segunda-feira, 30 de julho de 2012

Drummond contista

O maior dos nossos poetas também era um bom contista. Hoje compartilho com vocês uma das muitas histórias presentes no seu livro Contos Plausíveis:

A BELEZA TOTAL
Carlos Drummond de Andrade

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.

A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa.

O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.

Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.

domingo, 29 de julho de 2012

Manaus


Amanhece. Com aquele sol de meio dia para o caboclo tomar vergonha na cara e levantar da cama. A não ser que o safado tenha ar condicionado. Aí o astro rei se ferra.
O fato é que o dia começou. A cidade acordou. Pessoas vão pro trabalho, pessoas chegam do trabalho. Outros vão atrás de oportunidades. Com sorte entrarão em regime de semi-escravidão (ou trabalhar no distrito para os leigos) ainda essa semana.
O tempo passa, as ruas incham. Calçadas? O que é isso? Talvez você ache algum pedaço delas debaixo dos barraquinhas de camelô, mas não garanto nada. No terminal, elas já sumiram no universo de pés agoniados e buracos serenos.
A atendente da loja quando não cobiça o vestido, deseja a balada. Entra o cliente bem apessoado e o roll de sonhos (im) possíveis muda. As ruas se movem. Tudo é uma questão de perspectiva. Para o mendigo caolho as pessoas e os carros não passam de manchas ligeiras.
O movimento agora é de garfos e colheres. Os restaurantes são tomados por hordas de famintos apressados. O tacacá logo some diante da inconveniente combinação dos ponteiros do relógio de parede.
É a vez da tarde reinar soberana. Ela e a sinfonia das buzinas: engarrafamento. O motoristas de ônibus espuma de raiva. Já foi fechado por quatro carros, uma kombi quase bateu na traseira e pegou um sinal quebrado logo no cruzamento de duas avenidas. Suor pingando no rosto, as costas latejando. Não fosse a conversa indecente com o cobrador estaria louco. A senhora do primeiro banco, se agarrando para não tombar com as curvas, se pergunta se ele já não está.
Na janela, Manaus passa. Vieiralves é só vitrines. Cidade Nova pulsando vida entre o grito do vendedor e o forró no último volume. Na Bola do Coroado, quem diria, um totem á um mamífero político. Praça 14, no meio de tantas autopeças, ainda tem lugar pra um sambinha. E o Morro também!
O urbanista, segurando um copo de uísque e uma caneta, enxerga a cidade do seu apartamento como um corpo. Um corpo de mulher: sedutora, espontânea, passional. Mas ele leva a metáfora á sério: Onde estará o coração dessa cidade? No centro ou no distrito? Meu amigo, uma coisa é certa: o sangue dessa cidade está por toda parte. Nas veias dos braços que a sustentam, do rosto corado daqueles que a roubam e eventualmente derramado no chão por uma confusão qualquer.
Para o universitário o coração da cidade está nos bares e botecos. Ele, dentro da faculdade, é tentado pelo caos alegre e perturbador das ruas. Consegue ouvir as buzinas? E o riso fácil das meninas? Mas o bolso vazio estraga o gozo.
Os papagaios já saíram do céu e agora o palco é das estrelas. Algumas delas também estão no Largo São Sebastião cantando. Do Educandos, Manaus vai se transformando em um enxame de vaga lumes. A rota traz os exaustos voltando do inferno de cada dia. Os barcos estão descansando. Os carros gostariam de estar.
Por mais que o sono esteja pesado a cidade não dorme, apenas dá essa impressão. Um olho fechado e o outro só espiando. Há sempre o que fazer. Seja no bar, no carro, no ponto ou em casa.
As noites tropicais são o maior patrimônio de Manaus. Esse misto de sensualidade, melancolia e imaginação que emana da cidade. A lua contribui muito com isso. Aliás, o céu todo. As nuvens brincam com suas formas. A penumbra mistura ruínas, novos templos ao progresso e velhos servidores da miséria num caldo que daria uma boa letra de blues. Ao mesmo tempo, aquela magia intrínseca parece iluminar os recantos, como se a Cobra Grande ou Boto pudesse dar as caras a qualquer momento.
A cidade sonha. Sonhos de beleza e esperança. Se realizarão? O tempo dirá. E se ele não disser? Fazemos como sempre fizemos: esperamos a coisa melhorar. A espera: outro patrimônio manauara.

Faculdade da dor - Espaços de aprendizagem da brutalidade durante a ditadura militar



Pau de arara, cadeira do dragão, borrachada no pé, corredor polonês, choques, simulação de afogamento, etc. Palavras que nos parecem estranhas á primeira vista. Depois, percebemos que já temos uma longa história com elas. A ditadura militar não foi o primeiro regime a e utilizar da tortura como instrumento de repressão. Ora, os castigos sofridos pelos escravos nas fazendas e nos pelourinhos podem ser entendidos como o que? Relatos dão conta de casos de tortura na Guerra do Paraguai e no Estado Novo de Vargas.
A tortura é um ato deplorável, mas que sempre acompanhou a Humanidade, assim como outros males. Em quase todos os períodos históricos ela se fez presente. Na maior parte das vezes como ação dispersa, de alguns indivíduos sádicos ou extremistas. No século XX, a tortura passa a ser associada á governos autoritários por conta da experiencia traumática de inúmeras pessoas identificadas como opositoras á esses regimes.
A América Latina, em certo momento, foi um viveiro de ditaduras. Era o tempo da Guerra Fria e o EUA patrocinava ditadores na vizinhança como meio de impedir que a URSS tirasse vantagem de algum furo no bloqueio. O Tio Sam tinha aprendido a lição com Cuba. Dentro desses países, forças conservadoras partiam para o embate com elementos progressistas ou simples opositores. Com o aumento da repressão muitos optaram pela revolta armada. A revolta armada passa a justificar a ação repressiva. Esse círculo vicioso existia somente na cabeça de quem participava da máquina de repressão.

Vejamos o caso do Brasil. Já em 1964, quando as portas para uma possível redemocratização não tinham sido fechadas ainda por um AI-5, temos relatos de torturas. Seguindo a repercussão do golpe, o militante comunista pernambucano Gregório Bezerra é arrastado pelas ruas de Recife, preso á um jipe. O jornalista Márcio Moreira Alves, pesquisando material para a crônica policial carioca, entra em contato com testemunhos de pessoas que foram presas e maltratadas. Reuniu relatos de boa parte do Brasil em um dossiê endereçado ao governo federal que como resposta iniciou uma investigação. Essa foi a chamada Missão Geisel, posto que o general Ernesto Geisel foi encarregado de executá-la. E o general colhe depoimentos não só de presos políticos, mas de torturados que dizem com todas as letras que torturaram. O relatório produzido por Geisel é lido pelo então presidente, Castelo Branco, que, temendo uma reação da linha dura, ignora medidas punitivas aos torturados.

O jornalista Elio Gaspari diz que aí começou o maior acordo do regime: o silêncio do alto escalão e a autonomia cada vez mais os órgão repressores. Muitos oficiais superiores negavam que essa tenha sido uma prática do regime, pois generais não se rebaixariam á uma ação tão vulgar como a tortura. Ou seja, a ação seria exclusivamente de oficiais subalternos ou policiais. Castelo Branco em uma mensagem á Geisel fazia uso justamente desse pensamento: tortura era coisa das delegacias do Estado Novo, dizia ele. Associava assim a tortura com uma prática policial e não militar.
Não há como negar, no entanto, que o Estado Maior tenha sido conivente com esta ação. Se o silencio de Castelo Branco significa isso, o que dizer do apoio explícito de Costa e Silva, Médici e do próprio Geisel á tortura. Geisel acreditava que em uma situação extrema, como a revolta armada das esquerdas, a tortura podia salvar vidas. Na metade dos anos 60, a repressão aumenta. O AI-5 é a certidão de nascimento dos anos de chumbo. A escalada da violência começa. A noção de que os militares e o esquerdistas mais radicais tinham na época era de que estávamos dentro de uma guerra civil subterrânea. No entanto, numa guerra há limites. Pelo menos é o que a Convenção de Genebra garantia.
Limites que não foram obedecidos pela tortura. Não me deterei aqui nos métodos usados. Prefiro me dedicar a um outro aspecto: a formação dessa classe infame, os torturadores. Se na afirmação de Castelo Branco há muito de preconceito, há de se reconhecer também que há nela um pouco de verdade. Cláudio Guerra, membro de um serviço paramilitar auxiliado pelo governo na época, revela em depoimentos que os militares buscaram principalmente no meio policial os membros para formarem seus quadros repressores, porque não tinham experiência no combate.

A guerra não é uma vocação das Forças Armadas brasileiras. Participamos de dois grandes conflitos externos (Guerra do Paraguai e Segunda Guerra Mundial), sem falar de outras batalhas em que a participação foi por meio de pequenos contingentes (como quando enviamos tropas brasileiras pela ONU para participar da Guerra de Suez em 1956). Isso não quer dizer que somos um povo pacífico, como queriam os intelectuais românticos do Império. A quantidade de guerras civis que colecionamos demonstra bem isso. Seja como for, as Forças Armadas ainda não estavam devidamente constituídas em muitos desses eventos e não dispunha de bons recursos na maioria dos casos. O Exército, por exemplo, só foi se consolidar como uma instituição militar poderosa após 1930. No entanto, ele era mais um ator político que uma corporação bélica.
Outra solução viável era a troca de informações com países amigos. Palestras de enviados dos EUA na Escola Superior de Guerra eram frequentes. Não raro era um correspondente pertencer a CIA e o motivo real de sua palestra ser ensinar técnicas modernas de repressão. Mas os norte-americanos não foram os únicos a nos "ajudar". A França, o berço da democracia liberal, tem uma contribuição gigantesca com a difusão da tortura. Oficiais franceses que participaram das guerras de descolonização, como a Batalha de Argel e os conflitos na Indochina, visitaram muitos países latino-americanos para compartilhar as experiências que acumularam.

Um desses oficiais era Paul Aussaresses que foi adido militar francês no Brasil entre 1973 e 1975. O general Aussaresses participou do serviço de espionagem francês, sem falar que foi paraquedista e combatente na guerra da Indochina. Nos seus anos como adido militar poderíamos encontrá-lo nas salas do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, ensinando como infligir uma dor inimaginável em um guerrilheiro sem matá-lo. Aussaresses revela inclusive que durante uma sessão de tortura em Manaus as coisas saíram do controle e uma mulher, suspeita de ter vindo ao país para matar o então chefe do SNI (general João Figueiredo), morreu.

O Centro de Instrução de Guerra na Selva foi criado no começo dos anos 70 justamente como meio para preparar os oficiais para o conflito armado no meio rural. Afinal, o medo era que houvesse mais Guerrilhas do Araguaia pelo Brasil e a Amazônia parecia ser o terreno perfeito para que mais focos guerrilheiros proliferassem. Agora ressalte-se que dentre as preocupações do Centro, que incluíam geopolítica e sobrevivência em ambientes extremos, esteja a tortura. Só a presença de Aussaresses no CIGS faz a imagem da tortura como atitude deplorada pelo governo militar e praticada somente pelos policiais cair por terra. Aqui vemos um esforço de se corromper a ordem militar. Transformar oficiais em torturadores. Aliás, a Operação Condor já denuncia esse esquema. Países vizinhos atuando juntos na eliminação de seus opositores. Maior prova do comprometimento da ditadura militar com atrocidades não há. 

Concordo com o historiador Carlos Fico quando este diz que a tortura é um aspecto essencial para se entender esse novo regime. Por que ela dá a medida de como essa nova ordem que se constituiu no Brasil após 1964 se deixou ser moldada pelo autoritarismo. As propostas ideológicas de modernização e moralização do país só foram executadas diante de uma política repressiva. Na economia, a indústria cresce:  o salário é reduzido para se utilizar esse dinheiro em outros setores. E o trabalhador não faz nada? Quando faz leva porrada na greve ou bronca do patrão. Na política, quem discordasse de um projeto de lei com aval das esferas mais altas do poder era taxado como comunista e corria o risco de ser espionado pelo SNI.
A tortura é apenas o aspecto mais visível desse novo regime. É um meio para um fim. O meio: a brutalização, a violência. O fim: a unanimidade, o apoio incondicional. A tortura ajuda a acabar com a divergência, seja eliminando seus membros ou dando o exemplo para aqueles que pensarem em mudar de lado.
E não se enganem. A brutalização não acabou. Ela só mudou de cara. Pode ser que muitos considerem a violência como instrumento do governo como algo impensável hoje, como se apenas traficantes e esquadrões da morte a utilizassem. Mas pensemos mais um pouco. Pensemos no caso de Pinheirinhos, da reintegração do Bairro da Paz em Manaus, na Marcha pela Maconha, enfim, pensemos em movimentos sociais discordantes do governo, seja ele municipal, estadual ou federal, que foram reprimidos com uma certa força desproporcional á sua ameaça. A polícia, por mais avançada que esteja hoje, continua sendo usada ainda como jagunçada. E isso é preocupante.

Uma das maiores heranças da ditadura militar foi essa brutalização da vida política. O Brasil antes já sofria nas mãos dos coronéis, mas eram poderes localizados. Agora, a repressão é muito mais articulada. E muito mais eficiente, pois não se faz ser sentida como antes. Ora, se nossa participação política fosse maior com certeza ela seria mais explícita. Afinal, diante da indiferença não há porque ela se preocupar.
É sempre oportuno lembrar que a situação sempre é mais complexa do que parece ser. Hoje temos muitos outros canais de expressão, muito mais direitos que naqueles tempos. Em outras palavras, temos a faca e o queijo na mão, ou no caso a água e o esfregão na mão para limpar essa mancha da nossa sociedade.
E no passado, apesar de tudo parecer tão bem articulado, nem tudo era preto no branco. Haviam oficiais realmente contrários á tortura, assim como hoje existem militares que não celebram o golpe de 64. Colocar tudo num mesmo saco também é um grande erro. Temos condições de enxergar a complexidade que foi esse período essencial de nossa história. Tentar enxergar o policial para além do estereótipo do "agente truculento da lei" e desvincilhar o termo "torturador" da palavra "militar" faz parte de toda uma reflexão sobre um século de repressão e política no Brasil.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Epifanias da sala de estar


A brisa que atravessou a fresta da porta acariciava a sola dos pés, chamando-o para cair na noite. As luzes que escapuliam pela janela reiteravam o convite. Eremitas hoje são heróis em extinção.

O corpo jazia perto do pé da cadeira, velado por uma formiga solitária. Foi um grande inseto, pensava ela.

Outro corpo corta a escuridão. Uma mariposa. E o homem acredita que é o único que procura a luz.

A luz ao fundo. A sombra plasmando o ambiente. Ainda pode-se ver a poeira flutuando, como pequeninas estrelas no espaço. Faz pensar. Quantos universos não caberiam em uma sala?

Aproveitar o pouco de luz para inventar coisas no papel. Transformar a solidão em letras: que truque trabalhoso!

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Para além do "another brick in the wall"


Não há lugar melhor para se entender política que a sala de aula. E há quem pense que a escola é um lugar inocente...
Há professores que de primeira já desqualificam os alunos porque não sabem conjugar dois verbos no tempo certo. Ou então pelas preferências musicais deles. Mas há de se reconhecer que os alunos estão longe de serem burros. A maioria tem uma leitura de contexto muito aguçada.
O aluno, principalmente de Ensino Médio, sabe muito bem o que é autoridade, por mais indiferente ou rebelde que seja. Ele sabe que o professor é o representante direto da autoridade escolar. Ele sabe que se aproximar dele significa mais status. Assim como sabe também que enfrentá-lo, desafiá-lo, tem o mesmo efeito.
O soberania na sala de aula, acredita ele, reside nos demais colegas e não no professor. Ele é apenas um cara que acha que manda em alguma coisa. Na teoria ele manda sim na sala, mas se todos os alunos reprovam suas ações ele não pode fazer nada. Quando ninguém quer ter aula, acaba não tendo. A não ser que o professor incorpore Ivan, o Terrível e toque o terror na galera.

Há de se levar em consideração também que o aluno de Ensino Médio está em uma idade onde ele quer se afirmar no mundo, por isso precisa de atenção a todo minuto. A encrenca não é gratuita, ela pode servir como um letreiro neon, chamando a atenção da turma para um sujeito carente em vários sentidos.
Deixando um pouco o papo pedagógico, o fato é que o aluno quer ser percebido e para tanto se usa de diversas estratégias, sendo uma delas a bagunça. A outra pode ser aproximação com o professor em busca de reconhecimento e eventualmente de algum favorzinho. O professor tem de estar consciente disso. A sala de aula é também um tabuleiro de xadrez. Há vários interesses envolvidos. Como administrá-los?
Isso varia de sala para sala. O professor tem de ter a sensibilidade para saber onde está pisando, para dosar sua resposta a estes desafios. A compreensão do universo do aluno e a interação com ele é uma das bandeiras que os novos métodos pedagógicos defendem. Mas vamos problematizar um pouco mais isso: até que ponto é válido o professor se aproximar do aluno?
O que tenho percebido no estágio é que essa é uma prática arriscada, mas que pode dar bons frutos. A professora que acompanhei no estágio cultivava muitas amizades com as turmas, ao ponto de saber exatamente quando uma aluna estava triste ou um aluno estava nervoso, apesar das maneiras que muitos disfarçam. Mas ainda assim, ambas as partes se respeitavam. Muitos não diziam palavrão na presença dela. E convenhamos, garotos e moças com os hormônios á flor da pele não falando palavrão é mais raro que mico-leão dourado.

Já outro colega se aproximou de tal maneira dos alunos que estes não mais o respeitavam em sala de aula. A todo momento apelavam para a forte amizade que tinham como forma de escapar de um exercício ou mesmo ficavam bravos por terem tirado uma péssima nota. O que fica patente aí é que os estudantes não costumam encarar as pessoas como multifacetadas. Ou seja, um professor pode ser um cara nobre e sério numa hora, mas em outro momento, em uma roda de bar, por exemplo, pode ser o homem mais engraçado e companheiro do planeta, mas para eles isso é impensável. O professor chato de Química é chato 24 horas por dia na semana.
O aluno é multifacetado também. Na sala de aula ele pode se sentir mais livre para ser piadista ou cafajeste, enquanto em casa é mais inibido. O aluno tem seus alter-egos. Apesar de todos sermos diversos, cometemos esse erro. Os dois lados cometem esse erro: o professor não coloca fé no aluno e o estudante não procura entender o seu educador.
Voltando á polêmica: um professor pode ser amigo de seus alunos? Pode perfeitamente, desde que ele imponha limites para essa amizade. Sabendo que muitos confundem profissionalismo com amizade, é preciso dosar a intimidade. Fazê-lo entender que da porta para cá é uma coisa e do portão para a rua é outra. Entender essa divisão de espaços ajuda até no amadurecimento do aluno.
E quanto á questão de quem manda na aula? Continua sendo o professor. Mas atenção: ele não deve mandar como um rei absolutista. Ele tem de atuar como um administrado e um diplomata. Primeiro, expondo diretrizes. Depois, negociando interesses. O conhecimento é construído e não vomitado na cabeça dos alunos. Para construirmos esse conhecimento precisamos ter no mínimo uma direção senão o caos criativo da sala de aula pode se tornar uma anarquia estudantil.

Um professor se propõe a falar de Grandes Navegações e Expansão Marítima, digamos, e um aluno pergunta sobre a veracidade dos Evangelhos do Mar Morto. Boa pergunta, mas o tema da aula não é esse. Um bom professor responderia, mas não se estenderia demais no assunto. Se ele não respondesse, criaria o trauma nos alunos, inibindo que outros façam mais perguntas. Se respondesse e se alongar no papo chegaria ao fim da aula com um monte de teorias da conspiração (e os alunos adoram isso!) e nada de mercantilismo.
Mas há casos e casos. Dois exemplos: em uma aula sobre a Independência do Brasil se fala do endividamento do país e alguém pergunta como está a dívida externa hoje; falando sobre holocausto, alguns estudantes começam uma discussão sobre ética que não estava planejada na aula. Eu acho que nos dois casos é necessário se estender um pouco mais no tema. 
Primeiro, por que o interesse nas aulas é difícil de se construir. Claro que o bom professor consegue reverter essa situação. Segundo, o interesse do aluno vem geralmente de algo que dialogue com seu mundo e sua vida - e essa é uma das maneiras de fazê-los participar das aulas. Eles estão tentando entender o mundo a sua volta e ao mesmo tempo construir sua identidade. Eles não sabem o que é dívida externa, globalização, neoliberalismo, mas sabem que eles estão ai, na cara de todo mundo. Eles querem construir o seu caráter e uma lição de vida, por mais clichê que possa parecer, pode ajudá-los.
Enfim, se fosse comparar o bom professor com alguém seria com o líder populista. Sem pensar duas vezes! Não estou me referindo ao aspecto da demagogia e da corrupção, mas da sensibilidade que o político populista tem em relação ao seu eleitorado e como ele administra os interesses de todos de forma a criar uma certa "paz social". A sala de aula tem de ser um ambiente saudável. O conflito é bom, afinal democracia é conflito também, mas um tipo de conflito mais sutil e não o conflito pelo conflito. É preciso que todos se sintam á vontade para fazerem perguntas e contribuições. Lembrando que no âmbito da "política escolar", a boa conexão entre professor e alunos é algo frágil, mas ainda assim poderosa.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O super-herói, o filósofo e a galinha.


A pedido do meu amigo Diego Gatto, retorno o tema do "super-homem" de Nietzsche. Tema que evoquei por conta de uma análise do filme do Homem Aranha. De cara já parece arriscado tal feito. Nietzsche é contra todo tipo de herói. Então, de onde surgiu essa mistura louca que eu fiz?
A minha pretensão era comparar a visão do filme sobre o herói com a visão do filósofo alemão sobre o homem. Eu achei uma semelhança entre ambos: a necessidade de se superar barreiras que construímos. Falando assim parece auto-ajuda, e na realidade, uma análise sobre esse tipo de literatura e as teorias de Nietzsche também renderiam uma boa discussão.
Em O Espetacular Homem Aranha, temos dois personagens assolados por seus próprios fantasmas: Peter Parker é um rapaz franzino que apanha na escola e se pergunta o tempo todo porque seus pais te largaram pouco antes de morrerem; já o Dr. Curt Connors, amigo do pai de Peter, é obcecado em recuperar o braço que perdeu (nas HQs, ele tinha o perdido na Guerra do Vietnã), pois não gosta de ser visto como um homem digno de pena. Todos os dois estão cansados de serem vistos como os "coitadinhos". Mas para se tornarem donos de seu próprio destino e dignos de reconhecimento eles devem vencer suas próprias barreiras.
No filme, essas barreiras seriam a timidez e o passado traumático de Peter Parker e a deficiência física do Dr. Connors. Cada um encontra na ciência meios de superá-las. Para Nietzsche existe todo um universo de coisas que castram nosso potencial como a ideologia. A ideologia sempre está por trás das ditas "verdades universais". Por isso, a religião figura como um dos maiores males do ser humano para o filósofo. Como superá-las? Com a reflexão e com a arte. A reflexão questiona as "verdades", tira a venda de nossos olhos, e a arte faz tudo o que veremos a seguir menos insuportável.

Certo, eu sei que comparar um filme de super-herói com uma tese de filosofia é forçar a barra, porque ao fazer isso excluímos toda a complexidade das ideias de Nietzsche e a proposta fundamental do filme - divertir. Além do ódio de Nietzsche por heróis, que dirá super-heróis então! Não é bem um ódio, mas uma desavença ideológica. O herói é um ser humano excepcional, cuja trajetória de glória e nobreza já é predestinada na maioria das vezes, e que por isso inspira que muitos o sigam ou o utilizem como modelo.
O problema, segundo o filósofo, é que heróis por emocionarem tanto as pessoas podem ajudar manipulá-las. A própria noção de moral manipula as pessoas: seja bonzinho, obedeça seus pais. A moral não deixa que você pense por si próprio. A questão aqui é a autonomia.
Kant já dizia mais ou menos isso: o homem cresce, mas isso não significa que ele amadureça na sua consciência. Ele pode continuar sendo tratado como criança, sempre dependendo do que os outros dizem, se não desenvolver senso crítico. Ou ele pode até usar da razão, mas não em público, por uma série de motivos. A grande questão da filosofia ocidental desde Descartes até Adorno tem sido: como conscientizar as pessoas sobre o mundo e o potencial de si mesmas? A filosofia se impõe como um meio de se libertar das armadilhas do óbvio. Questionar para entender, entender para transformar. E como diria o Tear For Fears, todos querem mudar o mundo.
Outro ponto recorrente na filosofia e no pensamento social como um todo: o homem é excepcional porque diferente dos outros animais possui a capacidade de ir além da sua condição natural. O que isso quer dizer? Ele modifica o seu meio e a si próprio. Não temos asas, mas podemos voar através do avião. Em uma cidade cortada por córregos podemos fazer um terreno plano com aterros. E por que isso? De onde vem essa vontade de transformar tudo? Mário Quintana dizia que o motor do progresso é a preguiça: a preguiça de andar criou o carro, por exemplo. Marx acredita que o homem exercita melhor esse seu potencial transformador no trabalho, porque é ali que ele se utiliza de sua criatividade, sua perícia e sua força, todas conjugadas.
Nietzsche também acreditava no potencial do homem. Qualquer um pode ser excepcional, basta se livrar do que o infantiliza. Qualquer um pode tomar as rédeas de seu próprio destino. Os tiranos só existem porque existem os subservientes. E anos depois, Jean Paul Sartre reafirmaria isso acrescentando que a alienação é muito conveniente pois poupa o indivíduo de uma série de dilemas éticos e existenciais. Por isso, o homem tem que aceitar que está condenado á liberdade e, portanto, se fizer algo, será sua e somente sua responsabilidade.

Voltemos ao herói aracnídeo: o que impedia Peter de ser um cara popular na escola e de sair com a garota mias bonita dali? Aparentemente, não tinha força para lutar com os valentões e nem coragem para convidá-la pra sair. E desse estado ele não saiu. Foi preciso que uma aranha geneticamente alterada o picasse para que pudesse superar esses problemas. Com Dr. Connors foi uma injeção que prometia a regeneração de seu braço. As barreiras de Parker são mais fáceis de ser escapar que as de Connors - afinal força pode ser cultivada com exercícios físicos, coragem pode vir com desenvolvimento de uma auto-estima, mas e um membro amputado? Pode ele voltar?

Connors precisaria mudar radicalmente seu modo de vida. Em outras palavras, diferente de Parker que poderia simplesmente mudar, ele tem aceitar sua limitação física. Aqui lembro-me novamente de Leonardo Boff que em seu livro já citado dizia que o ser humano precisa equilibrar o seu potencial transformador com a sua visão pragmáticas das coisas. Ele exemplifica isso com uma pequena história sobre uma águia que foi criada por galinhas e que quando se descobriu águia já era tarde, se espatifou no chão por que ainda se considerava uma galinha. A galinha mantém os pés no chão, a águia já vive no céu. Em outras palavras, é a dimensão prática e sonhadora da vida de que estamos falando aqui. Não se pode ser sonhador demais, nem prático demais. O sujeito prático se acomoda com as condições que lhe aparecem, ele se adapta. Connors precisaria se adaptar mais, enquanto Parker poderia "voar mais alto".

Mas enfim lá está a ciência para fazer os sonhos da vida humana se transformarem em realidade. Como uma poção mágica, Parker é alçado a condição de um super-herói e Connors de um super-vilão. Connors é tomado pela megalomania. Vamos reconhecer: o ser humano nunca foi de ser equilibrado, vivemos mesmo é de excessos. Quem tenha experimentado o poder de mudar o mundo pode perfeitamente se achar um deus vivo. Sonhadores podem se tornar arrogantes. Connors se torna o Lagarto e vai desenvolvendo a ideia de que só podemos ser perfeitos se deixarmos de sermos humanos. A deficiência e a fraqueza sumiria se todos se tornassem reptilianos como ele. O sonho de um mundo sem fraquezas se torna um pesadelo.

Nessa parte do outro post, comparei a ideia do bichão com o velho conceito de eugenia. Eugenia significa aperfeiçoar a raça (hoje sabemos que se trata de espécie) humana, livrando-a de fraquezas físicas e intelectuais. Qual é mesmo o sonho dos filósofos? Uma sociedade de indivíduos conscientes. Há quem acredite que se possa realizar esse sonho por meio da eugenia. Ora, Adolf Hitler era uma delas. Mas até que ponto "conscientes"? Confunde-se aqui "consciência" com "disciplina". Obedecer é ser consciente de seu papel no mundo. Isso é completamente o contrário do que afirmava Nietzsche.

O super-homem idealizado por Nietzsche não é a montanha de músculos, mas o sujeito consciente e agente. Ele não respeita classes ou pudores, ele apenas é sincero com seus princípios. O homem consciente está acima do bem e do mal. Ele é humano, apenas humano. Pode aspirar ser mais que isso, mas será ainda humano. A grande tragédia, diria o filósofo, seria essa nossa condição limitada, marcada pela morte. Tentamos enganar nossa mortalidade produzindo obras primas, peças que possam perdurar por muito tempo com nosso nome. O homem que não aproveitar o pouco de vida que tem é um alienado.

Apesar dessa diferença abissal, o super-homem foi apropriado pelos pensadores nazistas e reformulado como sinônimo da raça ariana. Devemos boa parte dessa deturpação á irmã do filósofo, Elizaberth Förster-Nietzsche, a quem ele confiou suas obras, e que nutria muitas simpatias com o nazismo. O super-homem nada mais é que alguém ciente de seus limites, mas que mesmo assim saiba aproveitar deles.
Nietzsche, como todos sabem, não era homem dos mais otimistas com os destinos da humanidade. Assombrava-se com o grau de alienação das pessoas com a religião e com a ciência, que na época estava mais do que determinada a mudar completamente o mundo e transformá-lo numa utopia tecnológica e social. O tempo mostrou que ele estava certo. A religião nos deu mais guerras santas e a ciência, guerras nucleares e biológicas.  Como dissemos antes, o potencial do homem é tremendo, ainda que seja limitado pela morte, portanto, ele pode influenciar tanto para o bem quanto para o mal o resto do mundo. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Já ouvi isso em algum lugar...

Para os interessados na relação entre Nietzsche e o nazismo, recomendo esse ótimo artigo de Rubem Antonio Silva Filho: Nietzsche e o nazismo - nas asas da mentira.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

As velhas novidades


Muito bem: vamos nos atualizar!
Eleições em Manaus: Quem são os candidatos?
Vanessa Graziotin (PCdoB): senadora e menina dos olhos de Braga.
Henrique Oliveira (PR): deputado federal, ex- apresentador sensacionalista, desafeto de Amazonino.
Arthur Neto (PSDB): senador e cabeça da oposição manjada.
Serafim Corrêa (PSB): servidor público, ex-prefeito e malabarista de coligação partidária.
Pauderney Avelino (DEM): deputado federal, paladino da Zona Franca e simpatizante de Braga.
Luiz Navarro (PCB): comerciante ancião e candidato azarão.
Herbert Amazonas (PSTU): servidor público e eterno candidato da oposição da oposição.
Sabino Castelo Branco (PTB): apresentador descarado e candidato já fichado.
Jerônimo Maranhão (PMN): engenheiro e protótipo de candidato independente-quase-salvador-da-pátria.

Vamos dar uma olhada nesse quadro. Parece que existem aí só três partidos: o Partido do Eduardo Braga, o Partido do Amazonino Mendes e o Partido dos Outros. A questão ideológica foi pro beleléu, como em boa parte do Brasil. Militantes de esquerda se unem aos "donos do poder" em coligações muito suspeitas. Os candidatos não tem nem vergonha de admitir isso. 
No poder está um grupo camaleônico: troca de roupa constantemente para sobreviver. O discurso continua o mesmo: a cidade precisa se desenvolver. Mas quem se desenvolve mesmo são suas contas bancárias. No Brasil, há a crença de quem não fizer uma obra faraônico não é um bom governador. Nesse sentido, Manaus não escapa á regra: aí estão os Prosamins, a Ponte Rio Negro, a Ponta Negra revitalizada. Projetos do Estado que o Município tenta competir. E as questões dos cotidiano como transporte coletivo, educação e saúde vão pra escanteio. 
A situação tem prevalecido em Manaus, apesar dos governos de Arthur Neto e Serafim Corrêa. Falando nisso, quem é essa tal de "oposição"? Eu vejo oposições. Algumas são contrárias ao governo simplesmente porque não estão nele. Outros querem uma administração diferente. Mas como fazer algo novo num ambiente viciado, cheio de seres com mais de duas décadas de parasitismo no funcionalismo público?
O mandato de Serafim Corrêa demonstra bem isso. Embora hoje faça acordos com Deus e o Diabo, Serafim tentou implantar um outro tipo de administração e encontrou resistência das mais fortes dentro da sua própria coligação.
Temos a oposição anti-fulano (caso de Sabino e Henrique que se desentenderam com Amazonino), a oposição renovação-mas-nem-tanto (a oposição manjada) e a oposição da oposição, o grupo dos mais radicais, aqueles que querem uma mudança radical do governo, da sua estrutura. No caso, Herbert Amazonas e Luiz Navarro representam esse pessoal. Esse pessoal quer renovação na marra, mas que sabemos que não tem os recursos e a popularidade dos "peixes grandes".
Resumindo, quais são as novidades? Simples: o mesmo de sempre.

domingo, 22 de julho de 2012

Da Amizade



De todas as relações, a amizade é uma das mais misteriosas. Como nos tornamos amigos? Por que parecem conosco ou por que são totalmente diferente de nós? Por que nos fazem rir ou por que nos fazem pensar? Difícil dizer. Generalizar é impossível. Até porque existem diferentes tipos de amigos.
Há pessoas que acreditam ser amigas de você, outros que fingem e aqueles que realmente são. Há amigos que te irritam, mas que você não quer se afastar deles - pelo contrário. Há amigos que te fazem sentir muito bem, apesar de que você não consiga fazer o mesmo por eles. Há amigos que te ajudam a amadurecer e outros que despertam sempre seu lado "criançona". Há amigos que te conhecem melhor que ninguém e aqueles que você não sabe nem o nome completo. Há amigos virtuais, amigos imaginários e amigos reais (ou quase). Há amigos e há melhores amigos.
Então, voltando a pergunta inicial: como surgem os amigos? De que reação química eles são originários? Amizade não brota do nada, ela é construída. Cada um de nós sabe como nossas amizades são construídas. Mas sabemos como preservá-las?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Saxofonista de shopping



Chegou. Era hora do almoço. Esse era o combinado. Deixou a bolsa no canto da mesa. Colocou o paletó. Agora a boina. Todos brancos, contrastando com sua pele. A gravata vem por último. Branca também.
Pega o instrumento. Lustra um pouco. Toca algumas notas, só para afinar o sax. Pede á atendente do balcão ali perto que cuide de sua bolsa.
Começa a tocar. Pela introdução é difícil dizer de que música se trata. O certo é que é chorinho. Lentamente entra na praça de alimentação. Agora sim a canção se desenrola em algo familiar. Os mais velhos (com bons aparelhos auditivos) saberão: Carinhoso. 
O som vai se deformando á medida que caminha. Não é culpa sua, mas dos garfos, dos risos altos e dos toques de celular. Todos se empanturrando de comida. Ninguém sequer olha para o saxofonista passando pela mesa. O mais estranho é que ele está sorrindo. Não é falsidade, mas uma forma estranha de felicidade mesmo. Um profissional calejado como ele sabe que essa é a prova de que é um artista de verdade. Pois essa é a sina do bom artista: ser invisível até se tornar ausente.

(10-06-2012)

Rapidinhas


-Demóstenes Torres, o arauto da ética, quem diria, tinha o rabo preso. Se de tudo podemos tirar uma lição, a desse caso seria: desconfie principalmente dos "honestos". Mas, peraí: ele foi cassado, mas continua no cargo de procurador em Goiás? Esqueça a lição de moral, estamos falando de culinária mesmo - é pizza de novo!

-Acabei de saber que a pizza israelense não tem bordas, nem tempero. Rafael Sabbá só não cortou os pulsos porque pelo menos no falafel eles capricham!

-Tem gente que nunca entende o que está acontecendo no Oriente Médio. Tem gente que nunca entende o que está acontecendo em Manaus. Tem gente que nunca entende o que está acontecendo em sua casa. E tem gente que eu nunca entendi.

(Notas, Manaus - 18 de Julho de 2012).

terça-feira, 17 de julho de 2012

Resmungos: como tudo começou


Muitos acham que quando escrevo Resmungos estou simplesmente colocando ali minha opinião sobre as coisas. Na realidade, uma parte de mim, a mais rabugenta, está ali sim, mas a maior parte dos resmungos partem de um personagem que criei. Seu nome seria José Braga Jr., mas que seria conhecido como Zé Praga pelos amigos. O Zé seria uma união de todos os mal-humorados que conheci. Um cara de meia-idade com trabalho, família e falta de paciência. Um Seu Lunga urbano.
Criei o personagem há uns dois anos, mas não encontrava uma história para encaixá-lo. Só recentemente, após ler um livro de Ferreira Gullar chamado Resmungos, Zé Praga se tornou protagonista de uma série. Não uma série de TV, nem de quadrinhos, mas de crônicas. Breves e ácidas crônicas.
Qual a proposta de escrever sobre um homem ranzinza? Acho muito interessante como muitas colocações do mau humor podem ser sagazes e outras não, completamente amparadas em preconceitos. Algumas tocam em feridas escondidas da sociedade, já existe outras que apenas reproduzem um velho discurso. Seja como for, é impossível não pensar o rabugento como um cronista: descrevendo o mundo á sua volta e revelando sua personalidade, tudo á sua maneira.
Resmungos pretende ser uma série de crônicas bem humoradas, apesar do seu conteúdo ranzinza, sobre a nossa sociedade e sobre pessoas como Zé Praga, que não tem papas na língua.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sinais


CULPA
Encolheu os ombros, desviou o olhar, em suma, o suspeito já tinha confessado seu hediondo crime com o vaso de plantas.

GULA
O bigode parecia um varal, sustentando alguns grãos de arroz, lembranças do almoço. A boca escorria molho de frango e os olhos á procura de goiabada.

DIGNIDADE
A carteira caída voltou ao seu dono, inteira. A maior recompensa foi a consciência tranquila.

PIEDADE
Considerava bem: o esforço do garoto ou a resposta errada? O professor titubeou por uns instantes, depois o aluno já estava aprovado.

LUXÚRIA
Os cílios convidavam para o prazer, enquanto o computador prendia ao trabalho. Mas a máquina perdeu feio para aquelas pernas.

AMOR
A palavra que não saía, o olhar que se encontrava, as mãos nervosas. Todo mundo já sabia, menos ela.

domingo, 15 de julho de 2012

A revista da socióloga sofisticada

Mais um dos Sociais da Depressão:

Sobre aranhas e lagartos


Só passando aqui para comentar uma crítica do Cineplayers, do Heitor Romero sobre o Espetacular Homem Aranha, que achei muito interessante. O subtítulo revela muito do seu conteúdo: "A esperança de viver em um mundo livre de fraquezas".
Ele analisa o filme através de uma dualidade: Peter Parker e Curt Connors seriam pessoas muito próximas, com problemas muito parecidos, mas com fins diferentes. Parker é o loser, o adolescente desajustado. Um garoto definido pelo sumiço misterioso dos pais. Connors é um homem brilhante, mas que não consegue conviver com a perda de seu braço. Sua obsessão se espraia para a ciência.
A ciência aqui concede poderes aos dois, porém Peter aprende a usar o seu fardo para além dos seus traumas. Larga a vingança pessoal em nome da segurança da cidade. Deixa de ser inseguro para tomar as rédeas de sua vida. Connors não consegue conviver com a ideia de viver com uma deficiência, por isso almeja se transformar permanentemente no Lagarto. O bom doutor não supera seus problemas, ao contrário de Parker, ele os leva adiante, a um novo nível de megalomania.
Em certo momento a professora de literatura do colégio diz mais ou menos o seguinte: "conheci um homem que disse que existem dez tipos de enredos. Eu discordo. Existe só um: Quem sou eu?" O que isso quer dizer? É a saga do herói que depois de uma longa e tortuosa jornada tem como recompensa o auto-conhecimento. É a história de cada um de nós. Nós, seres humanos, tentando encontrar seu lugar no mundo e ao mesmo tempo tentando descobrir sua verdadeira força.
E aqui dá até pra usar o bom e velho Nietzsche: essa é a nossa ânsia de libertarmos das amarras que nos fazem medíocres para revelarmos todo nosso potencial, nos transformarmos em "super-homens"! Amarras que podem ser traumas, preconceitos, medos, limitações físicas, etc. A aspiração maior, essencial, do homem é a liberdade, mas ela só parece ser atingida plenamente quando sabemos exatamente o que podemos fazer com ela. Segundo essa fórmula, saber é poder.
No entanto, nem tudo é tão simples. Como humanos, temos a tendência a escorregar ás vezes na linha do equilíbrio. Liberdade total pode se tornar anarquia e a busca pela nossa força interior pode se transformar em perfeccionismo. Ora, lembremos de que o nazismo se utilizou do ideal de "super-homem" de Nietzsche com a maior facilidade, deturpando seu conteúdo original. A liberdade vai para o escanteio e a noção de superioridade entra em campo. O potencial do homem não é canalizado para seu próprio bem, mas para dominar o outro. Se Parker se aproxima do "super-homem" de Niezsche, o Lagarto está mais para o "super-homem" hitlerista.
Esse é um tema universal, mas particularmente interessante para o público adolescente que passa a conviver de maneira mais intensa essa tensão entre vontade e responsabilidades, entre identidade e alienação, dentre outras questões. Isso tudo já faz de Homem Aranha um mito pop sobre o amadurecimento.

sábado, 14 de julho de 2012

Reflexões caiçaras



Consciência Histórica. Esse é um dos temas mais repetitivos desse blog. Já o abordei aqui de várias perspectivas diferentes. Por que falar de novo então? Nunca é demais falar de um assunto essencial, ainda mais se o faremos por novos ângulos.
Bem, o que é ela? O que é a consciência histórica? Para ser curto e grosso, quando alguém tem conhecimento de como o mundo á sua volta, seja de forma geral ou regional, se tornou o que é hoje então dizemos que essa pessoa tem uma consciência histórica. 
Digamos que estamos em uma comunidade de pescadores. Há ali um senhor que está aqui desde o começo da vila e que portanto presenciou tudo o que aqui ocorreu. Esse senhor tem consciência histórica? Podemos dizer que sim, afinal, a experiência a construiu. Quem não viveu esse momento todo adquire como? Através das palavras do ancião, a não ser que um deles saiba onde e o que pesquisar pra saber a origem dessa comunidade.
Você já deve ter percebido algo. Consciência histórica aqui está muito próxima do conceito de memória. O que diferenciou história de memória por muito tempo foi a maior objetividade concedida á história. Hoje isso já é questionável, já que o paradigma da neutralidade foi derrubado. Ora, o historiador também pode idealizar um passado tal qual o ancião da comunidade caiçara faria.
Outra coisa: se alguém de fora chegar na vila e perguntar ao velho se ele sabe quem foi Getúlio Vargas ou o que está acontecendo no Oriente Médio e ele responder que não, ainda assim podemos dizer que ele tem uma consciência histórica? Depende. Sobre um recorte mais amplo talvez não, mas sobre o seu contexto, a sua vila, ele tem sim.

Nosso mundo hoje anda encolhendo e vilas caiçaras já possuem TVs e até internet. Um garoto da vila pode saber tudo o que tá acontecendo lá no Egito, mas não saberia dizer como surgiram as casas de sua terra. Aí temos o exemplo oposto. A consciência histórica regional é perdida. Com a globalização e o avanço tecnológico é muito mais fácil descuidarmos da vida em nossa terra. São tantas informações e tão fáceis de achar. Mas será que temos uma consciência do contexto geral mesmo?
As notícias nos chegam fragmentadas, afinal são notícias. A todo momento algo acontece. O acontecimento por si só é valorizado e as causas são deixadas de lado. O garoto lá na vila, vendo na internet o povo egípcio se libertar de um ditador usando redes sociais não sabe muito mais além disso. Ele tem noção da importância desse fato? Ele sabe que isso representa a queda de um modelo de política no Oriente Médio? Pergunte á alguém na rua o que está acontecendo no Oriente Médio e depois pergunte o que isso representa. Faça esse teste.

O que importa mais? A memória ou a história? O contexto geral ou local? O fato ou o processo? Acredito que todos esses elementos são complementares. A história se alimenta de memória, o geral e o particular se articulam e o processo gera fatos e vice-versa. Acredito que o mais importante aqui é entendermos que na construção de uma consciência histórica hoje devemos levar em conta a subjetividade, a espacialidade e casualidade. Aprendamos com a comunidade caiçara a refletir sobre nosso papel como educadores e historiadores.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Eu acredito é na rapaziada...

HOMENAGEM AO SÉTIMO PERÍODO


Todo mundo que já passou pelo Curso de História da Uninorte entre 2009 e 2012 já ouviu falar neles: a Turma de 2009. A turma que no começo eram duas, mas se juntaram. A turma da Velha Guarda, da Escola das Análias, dos Espartanos. A turma que marca presença nos eventos, seja nos bastidores ou fora deles.

Não é mistério para ninguém que gosto muito dessa turma. Quando me transferi para Uninorte por causa de uma confusão nessa maldita grade curricular cai na sala deles. Eu, todo arisco, logo fui apresentado ás tribos da sala. Com uns fiz amizade de cara, com outros demorei mais um pouco.

Acontece que fiquei impressionado com essa turma. Primeiro, pela sagacidade. Tinha lá seus abestalhados... Mas que no final das contas acabaram saindo "bilontras". Em segundo lugar, porque apesar de tantos grupos e visões de mundo diferente todos se respeitavam. E por último, é uma turma que tem a incrível capacidade de rir de si mesma.

Eu não me sentia numa sala de aula, mas numa roda de amigos. E vocês não sabem o quanto esses amigos me ajudaram a crescer. Por que o que se aprende com eles não é ensinado na faculdade: amizade, bom humor, respeito e, claro, muita sacanagem. E espero continuar aprendendo com vocês sempre.

Abraços á todos.

(Nota, Manaus - 12 de Julho de 2012).

Não foi dessa vez...


Vamos lá! Primeiro, fiquei muito ressabiado com o filme diante dos pareceres de meus amigos, todos fãs do Homem Aranha. "Mudaram a história toda e coisa e tal!" Mas fui assistir e tirar minhas próprias conclusões.
O Espetacular Homem Aranha é um dos universos da Marvel do nosso herói aracnídeo, onde acompanhamos simultaneamente as aventuras de Peter Parker no combate ao crime e na puberdade. Perceba como a escolha dos produtores não é inocente: apelo teen para reerguer a franquia. Agora o curioso: escolheram Marc Webb para ser o diretor. Marc Webb? Conhece? Diretor de 500 Dias com Ela. É um cara que tem muita experiência como produtor de filmes indies e comédias românticas e você percebe isso muito bem nos momentos familiares e amorosos da película (não é aquele sentimentalismo fabricado com famílias ideais e frases feitas, aliás, é muito interessante como ele usa um tipo diferente de diálogo nos encontros de Peter e Gwen). 
A grande pergunta era: conseguirá Marc Webb fazer um filme de ação, capaz de ressuscitar Homem Aranha do fracasso da terceira sequência? E a resposta é sim. Sim, o Espetacular Homem Aranha promete o que cumpre, mesmo de que dê muitas deslizadas aqui e ali. Vamos primeiro falar dos acertos: a direção, claro, deu o diferencial com essa visão dinâmica e mais viva dos relacionamentos do nosso herói. Ela dá essa sensação de realismo em alguns momentos, em outras palavras, faz a história se tornar plausível. Os atores são outro ponto positivo. Andrew Garfield conseguiu fazer o Peter Parker ético, mas irônico desse universo. Martin Sheen como Tio Ben ficou ótimo e talvez isso tenha apagado um pouco a figura da Tia May de Sally Field. A Gwen Stacy de Emma Stone também não está nada mal: logo fica claro que ela não se trata da ingênua e indecisa Mary Jane.

Quanto ao vilão... vamos demorar um pouco nesse tópico. Rhys Ifans como Curt Connors foi competente. Como Lagarto foi estupendo. A loucura e a megalomania do bichão ficaram muito bem expressas (tem até uma parte que na hora me lembrou a cena em que a máscara do Duende Verde começa a falar com Norman Osbourne no primeiro filme). Estava com medo que fizessem o monstro nos moldes da história antiga: como uma criatura bestial que só pensa em destruir tudo em seu caminho alternando com um bom doutor, quase como em Hulk. Aqui o Lagarto tem a força do monstro e a inteligência de um bioquímico, o que deixa as coisas muito mais complicadas e emocionantes. Me incomodei um pouco com a mudança no visual do vilão (o papo do focinho e coisa e tal), mas superei.

O que faltou se trabalhar aqui é a ligação de Peter com Curt. Ele se torna a figura paterna do protagonista o que torna tudo mais difícil na hora do Homem Aranha lutar com o Lagarto, pois ele se preocupa com o doutor. No filme, ambos são apenas dois interessados em cruzamento genético. Talvez essa afetividade tenha sido transferida para o pai de Peter, que aqui aparece ao contrário das histórias em quadrinhos.
Agora, os erros. Basicamente o maior erro está no roteiro. São encontradas soluções muito bizarras para alguns entraves na história. Por exemplo, Gwen trabalharia no laboratório do amigo do pai de Peter. Quanta coincidência! Me espantei com a velocidade dos elevadores e dos fabricadores de antídoto. Em dois minutos, o sujeito já estava no terraço da maior torre de Nova York. Em oito minutos temos um soro saindo  quentinho do forno para uma fórmula que se levou anos para ser encontrada. Enfim, provas de falta de criatividade do autor.
A maior mudança na história, contudo, foi a presença dos pais de Peter. Aliás, não é só a presença deles, mas a sua ligação com a sua mutação e com Osbourne, que fica sempre na penumbra - a promessa de uma sequência. Essa intriga toda de espionagem me deixa cismado: será que uma mudança tão radical como essa ajudou a desenvolver a história? Ajudou nesse filme, mas volta e meia cai em alguns buracos no meio do caminho como os já apontados acima. Só não sou mais cético, porque ao que tudo indica a trama se perpetuará nos próximos filmes. Veremos se essa será uma mudança benigna.
Minha conclusão: filme bem executado, mas mal roteirizado. O que a direção deixa plausível o roteiro desfaz. Enquanto o Homem Aranha parece cada vez mais humano, alguns escorregões te lembram vez ou outra que esse é apenas um filme de ação. É uma pena porque se os problemas no roteiro fossem contornados, esse seria um ótimo filme. Um filme espetacular!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Meu amazonólogo favorito


Muito já foi pensado e falado sobre a Amazônia. Acredito que a maior contribuição veio de Djalma Batista (1916-1979).
Médico e amante das artes, principalmente da literatura. Devotado á saúde e a Amazônia, á saúde da Amazônia.
Colocou seu estetoscópio no coração da Hiléia e ouviu sua respiração ofegante, cansada de massacres e de desperdício.
O diagnóstico era simples: o desconhecimento gera desentendimentos, seja entre os homens, seja entre o homem e a natureza.
A primeira parte do tratamento não é tarefa fácil: conhecer. Conhecer o que Euclides da Cunha chamou de indefinido. Desvendar a selva e seus signos ajuda a entender a consequência de sua má utilização.
O segundo passo é apostar na utilização consciente dos recursos locais. A Amazônia, conclui Djalma, possui uma grande força que é ser um bioma tão rico e uma grande fraqueza por ser um bioma muito vulnerável. O imediatismo e o egoísmo do homem só tem realçado essa fraqueza.
A história da Amazônia tem sido a exploração desordenada. O homem só tira da selva, quase não cultiva ou preserva. É muita presunção e ingenuidade pensar que a floresta sobreviverá para sempre ou que os campos de gado, madereiras ou pólos industriais podem trazer mais benefícios que desvantagens.
O remédio, diz o bom doutor, é um processo racional de exploração. Algo que nos ajude sem destruir a floresta. É o "desenvolvimento auto-sustentado".
Na época, os anos de chumbo no Brasil e a guerra fria no mundo, poucos colocariam fé nesse seu remédio, hoje porém o que mais se fala é em desenvolvimento sustentável.
Grande Djalma: além de médico e intelectual também era um profeta, um profeta da sustentabilidade.

(Notas, 25 de Agosto de 2009 - Manaus/AM)

1932: O Vale vai á Guerra


"Revolução Constitucionalista de 1932". Eu prefiro o termo revolta ou guerra ao invés de revolução, como já expliquei aqui antes. Revolução implica uma mudança total na ordem social e 1932 pode ter inspirado medidas democráticas por parte do governo federal, mas não impediu que Vargas decretasse o Estado Novo. Em relação á própria "Revolução de 1930" também tenho minhas dúvidas, já que o que os revoltosos conseguiram fora destruir o arcabouço jurídico administrativo da República Velha e não as oligarquias estaduais que dele se utilizou. Assim o peso das mudanças era menor e se concentrava nas cidades, enquanto no interior o governo negociava com os donos do poder.
Mas voltando á 1932, seria essa uma revolta de caráter plenamente democrático? Na minha opinião não. São Paulo tinha um projeto político, gestado ainda durante a República Velha, de ser hegemônica - por conta da sua economia cafeeira e industrial. Com a ascensão de Vargas esse projeto foi frustrado. O estopim para a revolta veio com a morte dos quatro estudantes em uma manifestação anti-varguista.
O brasilianista Stanley Hilton afirma que a Guerra Constitucionalista de 1932 foi uma manifestação da elite que ganhou as massas. Essa elite seriam os velhos oligarcas, os empresários industriais e os profissionais liberais que antes tinham se dividido em dois órgãos políticos nos anos 20 (de um lado, o conservador Partido Republicano Paulista e do outro o liberal Partido Democrático), mas que se uniram novamente na Frente Única Paulista quando se sentiram ameaçados.
O seu discurso apelava para a democracia e para a Constituição, mas havia nuances mais obscuras nesse emaranhado de motivos para se fazer uma guerra contra o governo federal. Alguns apelavam para o regionalismo paulista que durante os anos iniciais da República tinha flertado com o separatismo, outros já se agarravam ao anticomunismo, como Ibrahim Nobre, enxergando em Vargas um líder bolchevique e não um demagogo populista.

O povo paulista entrou nessa guerra pelos mais variados motivos também: seja para defender os ideais liberais, regionalistas, separatistas ou mesmo anticomunistas, seja para se alimentar (a Casa do Soldado fornecia um rango para quem se alistasse) ou mesmo para provar a sua virilidade (Mário de Andrade lembra que aqueles que não iam para o front eram ridicularizados como maricas pela maioria da população).
Quanto á Taubaté, a adesão á causa constitucionalista se fez sem maiores mistérios. Primeiro, a cidade, ao contrário de São Paulo, estava em decadência por conta das crises do café e já clamava por políticas de valorização do produto há bastante tempo. Segundo, nesse contexto, o regionalismo local, que já era grande durante a virada do século (a elite taubateana tinha um certa rivalidade com a oligarquia paulistana por se acreditar ser mais tradicional e legítima que aquela), aflora em discursos contrários á diretriz centralizadora de Vargas. 
No discurso oficial aparece uma Taubaté unida por sentimentos de honra que deseja mais uma vez ser a vanguarda cívica do país libertando-o da ditadura varguista. O interessante é que algum tempo antes os ataques entre os setores mais conservadores, os chamados costistas (curiosamente ligados ao setor mais liberal da política, o Partido Democrático), e os mais liberais, liderados por Félix Guisard (esses filiados ao PRP) tomaram uma proporção enorme. No entanto, diante da ameaça externa, estas duas facções da elite local se unem. Essa seria a prova maior de que na cidade não havia lutas fratricidas e, mais ainda, luta de classes.
Até que ponto o povo comprou a Guerra de 1932 em Taubaté? Não sei dizer. Maria Cristina Soto acredita que a maioria da população tenha ficado indiferente, tanto que após a confirmação da derrota da causa paulista não houve qualquer manifestação popular espontânea na cidade. Mas é sempre bom nunca subestimar o poder do clientelismo e da doutrinação: e se alguns foram lutar por conta de favores ou pela força do regionalismo? Isso só uma pesquisa pode dizer.
O certo é que Taubaté participou do conflito de duas maneiras: fornecendo apoio logístico e humano e propagando a "causa paulista". Do primeiro ponto de vista, temos a cidade se transformando em base dos constitucionalistas, cedendo alguns prédios e espaços para os soldados e voluntários. Concedendo recursos para os batalhões ou para as mulheres dos soldados. E, é claro, formando seus próprios batalhões também. O mais famoso foi o Batalhão Jacques Félix, idealizado por Joviano Barbosa e Juvenal Machado, dentre outros. Este corpo militar veio a se unir ao Vigésimo Quarto Batalhão de Caçadores comandado pelo coronel Veiga Abreu que participou de uma vitória em Cunha contra as forças legalistas.

No segundo ponto de vista, temos a imprensa divulgando as notícias que recebe de São Paulo. O rádio já era um instrumento utilizado na capital paulista há muito tempo como forma de propagar o ideal constitucionalista, mas em Taubaté a radiofusão ainda era insipiente. O maior veículo de comunicação ainda era o jornal. No entanto, as redações sofreram alguns problemas, como a escassez de papel para as impressões. Ainda assim, continuaram funcionando.
A Revolta Constitucionalista é um assunto importantíssimo para o Vale do Paraíba, pois foi nele que as maiores batalhas foram travadas. Se em São Paulo se encontrava o epicentro do conflito, foi no Vale do Paraíba e em algumas partes do Oeste Paulista que ele se desenvolveu. No entanto, pouco se sabe ainda sobre como isso se deu aqui. O que se sabe são dados superficiais sobre as batalhas. Onde está a memória dos voluntários? Não só os voluntários famosos, mas os comuns. Onde se está a dinâmica interna dos municípios? Quer dizer que a disputa política foi suspensa no meio tempo em que a guerra ocorreu? No caso de Taubaté, costistas e perrepistas se reconciliaram de fato mesmo? E em relação a todos aqueles que não apoiaram a causa: Foram presos? Quais eram seus argumentos?

Falta vasculhar mais a memória do Vale sobre a Revolta Constitucionalista de 1932. Não só pelo heroísmo, mas pelo compromisso com a verdade e a História. É preciso compreender antes de glorificar. Silêncio, esquecimento e conjecturas não bastam. Além disso, até agora só temos visto o conflito do ponto de vista político. Será que não houve consequências na cultura vale-paraibana? Enfim, o número de perguntas e possibilidades de perguntas portanto é enorme, ouso arriscar que quase infinito. Esse pode ser um tema polêmico, mas pelo menos parece ser um assunto que está longe de ser esgotado.

O polêmico cardeal se vai


Dom Eugênio Sales, um cardeal que se impôs e fez Historia. Esse é o título da reportagem de Marcelo Auler do site do Jornal do Brasil sobre uma das figuras mais marcantes da Igreja Católica brasileiras nos últimos anos. 
D. Eugênio era potiguar, apesar de muitos acharem, pela fisionomia, que era gaúcho. Tinha seus desentendimentos com D. Hélder Câmara e os irmãos Boff por causa da sua aproximação com a Teologia da Libertação (diretriz que surgia nos países latino-americanos inspirada no comunismo que pregava que a Igreja deveria fazer a sua opção pelos pobres antes de tudo), mas fez várias cartas e trabalhos pastorais nas favelas enquanto foi arcebispo do Rio de Janeiro. Aliás, na vinda de João Paulo II para o Brasil fez questão que o papa visitasse o Morro do Vidigal.
Talvez o seu lado mais polêmico seja a sua conexão com os setores militares durante a ditadura. D. Eugênio não escondia sua relação tanto com a linha dura quanto com os militares mais moderados, conhecidos como castelistas ou membros da Sorbonne. O cardeal era conservador e anticomunista, mas mesmo assim intercedeu pela vida de muitos presos políticos durante a ditadura, se valendo de seu prestígio como arcebispo do Rio de Janeiro e de seus contatos estratégicos. A pouco tempo, foi revelado que deu abrigo para muitos refugiados políticos, fugidos das ditaduras do Cone Sul.
Nos últimos anos, D. Eugênio não participou de mais nenhuma polêmica, por isso muitos acreditaram que já tinha falecido, sendo o autor deste post um deles. Mas a verdade é que ele estava desfrutando a sua vida de cardeal emérito com tranquilidade, longe dos holofotes, mas sempre atualizado com as diretrizes do Vaticano. Nessa segunda-feira, esse personagem tão ambíguo e polêmico nos deixou aos 91 anos. Hoje, quarta-feira, seu corpo foi sepultado na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Lá se vai mais uma lenda nacional.

domingo, 8 de julho de 2012

Pelo direito de ter inimigos!


Não sou cara de muitos amigos. Aliás, sendo essa pessoa delicada e amável que sou me admiro ter algum amigo, mas tenho. Vai entender! Por exemplo, um deles, o Tonho, fica me aporrinhando toda hora e eu devolvo na mesma moeda. A gente se xinga a todo momento no trabalho, mas temos quase o mesmo pensamento. Já outro, o Décio, é aquele cara todo sorrisos, todo educado e tudo mais. Eu só dou cortada nele e o sujeito mesmo assim me ama. Acredita que outro dia eu entrei de fininho na sala do lanche e ele tava me defendendo para uma funcionária que quer ver minha caveira! Não sei o que eu faço pra esse cidadão me achar "o cara". Esse é que nem mulher de malandro, gosta de apanhar.
Enfim, esses dois malucos, apesar dos pesares, considero como amigos mesmo. Já o resto do pessoal que diz ser meu amigo... Uma coisa que odeio (lá vem o clichê!) é falsidade. Primeiro, um amigo falso pode acabar com a tua vida. Pense no custo benefício: de tanto explicar que focinho de porco não é tomada você vai acabar ficando sem saliva ou então com uma puta conta de telefone, se você for desses que ama telefonar pros coleguinhas. Em segundo lugar, amigo falso é muito chato. Eles forçam a barra! Por exemplo, tem uma dona aqui que me trata com a maior intimidade, que tenta parecer amiga de todas. Como eu odeio essa mulher! Toda hora que me vê ela tem de falar comigo. Pô, eu converso quando tenho vontade, não é por obrigação não! E essa de ficar agradando todo mundo, não sei onde isso vai levar essa tal. O certo é tu ter amigos e inimigos. Acompanha meu raciocínio: o amigo é um cara que gosta de ti, o inimigo não. Se você quer que todos gostem de ti, isso logo, portanto, todavia, por conseguinte demonstra que você é um puta narcista que quer que todos te adorem. Ah, nem todo mundo é obrigado a gostar de ti! E além disso, os que não gostam de ti também te ajudam, te preparam para as peias da vida, você me entende?
Que seja... amigo é amigo, macaco é macaco e Justin Biba é Justin Biba.

Um domingo celestial!


Manaus é a capital de mormaço, já dizia Márcio Souza. Depois desse domingo infernal não há como alegar o contrário. Um sol do caramba reinou na cidade até 17h e pouco. Mas chamar esse domingo de infernal, para mim, é uma injustiça, porque, afinal, era dia de Fla-Flu. Não era apenas um Fla-Flu, era a centésima vez em que os dois mais tradicionais clubes do Rio de Janeiro se encontravam para mais uma partida. Foi um domingo de rivalidade, tradição e muito talento. Fred, Thiago Neves, Wagner Love, Deco, Léo Moura, todos jogaram muito bem. Não foi um jogo preguiçoso, daqueles que se arrastam na retranca. Ambos times estava muito na ofensiva, mesmo o Flamengo após ter tomado o primeiro e único gol da partida. Enfim, foi uma partida de muitas emoções mesmo.
Valeu Fluzão!