conceitos de outros grupos sociais. Por exemplo, a valorização do diploma e a idéia de objetividade (que leva á credulidade exagerada) da ciência. No entanto, o senso comum é cheio de paradoxos, em boa parte porque abarca diversas culturas, com elas diversas profissões e diversos indivíduos, com valores e conceitos por vezes contraditórios. É exatamente essa diversidade que o deixa conservador e radical, preconceituoso e racional, experimental e não-verificável, simultaneamente.
Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins fazem uma distinção entre o senso comum e o bom senso, definindo como bom senso o uso da razão no dia-a-dia. Para elas, enquanto o senso comum é cheio de juízos de valores, o bom senso é mais crítico. O bom senso seria uma espécie de irmão da Razão dos iluministas que ainda não tomou cálico o bastante para se desenvolver.

A guerra das ciências


Estou lendo alguns trabalhos sobre um sociólogo e antropólogo francês chamado Bruno Latour que tem ganhado um certo destaque no campo da filosofia da ciência por meio de seus reflexões. Uma delas se chama exatamente de guerra das ciências.

Bruno Latour
Guerra das ciências, para Latour, significa a luta entre dois lados com visões distintas do conhecimento científico: entre aqueles que acreditam na imparcialidade e na neutralidade e em um conhecimento unificado e objetivo e aqueles que crêem numa ciência influenciada por relações sociais e culturais diversas e em um conhecimento diverso.

Latour critica a primeira corrente por tentar separar o mundo social do mundo da ciência quanda sabemos que o mundo da ciência está permeada e permeia o mundo social, seja através da política ou da economia. Latour elogia a segunda corrente por defender uma ciência mais aberta e mais compreensiva que traz consigo um verdadeiro projeto democrático e de tolerância.

Bem, acho realmente que há uma guerra das ciências e que o último grupo tem ganhado um espaço muito grande nas batalhas, o que nos leva a uma pergunta: se eles ganharem terão que reestruturar a ciência, dar um novo paradigma á ela e que paradigma será esse? Está difícil de achar o paradigma, em grande parte, por causa do relativismo exagerado em nossa filosofia atual, como nos diz Bauman.

Isso não quer dizer que sou contra o segundo grupo, aliás, eu concordo em muitos pontos com eles; nos últimos séculos a ciência tem sido usada para manipular e para dominar, chegando aos pesadelos dos massacres químicos e novas armas bélicas, nós temos, ao meu ver, o dever de construir uma ciência mais compreensiva e tolerante. Mas o caso é como chegar até ela. Teremos que reformular nosso conceito de ciência, propor novas bases para ela, sem contudo, fazê-la deixar de ser ciência. É uma tarefa difícil, mas não impossível.