quarta-feira, 15 de setembro de 2010

11 de setembro

Semana passada, os atentados de 11 de setembro fizeram nove anos.
Me lembro que nesse dia só ouvi a notícia depois de sair da escola, meu pai comentava com a minha mãe enquanto nos levava para casa. A primeira coisa que fez quando chegou em casa foi ligar a tv e vimos as Torres Gêmeas sendo atacadas e desmoronando.
Mesmo existindo vários canais de comunicação - todo mundo se gabava de estarmos vivendo um mundo sem fronteiras, onde a informação corre livremente e com mais velocidade ainda - ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Só repetiam que era um ataque terrorista. Depois descobriram um outro atentado no Pentágono e um atentado frustrado pelos passageiros de um avião sequestrado que acabou na morte de todos. E ficava nesse burburinho. Me lembro que disseram que haviam mais de 4 atentados, tamanho era a boataria.
Mas depois a poeira abaixou e percebemos que foram somente quatro, mas só o das Torres Gêmeas já bastariam para chocar meio mundo. Foi o primeiro atentado terrorista significativo em território norte-americano (antes houve um outro atentado ao World Trade Center em 1992, uma caminhonete com uma bomba no estacionamento).
Então a Al-Qaeda assumiu a responsabilidade pelo ataque e Osam Bin Laden passou a ser o inimigo número um dos EUA (nos anos 80 ele havia sido contratado pela CIA para ajudar a combater os soviéticos no Afeganistão, o mundo dá voltas). O presidente Bush invadiu o Afeganistão e disse que Saddam Hussein ajudou os terroristas acobertando-os e dando munições á eles. Aí começou a Guerra do Iraque. Na tv só se falava na guerra, mostravam vídeos das bombas teleguiadas atacando Bagdá. A ONU dizia que tentava impedir uma guerra, mas suas visitas e inspeções ao Iraque não adiantaram muito. Ficava a impressão de que os EUA poderiam invadir qualquer país que quisesse.
Virou costume ver nos noticiários atentados de homens-bombas contra soldados americanos. E aquelas fotos sobre as torturas em Abu Grhaib não surtiram muita surpresa nas pessoas. Só agora, quase oito anos depois, que as tropas americanas estão saindo do país. A impressão que eu tive, olhando bem, era que depois de um momento de empatia para com os EUA, devido aos atentados, veio logo a antipatia, com o início da guerra do Iraque. De repente, o atentado virara pretexto para guerra, para explorar o petróleo de um tirano caquético. E a população apoiava, movidos pela dor de perderem seus amigos e parentes e pelo medo disso acontecer de novo.
Hoje, os próprios norte-americanos, a maioria, reconhecem que os anos Bush, principalmente pós-11 de setembro, foram um desvirtuamento de tudo que acreditam (o ideal de liberdade que dizem estra presente na fundação de seu país). No entanto, não é de hoje que os EUA agem assim; basta nos lembrarmos das intervenções na América Latina no século passado, além das guerras da Coréia, do Vietnã, do Golfo. O que aconteceu é que desde o fracasso do Vietnã eles se desiludiram dessa "defesa do mundo livre" e com o 11 de setembro passaram a se perguntar "por que o mundo nos odeia?" ou "por que lutamos?" (aliás, título de um ótimo documentário).
O atentado criou um interesse pelo Oriente Médio, os livros e idéias de Bernard Lewis e Edward Said passaram a ser discutidos e até apropriados pelos mais variados discursos. E a guerra desiludiu a todos sobre o líder nacional do momento, pois as despesas cresciam, a economia ficou sob a mão de cartéis, gerando a crise de 2008.
O 11 de setembro, como podemos ver, é muito importante para entender o contexto mundial, pois fala não só do momento em que passa o Ocidente, como também o Oriente. É também um episódio rico em interpretações e emoções. Foi um momento onde pudemos ver o melhor do ser humano através de atos heróicos, principalmente dos bombeiros na tentativa de salvar as vítimas dos atentados, e também vimos o pior, através da perseguição e intolerância para com grupos desvinculados ao terrorismo e a defesa da guerra e da tortura. De qualquer maneira, uma coisa é fato: o 11 de setembro criou muitas cicatrizes na América, para o bem ou para o mal.

sábado, 11 de setembro de 2010

O monsenhor

Quando ainda estava em Taubaté na minha procura por um tema acabei por esbarrar no nome do monsenhor Antonio Nascimento Castro (1857-1942). Na maioria dos jornais falava-se nele. Á medida que me aprofundei na pesquisa regional descobri que ele era não só um importante homem de imprensa (polemista, principalmente), mas um hábil político.

Nascido em São Luís do Paraitinga, de pai desconhecido (o que levantou suspeitas de sua paternidade ter vindo de um padre local chamado Francisco Calasâncio), Nascimento Castro tinha, até onde sabemos dois irmãos: José Valois de Castro (1856-1939) e Calasâncio de Castro. Valois também veio a se tornar cônego e um dos mais importante nomes do Partido Republicano Paulista, sendo deputado federal e senador diversas vezes.

Nascimento Castro estudou no Seminário Episcopal de São Paulo, ou seja, teve uma formação romanizadora (a romanização ou ultramontanismo era parte de um movimento da Igreja Católica que pregava á volta á ortodoxia e á liturgia e visava expandir a influência da Igreja, diante da ameaça do liberalismo e do socialismo). Em 1881 veio para Taubaté onde se tornou vigário da paróquia de São Francisco das Chagas, hoje conhecida como Igreja Matriz.

Em pouco tempo se tornou uma das figuras mais importantes da comunidade, não só por o seu peso simbólico como o vigário da cidade, mas por suas ações na imprensa e na política.

Nascimento Castro tinha muita admiração pela literatura e pela apológética (formas de defender a ortodoxia religiosa), por isso se envolveu na imprensa. Primeiro passou a colaborar com o jornal conservador O Noticiarista, fundado em 1888, com artigos sobre a Virgem Maria, as liturgias católicas, além de atacar personalidades liberais e maçônicas da cidade. Em 1906 ajudou a fundar o jornal A Verdade, que se dizia um jornal eminentemente católico, e ali assinava artigos virulentos contra o poder municipal, então nas mãos dos liberais. Finalmente em 1910 também participa da fundação do jornal oficial da recém-criada Diocese de Taubaté (formada em 1908), O Lábaro, o qual foi o redator-chefe até a sua morte em 1942.


Na política destacava-se a sua ação em nome do grupo mais conservador, reunido em torno do Visconde de Tremembé, e que tinha como principais porta-vozes os irmãos Câmara Leal. Nascimento Castro foi nomeado vereador em 1892 e se tornou intendente municipal por ocasião de uma viagem forçada que o intendente eleito teve que fazer. Participou, na Câmara, das obras para revitalizar a rede de esgoto da cidade e a iluminação, mas o fato mais polêmico foi, sem dúvida, o seu pedido de 2 contos de réis para reformar a Igreja Matriz. Polêmico porque suscitou um debate entre os liberais e conservadores, aqueles dizendo que a Câmara não tem esse dever para com a igreja, uma vez que a República é um estado laico e estes alegando que a religião católica era parte da própria identidade nacional, sendo impossível separá-la dos nossos deveres cívicos. Nascimento Castro foi implacável, mas os 2 contos de réis não vieram e isso gerou um grande descontentamento na elite local, cindindo até os próprios liberais.


A ação de Nascimento Castro também foi significativa no caso do Visconde de Tremembé. O nobre tinha se envolvido em uma luta com o operário alemão Augusto Kreye, por causa das cabras dele terem invadido a propriedade do Visconde. A discussão terminou em tentativa de assassinato -o Visconde deu um tiro em Kreye, mas pegou em seu chapéu. Kreye abriu um processo contra o nobre, apoiado principalmente por Eugênio Guisard (irmão do industrial Félix Guisard que tinha idéias socialistas), mas o grupo conservador fez de tudo para "melar" as audiências. Inclusive Nascimento Castro, que pediu para verem a ficha do operário na capital, onde ele esteve antes, e ao descobrir que havia sido preso por agitação consegui prende-lo com a ajuda das autoridades paulistanas. O processo acabou em um acordo entre ambas as partes, tão desgastado estava o assunto.


Nascimento Castro, como podemos ver, é um personagem muito rico, pois analisar suas ações nos abre um leque de possibilidades de analisar Taubaté em meados da República. Vimos aqui apenas dois desses aspectos de sua vida, a imprensa e a política, mas existem muitos outros como a educação (participou da fundação e organização de muitas escolas como o Externato São José, o Instituto de Agricultura e Comércio, dentre outros) e a questão social (afinal ele tinha fundado um Centro dos Operários Católicos). De qualquer maneira, Nascimento Castro, desconhecido hoje na memória local, começa a ser compreendido á luz de seu tempo pelo trabalho de grandes pesquisadores como Isnard Albuquerque Câmara Neto, Mauro Castilho Gonçalves e Tiago Donizette Cunha. Espero um dia contribuir para essa compreensão.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A província do Amazonas

Vi no jornal ontem uma reportagem constatando que existem poucos monumentos ou menções á independência do Brasil em Manaus. Ora, me espantaria se houvesse tantos assim.

O Amazonas pertencia então ao Grão-Pará, uma colônia descoberta pelo espanhol Vicente Pinzón e que não estava ligada á colônia descoberta por Pedro Álvares Cabral. O Grão-Pará tinha uma estreita ligação com Portugal, graças á proximidade com a metrópole e a grande quantidade de membros da Corte na região no controle do comércio.

O Grão-Pará tinha sua dinâmica social e econômica própria: as drogas do sertão e os demais produtos da selva, incluindo aqui os peixes, tartarugas e etc, eram a verdadeira renda desta colônia. O Amazonas era a Capitania de São José do Rio Negro e não representava grande coisa quando comparado ao Pará, principalmente á cosmopolita Belém.

A falta de comunicação com a colônia ao sul também ajudava na diferenciação. A notícia da independência do Brasil chegou com um ano de atraso no Grão-Pará, a 2 de setembro de 1823. A independência para o Grão-Pará foi um grande prejuízo, como nos revela a historiadora Magda Ricci:
O Grão-Pará foi um dos primeiros locais a desejar aderir ás Cortes de Lisboa, ao constitucionalismo e ao novo império Ultramarino; entretanto, foi um dos últimos a acatar a idéia de uma união mais estreita com os povos do Rio de Janeiro e ao parlamento brasileiro. Finalmente, o Pará foi um dos territórios precursores da policultura, da média propriedade e do uso do trabalho livre, mas somente integrou-se ao Brasil retomando a monocultura ou extrativismo da borracha, o latifúndio e o trabalho semicompulsório, com a migração nordestina e o regime de endividamento característico da relação seringueiro-seringalista na cultura gomífera.
(p. 192, RICCI, Magda. O Fim do Grão-Pará e o Nascimento do Brasil: movimentos sociais, levantes e deserções no alvorecer do Novo Império (1808-1840) in: DEL PRIORE, Mary e GOMES, Flávio (orgs.) Os Senhores dos Rios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003).
São José do Rio Negro ainda era uma comarca da província do Pará, mas já haviam aqueles que defendiam a sua emancipação da nova província. Nos pedidos para a criação da província do Amazonas se destaca o esforço dos deputados paraenses, na certa, tentando com isso se livrar da comarca do Rio Negro, que dava muitos problemas administrativos e economicos ao Pará. Finalmente em 5 de setembro de 1852 é dado o aval para a criação da província do Amazonas pelo governo central.
A pesquisadora Regina Márcia Lima defende que devido á fragildade econômica do Rio Negro (uma vez que seus produtos deviam ser escoados pelo porto de Belém e comprados ali) a nova província, criada tanto pelo interesse dos paraenses de se livrarem de uma onerosa comarca quanto pelo interesse do Império em expandir seu domínio territorial e cultural, a política local também passou a ser fortemente dependente, seja dos políticos paraenses como da Corte. A maior prova, segundo a historiadora, está nas fraudes eleitorais, nos estadistas eleitos (paraenses ou vindos de outras províncias á mando da Corte) e na incapacidade da elite política local se unir contra seus opositores.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dia da independência


O motivo do feriadão é o 7 de setembro. Isso ninguém duvida. Mas o que se comemora nesse dia é que ainda pega muita gente. Já vi muitos dizerem que foi em 7 de setembro que proclamaram a República, outros que tem a ver com a Abolição...
Não podemos entender o 7 de setembro sem ter em mente todo o contexto que levou a família real ao Brasil e, consequentemente, á independência. A Europa pós-revolução francesa estava de olho no efeito colateral da queda da Bastilha, Napoelão Bonaparte e seu expansionismo. Como inimigo mortal de Napoleão se encontrava a Inglaterra. Portugal temia o poder bélico francês, mas dependia economicamente da Inglaterra (o ouro descoberto em Minas foi praticamente todo gasto em artigos de luxo ou em trocas comerciais com a Inglaterra, ao vez de ser utilizado para incentivar o crescimento interno do país, o que gerou um enorme dívida para a Casa de Bragança). Napoleão tensionava acabar com a Inglaterra economicamente, criando um bloqueio comercial contra o país, mas para isso todos os países europeus precisavam entrar no jogo. Portugal era um deles que ainda estava em cima do muro. Quando D. João VI, o representante da Casa de Bragança, decidiu ficar do lado da Inglaterra e fugir para a sua colônia mais rica, Napoleão mandou suas tropas invadirem o reino.
Assim em 1808, a família real portuguesa vem para a colônia, desembarcando primeiro em Salvador e depois no Rio de Janeiro. A falta de um infra-estrutura na colônia levou o imperador a adotar uma série de medidas para viabilizar a sua estadia ali. Medidas como criar a Academia Real de Exército, a Biblioteca Real, o Banco do Brasil. Uma delas, no entanto, é crucial para entendermos a independência do Brasil: a abertura dos portos em 1808. Essa medida é importante, pois acaba com o pacto colonial, que dizia que a colônia não poderia comercializar com outro país senão a sua metrópole. O Brasil deixava de ser colônia, mas ainda estava intestinalmente vinculado á Portugal, como parte do Império.
A partir de 1820 a situação muda: D. João se preocupa com o destino da parte mais rica de seu Império, pois anos antes (1810) assistira a uma revolta separatista em Pernambuco (a Revolução Praieira) e uma tentativa recente (1821) de desmembrar o sul do Brasil (a Guerra Cisplatina) para as possessões espanholas. No entanto, as tropas espanholas foram expulsas de Portugal pela resistência portuguesa, com a ajuda dos ingleses, e agora os portugueses clamavam a volta de seu rei. O monarca português estava numa encruzilhada: se fosse para Portugal, os colonos brasileiros se desagradariam, pois temiam se tornar colônia de novo, e isso suscitaria mais revoltas separatistas; se não fosse para a "terrinha", por outro lado, estaria desmoralizando a Casa de Bragança que tem como súditos mais leais os portugueses que lutaram para livrar seu país quando a família real fugiu, deixando-os ali.
Desse impasse nasce a idéia: entronizar seu filho mais velho, D. Pedro I, no poder do Brasil, ou seja, emancipar a ex-colônia, mas de modo que não ocorra uma ruptura radical com Portugal. Os colonos, principalmente os latifundiários do Centro Sul, desconfiavam do jovem pelas suas pretensões absolutistas, temendo que os dominasse. Mas José Bonifácio Silva, conselheiro da família real, oriundo de Minas Gerais, de uma família abastada, os convenceu de confiar no príncipe. O 7 de setembro nasceu nesse contexto: D. João já havia partido e os colonos queriam uma constituição para legitimar sua independência, D. Pedro estava de passagem por São Paulo (na casa da Marquesa de Santos, sua amante), quando na volta recebe uma mensagem de José Bonifácio da Silva relatando a impaciência dos colonos, diante disso ele proclama a antológica frase: Independência ou morte! (Que foi imortalizada por Pedro Américo no quadro o Grito do Ipiranga, que, sabemos hoje, não foi assim tão majestoso de fato).
A independência foi então um acordo, uma negociação entre o futuro imperador, que tinha sim ambições absolutistas, os latifundiários, que queriam mais espaço de ação, e a monarquia portuguesa, que não queria perder o Brasil como a Espanha perdeu suas colônias.
O fruto desse acordo foi a Constituição de 1821, onde temos medidas que favorecem os colonos (voto censitário, masculino e para brancos), o imperador (a criação do Poder Moderador, ou seja, tudo teria que passar pelo imperador antes de ser aprovado) e Portugal (uma indenização pela emancipação da ex-colônia). Mas não nos iludamos, a independência não foi assim tão branda, sem conflitos. Antes de tudo temos o conflito entre os colonos e o imperador, um tentando controlar o outro, conflito esse que se acentuará no decorrer do Primeiro Reinado. E um conflito entre os que acreditavam no fim da emancipação, os restauradores, e os emancipadores, conflito que também se fez em armas, principalmente no Norte do país, com as famosas campanhas do General Madeira de Melo. Aliás, dessas pequenas guerras surgiram até mártires, como a soldada Maria Quitéria de Jesus Medeiros e a Sóror Joana Angélica, e figuras que se tornaram folclóricas como o general francês Labatut (que por muito tempo se tornou sinônimo para um duende maquiavélico em algumas partes do Nordeste).
Se comparamos a independência do Brasil com a dos nossos vizinhos, aí sim ela parecerá um pouco menos violenta. Mas cada caso é um caso: Napoleão invadiu a Espanha, antes de chegar em Portugal, colocando no governo seu irmão José Bonaparte, isso foi o bastante para os colonos das possessões espanholas na América aproveitarem o momento de confusão e tentarem se proclamar independentes da sua metrópole. No entanto, o discurso de descontentamento com a metrópole, por vezes se confundia com discursos sobre os abusos da Igreja, dos colonos mais ricos e daí nasceram muitas guerras, cada uma com um desenvolvimento particular. Temos então, as guerras de independência no México, no então Vice-Reino de Granada (de onde surgiram a Colômbia e a Venezuela) e na Argentina. Nessas guerras também temos personagens singulares, como o mítico Símon Bolívar, José San Martin, general Sucre, etc...
A independência brasileira se deu de maneira singular por conta da vinda da família real, ou seja, enquanto na América espanhola atingimos o ápice do distanciamento das colônias com a metrópole, no Brasil temos a união da metrópole com a colônia. Não estou julgando no momento se isso é bom ou mal, mas apenas dizendo que foi assim que ocorreu, até onde sabemos.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A idéia das três raças

Nos livros didáticos isso é muito comum: a idéia de que o Brasil foi construído pela união de três raças, o negro, o branco e o índio.

Essa idéia nasceu com o botânico alemão Friederich Von Martius quando ele publicou um texto chamado Como se deve escrever a história do Brasil para um concurso do recém-criado IHGB em 1840 com o mesmo nome. Para o botânico, este país que ele percorreu com seu companheiro também botãnico Spiux foi criado com a ajuda do negro, do branco e do índio. Com o suor do rosto dos três, seja na lavoura, na mineração, na caçada, nas bandeiras, na navegação, etc.

Influenciado pela sugestão de Martius, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen ao escrever sua História Geral do Brasil, primeiro esforço de fazer uma sistematização da nossa trajetória histórica, utiliza a mesma imagem. Sendo, é claro, que não dispensa comentários preconceituosos contra os índios, negros e mulatos, muitos parte da mentalidade do século XIX. Muito embora, Varnhagen reconheça a crueldade da escravidão indígena e os abusos dos senhores de escravos.

Capistrano de Abreu, historiador cearense ex-pupilo de Varnhagen, distanciou-se de seu mestre ao conferir ao indígena um destaque maior. Capistrano pretendia fazer uma História do Brasil que focasse a três raças realmente, retirando da cultura indígena e negra a sua versão da história também. O historiador privilegiou o índio, tendo inclusive envolvendo-se em seu mundo, e em seus Capítulos de História Colonial, parte de um projeto inacabado de rescrever a história nacional, observarmos isso ao retratar com maior detalhismo as etnias presente no sertão brasileiro e suas técnicas de resistência e aculturação.

Reservava-se maior interesse ao índio por dois motivos: primeiro, por ser considerado, pelo ideal romântico e nacionalista, o verdadeiro brasileiro e, em segundo, por estar desaparecendo, principalmente no Sul do país por conta dos anos e anos de exploração colonial. O negro ainda era visto com uma certa reserva, pois ele confundia-se com a própria escravidão, instituição vista na época como principal entrave ao Brasil para se desenvolver como os países europeus. Não fosse pelo interesse de um Raimundo Nina Rodrigues, mesmo que cheio dos preconceitos pseudo-científicos de então, em sua cultura, teríamos pouco material sobre este personagem.

A reabilitação do negro na historiografia brasileira começou com a Abolição, finalmente estavam todos libertos da inconveniente escravidão, o que não quer dizer que com ela veio automaticamente a valorizaçaõ da cultura afro-brasileira. É muito comum se ver em jornais abolicionistas piadas e paródias criticando a obscenidade e preguiça do negro. A verdadeira reabilitação vem com Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, pois nesta obra ele defende a força da cultura negra - mesmo que proclame por um lado seu total desaparecimento por meio da miscigenação.

Fora abolida a escravidão, mas o Brasil ainda não se desenvolvera. A culpa estaria no seu povo mestiço, acreditavam então os pensadores da época. Assim, o caboclo une-se ao negro como elemento responsável pro nosso atraso social e econômico, por conta de sua "preguiça". Monteiro Lobato é o principal líder dessa corrente, mas que, diante da situação precária na saúde e na agricultura, reconhece o problema não no tipo físico, mas na nossa história, posteriormente.
O mestiço passa a ser reabilitado pelos regionalismos, São Paulo, por exemplo, exalta a figura do mameluco, fruto da união do índio, habitante natural desta terra, com o branco, o bandeirante que desbravou esse país. Pouco a pouco ele deixa de ser o problema para ser o orgulho. Aí entra, mais uma vez, Freyre e sua defesa da miscigenação como nossa característica original e benigna, o que nos diferenciava do resto do mundo.

Esse ideal será absorvido pelo Estado Novo, que fazia uso de um novo nacionalismo. Era preciso unir o Brasil inteiro sobre a figura do líder nacional, Getúlio Vargas, e aí temos a institucionalização á nível federal do ideal das três raças, principalmente com a instituição do Dia da Raça. Símbolos emblemáticos dessa época são os trabalhos dos antigos modernistas, como Cassiano Ricardo e seu Martin Cererê, onde mostra como o índio, o negro e o branco desbravaram e povoaram o sertão, ou mesmo de Juca Mulato de Menotti del Picchia, onde o poeta Juca Mulato, pela sua própria natureza mestiça, navega pelos diferentes tons da poesia e da inspiração.

O negro para Freyre e Caio Prado

Envolvido recentemente em um projeto sobre a participação do negro e do indígena na construção da sociedade brasileira e amazonense, direcione-me a pesquisar e analisar o tema dentro da historiografia e me centrei nestes dois monstros sagrados do pensamento brasileiro.
Vejamos, pois, o pensamento deles primeiro e o que cada um pensava sobre o negro e posteriormente estabeleceremos algumas ligações entre estes autores aparentemente tão diferentes:
Gilberto Freyre, descedente de uma tradicional família pernambucana envolvida visceralmente com os engenhos, era um homem que gostava do passado. Em vários textos manifesta o interesse que tem em preservar o passado. Esse interesse está vinculado a uma imagem que tem sobre a sua região e seu país: aqui temos uma sociedade mais afetiva, pautada pelas emoções, pela aproximação. A imagem se consolidou mais ainda quando foi estudar antropologia na Universidade da Colúmbia nos Estados Unidos, pois lá ele viu uma sociedade mais fria, regulada mais pelos impessoalismos, pelo capitalismo.
Incentivado pela curiosidade e pelo orgulho de sua tradição, Freyre entra na pesquisa sobre a história do seu país, e, principalmente, de sua querida Pernambuco. Desce esforço nasce Casa Grande e Senzala (1933), um livro muito muito ambíguo, revolucionário por um lado e conservador por outro. Até então acreditava-se que o maior obstáculo para o Brasil se desenvolver era a sua origem racial vinculada demais ao negro e ao índio, por meio dos mulatos e caboclos que apinhavam o país. Freyre, influenciado pelos estudos culturalistas de seu professor americano Franz Boas, critica a idéia de raça e coloca o problema na formação social do país - o patricarcalismo e o latifúndio - , enquanto tenta derrubar essa idéia de que o negro é um ser inferior, demonstrando a força de sua cultura, e em determinadas vezes os seus potentes e belos atributos físicos. Essa é a faceta revolucionária de sua obra. No entanto, quando Freyre valoriza nossa miscigenação também defende que a escravidão não foi tão horrível assim, pois o patriarcalismo e o pessoalismo do africano contribuíram para criar canais de aproximação, onde tanto o senhor como o escravo poderiam estar mais próximos, e a prova maior disso seria a grande profusão de mulatos pelo país, a maioria ocupando cargos intelectuais de prestígio como os escritores Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Farias Brito, Lima Barreto, etc... Essa é sua faceta conservadora. Freyre quer preservar esses canais de aproximação, não quer que a modernização, que se esboça agora com a ascensão de Getúlio Vargas, acabe com ela, importe um modelo frio e impessoal como o americano ou o europeu. Só que essas relações são exatamente a clientela, o apadrinhamento, mecanismos para impedir conflitos entre classes e etnias.
Mas vamos á visão que Freyre tem do negro, ponto essencial de sua obra: para o antropólogo pernambucano, o negro fora degradado, não pela genética ou pela geografia, mas pela instituição implantada pelos portugueses chamada de escravidão e pela doutrinação do catolicismo. O negro foi alçado á condição de coisa e infiel, embora dentro do universo patriarcal, onde o senhor é o dono de tudo, ele tenha conseguido, por vezes o status de homem ou mulher, seja como agregado, amante, mucama, capataz, etc...O fato é que no começo do século XX o negro continua degradado, marcado pela escravidão, está no fundo do poço. A única maneira de ascender socialmente é se livrando um pouco de sua cultura, e não há melhor símbolo que isso se não a mestiçagem.
Ao pregar uma campanha pela miscigenação como forma de reabilitar o negro, Freyre coloca-se, consciente ou inconscientemente, á favor da diluição de sua cultura em nome de uma pretendida ascensão social, ou seja, o mulato é a maneira do negro tentar alcançar o mundo permitido aos brancos, o mundo da civilização. Para isso ele terá de se despir um pouco de sua cultura. Raros, dentre os autores citados, são aqueles que não eram doutrinados no eurocentrismo - um exemplo: Machado de Assis era um profundo conhecedor da cultura clássica e se ressentia por ser chamado de mulato, embora tenha lutado pela abolição e muito.
Caio Prado Júnior também vinha de uma tradicional família, sendo esta paulista e envolvida no comércio de café. No entanto, Caio não era muito contaminado pelo barrismo que dominava na época de sua juventude o estado paulista. Ele tinha uma enorme curiosidade em conhecer o resto do Brasil. Enquanto estudava para se tornar bacharel entrou em contato com a obra de Karl Marx e viu nele um grande gênio. Desde então Caio se tornou um grande divulgador de sua idéias. O interesse por entender o seu país encontrou um grande companheiro no materialismo dialético do filósofo alemão. Assim, Caio escreve o primeiro trabalho de história do Brasil a utilizar o pensamento marxista no Brasil com Formação do Brasil Contemporâneo (1945).
No livro Caio identificava a razão de nosso subdesenvolvimento, pergunta capital para todos no momento que estivessem envolvidos na análise e interpretação da história do Brasil, no sentido da nossa colonização: abastecer a metrópole. Ou seja, o Brasil, desde sua formação até a sua independência foi orientado para suprir exclusivamente outro país de tal forma que essa medida se tornou parte visceral de nossa sociedade. Desde a independência até hoje (anos 40) o Brasil continua a fazer isso, a transferir capital para o estrangeiro e depender tanto economicamente como culturalmente dele - haja visto a importação da moda e do estilo de vida francês que imperava nos primeiros anos do Brasil República.
o interesse de Caio Prado não era necessariamente o negro na formação da sociedade brasileira, mas a economia colonial, por isso ele não falou dele com muito afinco como Freyre, mas é possível identificarmos seu pensamento sobre ele em algumas passagens de seu livro. Caio acredita que a escravidão degradou o negro ao transformá-lo em coisa e o envolvê-lo numa cortina de preconceitos. Esta instituição, instrumento do mecanismo colonial, criou uma sociedade estamental, onde era impossível um senhor se relacionar com o escravo a não ser pela exploração e pelo ódio. O negro estava impelido de ter voz pelo colonialismo, através da escravidão, tanto que a abolição não partiu dele, mas de um fração da elite dirigente. Com a República sua situação não mudara muito, a cor ainda era um impecilho para a ascensão social. Essa era a herança maldita da escravidão, a incapacidade de ascensão social. Este era um dos grandes obstáculos para a modernização do país.
Agora, veremos as semelhanças e diferenças entre o antropólogo pernambucano e o economista paulista: Perceba, tanto Freyre como Caio Prado enxergam na escravidão a palavra-chave para a degradação do negro, no entanto, um considera que a natureza orgânica da sociedade brasileira amenizou um pouco esse entrave, enquanto outro diz o contrário, isto criou uma sociedade inorgãnica, profundamente hierarquizada. Quanto ao remédio eles também diferem: Freyre prega a valorização da miscigenação, enquanto Caio fala de uma revolução social, apoiada não nas armas ou em um partido político, mas em uma série de reformas na educação, na saúde e na economia, para acabar com a sociedade hierarquizada brasileira, e com ela, evidentemente, o preconceito racial.
Fontes:
COSTA, Emília Viotti da. Da escravidão ao trabalho livre. in COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia á República: momentos decisivos. Cia das Letras: São paulo, 1999.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. José Olympio: Rio de Janeiro, 1975.
LAPA, José Roberto do Amaral. A Formação do Brasil Conteporaneo - Caio Prado Jr. in MOTA, Lourenço Dantas (org.) Uma introdução ao Brasil: um banquete nos trópicos. Cia das Letras: São Paulo, 1999.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Brasiliense: São Paulo, 2000.

domingo, 5 de setembro de 2010

Aniversário

Esse mês o Caminhos da História faz um ano de existência. O que nasceu como uma tentativa despretensiosa de falar sobre história (a começar pelo título pouco esmerado, eu admito) se tornou hoje parte de minha formação.
Pode parecer que estou exagerando, mas é a mais pura verdade: utilizo este blog como divulgador de minhas leituras e minhas pesquisas, mas, principalmente, como bloco de rascunhos. Aqui faço algumas experimentações e no decorrer destes meses tenho amadurecido meu estilo, aspecto que considero tão importante quanto á metodologia, na maioria dos posts, por mais limitados que eles possam ser, graças á seu tamanho e suporte.
Antes de terminar quero agradecer a todos que tem acompanhado o blog e me desculpar pelas eventuais estiagens de postagens.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Anacronismo: o oitavo pecado capital

Antes de tudo o historiador é humano e está vulnerável a todos os pecados capitais, mas existe um que é próprio de seu ofício, o que não o torna menos capital, por assim dizer.
É o anacronismo, ou seja, determinar á certos aspectos do passado significados do presentes. Podemos achar um bom exemplo no post anterior sobre a Cabanagem: enquanto os nacionalistas vinham os cabanos como precursores do sentimento nacionalista, os estudiosos marxistas os vinham, por outro lado, como defensores de um projeto revolucionário socialista. Apesar de ser possível que os ideais lusofóbos e até iluministas tenham entrado na Amazônia, é muito discutível que estas idéias não tenham sofrido alguma alteração (tanto geográfica, como temporal), afinal, o que hoje chamamos de nacionalismo não é bem o que sentiam os habitantes da então colônia (ou ex-colônia a partir de 1808), assim como nem todo ideal que prega o fim da exploração seja necessariamente socialista.
Geralmente, o anacronismo vem acompanhado de um outro pecado do historiador: a mania de julgamento, segundo Marc Bloch. Julgar as ações do passado quer dizer esquecer do contexto e utilizar critérios do presente para avaliá-los (afinal, nem todos tem noção do que seu tempo carrega com si). Um bom exemplo: quando a Inglaterra passa pela primeira Revolução Industrial e começa a nascer uma classe operária, muitos trabalhadores irão se vincular á sociedades pequenas, conservadoras e religiosas, contra os insipientes sindicatos e greves. Muitos historiadores criticaram essas associações e decidiram estudar apenas os sindicatos e as greves, ao invés de entenderem porque as sociedades reformistas foram tão numerosas e poderosas. É sempre bom lembrar sobre os homens do passado, como nos fala Thompson, que eles viveram aquele tempo e nós não, por isso merecem respeito.
Não quer dizer com isso que o historiador não deve se posicionar contra acontecimentos e processos históricos, mas que seu posicionamento não deva interferir com a verdade, ainda que parcial, que se procura extrair do passado. Foi exatamente essa atitude que levou Edward Palmer Thompson a analisar os primórdios da formação operária inglesa, levando em conta esses grupos conservadores, criando um dos trabalhos mais completos de história social da atualidade.
Bem, muitos já nos alertaram sobre o anacronismo, desde Ranke até Certeau, mas, como diria minha avó, prudência e canja de galinha nunca é demais.

Estilo e História

Quando Truman Capote começou a realizar o seu projeto de criar um jornalismo que utilizasse técnicas da literatura foi amplamente criticado, afinal, sempre há preocupação de o escritor, em nome da literatura, abra mão em determinado momento da verdade.
Esse medo perpassou por quase todo o século XIX na cabeça dos historiadores. Discutiam se a história era então ciência ou arte e aqueles desejosos de ver seu ofício alçado ao prestigioso status de ciência tentaram amputar um pouco da complexidade e da estética do fazer historiográfico em nome de maior objetividade e parcialidade.
A grande questão aqui é até que ponto a forma (o estilo) influencia no conteúdo (a história). Atualmente diz que a história é arte, é literatura, pois alcançar a verdade é impossível. Sendo assim, o estilo e o conteúdo se casam perfeitamente, sem problemas. Eu, no entanto, não compartilho dessa visão e também não acredito que a história deva se resignar de sua beleza em nome da objetividade.
Michel de Certeau
Acredito, como Michel de Certeau, que a verdade total é impossível de ser atingida, mas podemos chegar a uma parte dela, a uma verdade parcial. Sendo assim a história é sim uma ciência. Mas como toda ciência ela tem uma parte de arte que, por ser uma ciência humana, tem um peso próprio e importante. Não devemos nos esquecer que o historiador também é um escritor, que ele apresenta o seu conhecimento munido de técnicas literárias que não precisam necessariamente ser esquemáticas ou cartesianas. Claro que pesa e muito o interesse de se fazer entendido pelo leitor, mas há várias maneiras de se fazer entendido.
Marc Bloch
Por fim gostaria de lembrar o conselho de dois mestres neste momento: Marc Bloch dizia, resguardemo-nos de retirar de nossa ciência sua parte de poesia e Lucien Fevbre, seu amigo, dizia que a história é como uma banca de peixes, onde os fatos históricos representam os mais diversos tipos de peixes, cabe ao historiador escolher qual irá levar para casa. Gostaria de subverter um pouco este último aforismo: a construção textual também é uma banca de peixes, onde o historiador escolhe qual o estilo-peixe que mais lhe satisfaz. Ele não deve se envergonhar de escolher determinado estilo, afinal a estilística faz parte de sua ciência, mas é imperioso que ele escolha e escolha, evidentemente preocupado em atingir o leitor, mas sem medo de ser feliz.