domingo, 29 de abril de 2012

Um dedo de prosa



Reallity misery show
A sensação de ser observado. Câmera? Não, são os urubus lá no alto.

A cereja do bolo
Quadrigêmeos? É muito filho pra pouco pai!

Buraco negro
Seria lindo se não fosse assustador os últimos raios de luz escorrendo para o sumidouro do universo no maior silêncio.

Primerro de maio
Forró, sindicato e políticos. É a consciência de classe que sai dançando.

Visagem
A sombra passou na porta de casa. Velho conhecido que chegou para trocar uma prosinha com o futuro falecido.

Hit que irritcha
Ele quer um tchu, ele quer um tchã... ele quer um tiro, isso sim.

Ecologicamente confusa
Buracos na camada de Seu Ozônio? Mas como? Se carro deixa buraco no asfalto, então avião deve deixar buraco no céu. E quem é esse tal de Seu Ozônio, perguntava-se Dona Maria após a fala do homem na TV.

sábado, 28 de abril de 2012

Old school e new age

Laerte, genial como sempre!

Código Desflorestal


O Código Florestal, sim o afamado Código Florestal aplaudido pela nossa bancada ruralista, foi aprovado na Câmara Federal. E agora pipocam nas redes sociais manifestações pedindo para que a presidente vete o projeto de lei. Se lembram que quando Aldo Rabelo terminou de redigir o texto do projeto de lei a mídia noticiou em peso, até demonstrando as implicações das novas medidas? Pois é. Não se ouviu mais falar em Código Florestal na mídia. Os ambientalistas continuaram seus protestos, mas como sempre, o apoio da maior parte da população não veio.
Para mim, a vitória do Código Florestal pró-latifúndio significa que ainda há um abismo entre a causa ambientalista e a sociedade civil. O movimento ambientalista no Brasil tem tradição, tem nomes como José Lutzemberg, Leonardo Boff, dentre outros, mas ele ainda continua um tanto incipiente. Por quê? Porque ele ainda não se enraizou na consciência dos brasileiros.
Existem vários fatores aqui que podem explicar isso, mas acho que um dos principais é de que a mensagem ambientalista não foi traduzida na linguagem popular adequadamente. Claro, a maior parte das pessoas tem uma mentalidade individualista e imediatista e os danos ambientais tem efeito coletivo e de longo prazo, mas hoje, com as enchentes e secas atingindo muitas cidades brasileiras, não é possível que as pessoas não atinem para a relação entre meio ambiente e catástrofes naturais.
Claro, divulgar a mensagem ecológica não significa vulgarizá-la ou simplificá-la ao extremo, mas transmitir ás pessoas comuns o essencial dessa mensagem. E o que seria o essencial? Entender que precisamos deixar de enxergar a natureza como algo a ser dominado, domesticado, mas como uma entidade com a qual devemos respeito. Continuar insistindo na dominação da natureza pode exauri tanto a natureza como nós mesmos. Nossa sobrevivência depende da convivência e não da dominação. E a convivência depende do respeito e do cuidado.

sábado, 21 de abril de 2012

Entendendo a ordem urbana


Na última quinta-feira, dia 19 de abril, tive a oportunidade de participar de uma palestra da Prof. Msc. Francisca Deusa Costa. Convidada para falar aos alunos do quinto período sobre sua tese "Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana", ela foi super-simpática e atenciosa á todos os questionamentos feitos após a sua explanação.
Eu, que entrei de penetra, não poderia deixar de comentar aqui alguns pontos da sua fala. Boa parte dela foi dedicada a explicar quais os caminhos que lhe levaram a chegar a esse tema: da mudança de tema á discussão teórica, da pesquisa empírica á construção da dissertação. Em suma, essa parte foi muito esclarecedora para os alunos do quinto período que agora estão começando a delinear seu projeto de pesquisa.
Mas hoje focarei aqui os aspectos relativos á sua abordagem de Manaus do ponto de vista do trabalhador urbano. Segundo a professora, inicialmente seu estudo falaria especificamente sobre os trabalhadores urbanos, mas graças á sugestão da historiadora Déa Fenelon ela pode perceber que os atores sociais não estão dissociados do espaço em que vivem. O espaço em que habitam também são construções sociais. Existem muros invisíveis para o trabalhador, construídos tanto na Belle Epóque como hoje: lugares onde ele é proibido de entrar não por conta de uma lei oficial, mas de uma regra social.
Quanto á historiografia, a Profa. Francisca Deusa foi influenciada pelo momento em que a universidade passava por estas bandas: do ponto de vista nacional, havia o interesse em demonstrar a contribuição do Amazonas para sua formação, do ponto de vista local, a intenção era revisitar as épocas consagradas da nossa história, revelando atores sociais que foram marginalizados pela Belle Epoque. Nesse último aspecto, nossos pesquisadores encontraram na historiografia neo-marxista uma ferramenta muito útil. O principal nome dessa tendência é o nosso já conhecido E.P. Thompson, o historiador britânico que elege como conceito fundamental para entender como as classes sociais adquirem sua consciência a noção de "experiência". Em outras palavras, o trabalhador se forma enquanto classe, toma consciência de sua condição, com a experiência, com o que vai acontecendo no seu cotidiano.
Thompson não está preocupado em falar do trabalhador engajado, dos líderes do movimento operário, mas no trabalhador comum, que compõe a maioria da classe trabalhadora. Com o neo-marxismo, a resistência explícita deixa de ser a única importante para o estudo. A resistência implícita, aquela que á primeira vista parece fútil e fundada em interesses imediato, adquire importância. Ela é vista como um passo para a formação da consciência de classe.
E é essa resistência implícita que Francisca Deusa encontra no processo de urbanização de Manaus. Enquanto outros estudos, como o de Edinéia Mascarenhas, revelam a segregação espacial que as classes trabalhadoras sofreram, Francisca Deusa, sem negar isso, demonstra que muitos conseguiram burlar o rígido Código de Posturas que ajudou a expulsar as classes mais pobres do centro da cidade. Como? No Código de Posturas havia um padrão a ser seguido de muros e fachadas para as casas do centro, padrão que lembrava muito as construções de Paris. O que muitos proprietários faziam? Respeitavam o Código quanto ás fachadas, mas não em relação ao resto da casa: assim temos cortiços imensos com fachadas belíssimas.
Era nesses cortiços que a maioria dos trabalhadores urbanos de Manaus viviam. Ora, a maioria deles vinha de fora do Estado, basta lembrarmos que estamos falando do boom da borracha, que atraiu para a Amazônia massas de imigrantes, a maioria de nordestinos. Eles viviam no centro da cidade, ainda que em condições precárias, mas isso só já significa uma resistência á esse processo modernizador excludente.
Enfim, há muito ainda que ser dito, que refletir, dessa produtiva palestra, mas por ora ficaremos nestas observações que demonstram a grande contribuição da Profa. Francisca Deusa Costa para a História Social do Trabalho no Amazonas.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Água, fibras e trabalho: Notas sobre História Social do Trabalho na Amazônia


Nas aulas que tenho com o Prof. José Vicente Aguiar sempre me surpreendo com seus relatos sobre a vida dos trabalhadores da juta no interior do Estado, principalmente em Manacapuru. Para mim o cultivo da juta já tinha acabado. Ela movimentou a região no período pós-boom da borracha e pré-zona franca: 12% da arrecadação tributária do Estado vinha dela em 1966. Em relação aos dias atuais, falar em economia da juta para mim soaria anacronismo, uma vez que essa planta era cobiçada justamente por ser a matéria -prima para sacos e com o surgimento das fibras sintéticas ela se tornaria um pouco obsoleta. Mas a juta continua em demanda, menos que antes é verdade, mas ainda assim há uma demanda.
Voltemos ás origens: essa planta asiática foi introduzida na Amazônia por uma Missão Japonesa,um grupo de agrônomos da Terra do Sol Nascente reunidos pelo governo nipônico tinham como objetivo adaptar o cultivo de algum produto conhecido dos asiáticos nesse rincão do Brasil para consolidar a colonização japonesa na região. Depois de várias tentativas eles conseguiram adaptar a juta.
Do ponto de vista empresarial, tudo começou quando industriais paulistas, dentre eles Mário Audrá (não confundir com o Mário Audrá Jr, o Marinho), cientes do sucesso da iniciativa, resolveram fazer um acordo com as poucas colônias de trabalhadores de juta que existiam então, sendo a Vila Amazônia (em Parintins) uma delas. Surgia assim a Fiação e Tecelagem da Amazônia S.A., mais conhecida como Fitejuta. Existiam duas fábricas, uma em Manaus e outra em Taubaté (quem diria!).
Nas fábricas a fibra era prensada, transformada finalmente em sacos, mas a maior parte do trabalho era feito no interior da Amazônia pelos juticultores. Primeiro busca-se uma região da várzea onde possa-se cultivar a planta, então limpa-se o terreno e faz-se a semeadura. Depois é preciso capinar sempre o local, mesmo quando a juta já ter crescido, para que outras plantas na sufoquem as frágeis raízes da juta.
Na hora certa deve-se cortar as hastes, bem rente á raíz, e então deixá-la de molho na água do próprio rio, para que a água e suas bactérias separem o miolo dos talos da fibra, que é o que nos interessa. Após isso, retira-se as hastes da água, bate-as para que saiam as impurezas do rio e seca-as. A partir de então, a juta está pronta para ser mandada para a fábrica, ou no caso de um agricultor autônomo, vendida á algum negociante.

Sobre o trabalho é interessante observar como ele se constitui como um saber familiar muitas vezes, passando de pai para filho. É sempre bom lembrar que muitos juticultores não vivem mais em colônias de trabalho, mas ás suas próprias custas entre as várzeas, perto das plantações, nas curvas dos rios. A dispersão geográfica pode atrapalhar a união do trabalhador e consequentemente a sua consciência de classe, como Barbara Weinstein percebeu ao abordar a vida do seringueiro, mas ela também tinha suas vantagens: a autonomia em relação á um patrão.
Cabe também nos questionar até que ponto essa dispersão hoje impede uma consciência de classe nessa categoria, afinal já existem cooperativas de juticultores, como por exemplo em Manacapuru. Além disso, hoje o próprio isolamento do homem amazônico que vive no interior é relativo diante da presença de meios de comunicação. Já na década de 1940 e 1960 o rádio conseguia conectar famílias ribeirinhas com seus parentes tentando ganhar a vida na cidade grande. O rádio fazia o interiorano entrar em contato com o resto do mundo. Hoje então esse contato deve ser muito maior diante do rádio, do celular e da TV.
O trabalhador da juta conta como ferramente, além do terçado (facão) o próprio corpo. É uma exploração das mais explícitas, pois se percebe seus efeitos na aparência física de seus trabalhadores. O juticultor tem que usar as mãos para medir, colher, carregar a juta e passa a maior parte do seu dia com metade do corpo dentro d'água. Tal condição permite que ele adquira doenças como infecções por fungos ou bactérias, como é o caso de uma espécie de micose chamada popularmente como "rói-rói", sem falar das ameaças do rio: arraias, sucuris, piranhas, jacarés. 

O corte da juta demanda muito tempo e está muito ligado ao clima. Diante das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global está ficando cada vez mais irregular a colheita da planta, que deve ser feita antes da época das chuvas pesadas. A meteorologia  ajuda o agricultor a se antecipar algumas vezes, mas em via de regra a natureza continua desequilibrada e com ela o regime de cultivo. Em relação ao meio ambiente, a juta sendo uma monocultura (aliás, a própria estrutura física da planta lhe demanda isso ao contrário da cana) empobrece o solo, mas estamos falando do rico solo da várzea amazônica. Adicione a essa plantation em pequena escala a poluição do rio e consequentemente de suas margens pelo mercúrio dos garimpos ou pelo combustível dos barcos e temos um silencioso desastre ambiental.
O que me chamou mais a atenção nesse tema é que ele é muito pouco explorado. Quase nada se ouve falando sobre o juticultor. Parece que a historiografia amazonense está focada em duas categorias de trabalho: o seringueiro ou qualquer trabalhador integrado ao seringal, no interior, e o trabalhador urbano na capital. Dentro da perspectiva do trabalho urbano em Manaus salienta-se os estivadores, os carroceiros, gráficos e até as profissionais do sexo. A categoria dos condutores e motoristas, seja de bondes, ônibus ou táxis, que teve uma união e uma importância muito grande na cidade, ainda está carente de uma boa pesquisa. O mesmo pode se dizer do juticultor ou de qualquer trabalhador amazônico que viva no meio rural.

Claro que em se tratando deste último é muita ingenuidade esperar que se possa encontrá-lo em documentos. Aqui devemos nos usar dos métodos da História Oral, uma vez que estamos falando de experiências de homens e mulheres que não tiveram o privilégio de se alfabetizarem, mas que nem por isso perderam a preocupação em transmitir seu conhecimento para as novas gerações.
Digo isso tudo, pois muito me interessa a História Social do Trabalho e em se tratando de Amazônia vejo que temos aqui um campo muito rico para esta tendência.Claro, tenho minhas opiniões sobre como fazer História Social do Trabalho, todo mundo tem. Antônio Luigi Montenegro e Flávio Santos lembraram muito bem que Thompson, considerado o papa dessa corrente historiográfica, tinha um certa ojeriza com o termo História Vista de Baixo, que se ocupa com todos os grupos sociais que foram marginalizados pela História Oficial, estando, óbvio, os trabalhadores dentre eles. Ojeriza por quê? Porque segundo Thompson isso desprezaria o papel das classes sociais mais abastadas e poderosas no rumo da trajetória dos trabalhadores, afinal se trata de História Social, ou seja, todo homem se relaciona com outro homem e disso decorre que toda classe se relaciona com outra. Portanto, uma História Vista de Cima é o complemento adequado para uma História Vista de Baixo, desde que ela seja crítica.
Qual a importância disto para nós? Ora, não podemos entender a trajetória do juticultor se não entendemos como o seu patrão chegou a ser o seu patrão. Em outras palavras, uma História Social do Trabalho precisa se amparar numa história empresarial local, diante da pequena expressividade desse campo aqui. Outro ponto interessante: também devemos compreender a economia como algo fluído e heterogêneo. A economia regional não está só ligada á economia nacional, mas á outras economias regionais. No nosso caso, a juta interliga duas economias completamente diferentes naquele momento: o extrativismo amazônico com a industrialização paulista da década de 1930 e 1940.

Em relação ao trabalhador em si, creio que devemos documentar dos mais diferentes meios possíveis o seu universo: seja no cotidiano, nas práticas culturais ou na sua afetividade. História hoje não é apenas processos, mas sensibilidades também, enfim, tudo o que compreende a experiência humana. Logo o relato oral é importantíssimo, mas existem outras fontes também: a fotografia, por exemplo. O pesquisador pode se utilizar de uma câmera para adentrar no mundo do juticultor e captar o seu drama social e suas alegrias.
Se focar somente no engajado é um erro que boa parte da historiografia operária reconhece hoje. Não existe dominação absoluta, já dizia Marx. A História hoje relativiza muito bem os conceitos de dominação e resistência, indo além da hegemonia e da rebeldia explícita, manifestada por atos políticos. O trabalhador não precisa ser politicamente engajado para ser um sujeito histórico, essa é a lição que nos fica.
O trabalhador é um sujeito histórico e também é heterogêneo. Mesmo dentro de uma categoria há níveis de hierarquização, alguns impostos pelos patrões outras não. A subjetividade também se faz presente. O que isso tudo significa? Generalizar, nem pensar.
O trabalhador amazônico vivente no coração da mata demanda um outro cuidado historiográfico: não desvincular o meio ambiente do processo de trabalho. Todo trabalho, voltamos á Marx, é uma tentativa de dominar a natureza e remodelá-la ás nossas vontades. Mas entre os povos indígenas o trabalho não possuía esse objetivo maior, até porque a sua cosmovisão entendia a natureza e o homem como parceiros. É de se esperar que essa mentalidade ainda sobreviva em muitos rincões da nossa Amazônia. Além disso, como não considerar a matéria-prima mor da economia amazonense nestes últimos séculos: a natureza amazônica. Em se tratando de um sistema extrativista, as exigências do meio e as mudanças climáticas são essenciais para se entender as condições de trabalho de certa pessoa.

Enfim, não são leis que devem ser seguidas á ferro e fogo. Estas são apenas sugestões de diretrizes para se entender uma História Social do Trabalho preocupada com o trabalhador do interior da Amazônia. Espero dar uma contribuição mais sólida á essa discussão historiográfica, mas no momento é o que tenho a dizer sobre esse tema.

Coerência


Essa é muito boa, vi no jornal da TV ainda pouco: o rei Juan Carlos da Espanha pediu desculpas por ter ido á África no começo da semana para caçar elefantes, já que o seu país enfrenta um dos períodos mais graves de crise econômica. Além disso, ele é o presidente da WWF (World Wild Fund), órgão ambientalista.
Coisas da vida...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Nós, loucos e "civilizados"


De uma conversa com o Prof. Almir Diniz de Carvalho Júnior no Museu Amazônico:
É interessante como o amazonense ou o amazônida de uma forma geral tem uma espécie de resistência em admitir suas raízes indígenas. Muitos aqui não se consideram indígenas apesar dos traços de sua ascendência serem visíveis. E o que é pior é que muitos sabem que sua família tem um pouco da presença indígena e mesmo assim optam por esquecê-la.
Almir nos deu um exemplo muito revelador: aqui no Norte ser índio é uma vergonha, enquanto no Sul carrega um pouco de charme. Por quê isso? Porque aqui a presença indígena é muito maior. Existem ainda muitas comunidades indígenas no Sul do país, mas elas não possuem uma dimensão tão significativa assim para a sociedade em geral. A maior prova é de que as discussões em relação á questão indígena se encontram mais no âmbito da universidade e não na mídia. 
Basta que algum povo indígena apareça impedindo a construção de uma rodovia ou de uma hidrelétrica que então percebemos que essa admiração exótica muda para racismo. O indígena aparece como anacrônico: um elemento do passado que está travando o desenvolvimento do país.
Na Amazônia a presença indígena é muito maior, por isso esse preconceito é muito mais evidente. O ideal do desenvolvimentismo não morreu. Ele taí. Onde quer que olhemos. É a defesa de um progresso material e não ético, humano. É a defesa da dominação da natureza e não da convivência com ela. Continuamos achando que as sociedades indígenas não tem nada a nos ensinar. Que o modo como eles reagiam com a natureza, que hoje muitos chamam de sustentabilidade, é algo datado, é algo do passado. Hoje, mesmo diante da constatação de que a natureza está em frangalhos e que se ela por acaso entrar em colapso todos nós morreremos também continuamos com o mesmo ideal. "Repetir sempre o mesmo ato e esperar um resultado diferente". Sabe o que é definido por essa frase? A loucura.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Michel Teló para intelectuais

Morri de rir com essa - capturada diretamente do Facebook.

Da série "pequenos e breves resumos"

Vamos analisar aqui hoje, a exemplo do que a minha professora de Teoria da História, Cristiane Manique, fez a escrita da História de vários pesquisadores e historiadores, começando pelos seus maiores pioneiros: Homero e Heródoto.
Voltemos á Grécia, um dos berços da sociedade ocidental.
Lá encontramos Homero narrado em sua Ilíada a história da Guerra de Tróia. Homero é um poeta e a Ilíada é como se fosse uma longa canção. Nela aparecem os deuses regendo os conflitos entre os homens. 
Andemos mais um pouquinho e encontraremos Heródoto de Halicarnasso e seu livro de histórias. Ali está o resultado de sua pesquisa sobre a invasão persa da Grécia. O que teria motivado a guerra aqui seria a cobiça do Império Persa e não os deuses.

O que podemos perceber é que Homero ainda está ligado á uma narrativa mítica, portanto, o sentido da história aqui é cíclico (as coisas acontecem no plano dos deuses onde o tempo é primordial) e ela se baseia na oralidade, no que ouviu falar. Heródoto tenta ser mais pontual: os deuses não são mais o motor das contendas humanas, aqui o sentido da história é mais linear que cíclico e ele utiliza como fontes um pouco da oralidade sim (através dos relatos), mas sempre cruzando informações (relatos dos persas x relatos dos gregos). O que Heródoto queria fazer mesmo era uma investigação. História vem do grego histor que quer dizer investigação. Por isso ele é muitas vezes conhecido como pai da História. Ainda assim ele se prende á narrar os feitos de grandes homens que de tão virtuosos chegam quase a serem excepcionais (se aproximando dos heróis dos mitos, será?).

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Dilema de narrar

Tudo hoje é narrativa. O autor que se põe a narrar no estilo, digamos, padrão, confronta séculos de histórias bem contadas. Por isso precisa estar atento para não desaguar nos clichês e lugares comuns da produção literária. A história narrada, arrisco, deve ter a cara do hoje, os conflitos de hoje, como um tapa, de luvas ou não, na face oculta da vida contemporânea.
Eduardo Sabino, escritor, em Sobre Histórias e Abismos.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Haitianos GO HOME!"


Queria entrar nesse assunto há muito tempo, mas por falta de tempo sempre deixei para outra oportunidade: a imigração haitiana no Amazonas. Bem, não é novidade para ninguém que vive em Manaus que os haitianos em peso estão vindo para o nosso Estado. Eles saíram de sua terra por conta da instabilidade política e da miséria. O terremoto que destruiu quase todo o país ainda não foi de todo superado. Desde então estão migrando para países como o México e Venezuela. No Brasil é para onde vem a maioria. Por quê? Leis de imigração não tão rígidas e a aura que o país goza na América Latina. Pode parecer estranho, mas somos uma potência nessa parte do continente.
Desde os primeiros momentos começaram a marcar presença seja pela língua ou pela sua cor (embora a presença negra seja antiga em Manaus ela sempre foi pequena). Todo mundo nega, mas a cor é o que mais causa estranhamento entre a cabocada da cidade. Sem contar que há toda uma série de estereótipos sobre o Haiti em nossas cabeças (vodu, zumbis, etc.). Mas o discurso daqueles que são contra essa imigração em massa se foca mais no trabalho: segundo eles, os haitianos estão tomando as oportunidades de emprego do povo local.

Até o começo desse ano ouvia esse discurso da boca de gente comum, ás vezes na fila do banco ou no ônibus, mas foi só com o artigo de uma colunista social do higth society que ele foi verbalizado na grande mídia. Mazé Mourão em seu blog publicou um artigo que tinha como título o refrão da famosa canção de Caetano Veloso contra o racismo: "O Haiti não é aqui!" Logo surgiu uma série de pessoas defendendo a posição da mulher e outras atacando-a.
O que gostei dessa polêmica toda foi que o assunto foi abordado com maior seriedade pela mídia, seja ela da região ou fora dela. Claro, alguns jornais reafirmaram velhos preconceitos, outros conseguiram ir para além dos "achismos" e mostrar os dados por trás de todo esse lenga-lenga.
Nada mais típico que um país que se diz livre de preconceitos justificá-los por outros meios. No caso em questão, o pretexto é o roubo das vagas de empregos. Semanas depois de todo esse rebuliço foi apurada no Sistema Nacional de Empregos do Município (SINE) a quantidade de vagas de trabalho disponíveis e eis a grande surpresa: mais de 600 vagas dando bobeira. Claro que se tratavam de empregos com baixa remuneração, mas ainda assim são empregos. Falta de oportunidade não é a melhor desculpa então.

Ora, os imigrantes aceitam empregos com baixa remuneração e até empregos sem carteira de trabalho assinada porque não tem um conhecimento profundo da nossa língua, porque não conseguiram tirar todos os papéis necessários para ter seus direitos aqui garantidos e principalmente porque precisam sobreviver numa terra estranha.
Algumas entidades tem os auxiliado, como ordens missionárias da Igreja Católica ou comunidades evangélicas, é verdade. Mas muitas dessas entidades já faziam serviços parecidos de amparo aos pobres aqui na cidade há tempos, ao contrário do que dizem os anti-imigrantes.
Até certo ponto, concordo com o governador Omar Aziz quando ele disse que a prioridade do governo tem de ser a população local, afinal ele foi eleito por ela para ser seu representante. Agora se ele cumpre o seu papel são outros quinhentos. Em tese, ele deveria fazê-lo e ajudar a melhorar a infra-estrutura da região. A sua plataforma política basicamente é a faraônica Ponte Rio Negro que até agora tem ajudado a diminuir a distância entre as duas margens do rio, mas que por outro lado beneficiou mais os mesmos espertos de sempre que estão já demarcando suas terras do outro lado do rio. Vem especulação imobiliária aí. E ela vem vindo acompanhada de conflitos fundiários. Resumindo, como melhorar nossa infra-estrutura se os homens que deveriam fazer isso estão com os olhos em outra coisa?
O pior não são nem essas velhas raposas, que não tem feito muito por nós nos últimos anos, mas nós que continuamos a elegê-los. Como podemos culpar, então, um pessoal que está chegando agora pela péssima situação em que nos encontramos? E o que é mais engraçado: muitos amazonenses vão para o Sudeste do país para conseguir melhores condições de vida e muitas vezes são discriminados quase da mesma forma. A habitual reclamação do modo como os sulistas tratam o pessoal do Norte diante do modo como vemos os haitianos é até irônica.
Enfim, o Brasil pode até não ter adotado o rígido sistema de imigração dos EUA, mas a sua paranóia e xenofobia sim. O Amazonas nesse sentido tem, infelizmente, o triste fardo de ilustrar isso.

Cante lá que eu canto aqui...

Assistindo novamente ao filme Narradores de Javé acabei achando um fato bem interessante. Em dado momento do filme se fala em "terreno de divisas cantadas". O que é isso? Na falta de documento ou de cerca, a demarcação das terras de Javé era feita com base no canto: "De tal lugar até a pedreira é terra de fulano de tal..." Como garantir a posse da terra? Ocupando e cultivando o local. Se alguém chegar depois e cantar as divisas de um terreno já cultivado, sua cantoria não tem valor algum.
Por que isso é interessante? Para nós pode parecer exótico, uma vez que vivemos sobre a presença dos documentos. O que não pode ser documentado para nós logo não existe. Esse nosso fetiche pelos documentos nos leva a desconsiderar a cultura de outros povos que não se baseiam neles. Os povos indígenas, por exemplo, a maioria deles são cultura ágrafas, ou seja, sem escrita. A fala é o que predomina. Em muitas nações africanas acontece a mesma coisa. O contador de histórias ou griot, como os africanos o chamam, são quase tidos como pajés, pois eles guardam na memória as antigas histórias de certa comunidade ou de certa família.
O mundo da oralidade, para nós que crescemos e vivemos numa sociedade onde a cultura escrita é poderosa, parece muito frágil: afinal, se a história de uma vila está toda concentrada na cabeça de um indivíduo isso tudo pode sumir se acaso um dia ele morrer sem repassar a história para alguém. É verdade. A palavra falada tem seus perigos, mas a palavra escrita também não está longe de ter limitações parecidas. Ora, documentos podem ser roubados, extraviados, destruídos pelo mofo ou pelo bolor.
Enfim, a escrita não é superior a oralidade, nem vice-versa. São formas diferentes de se expressar. E só.

Notícias da Barélândia


Na última terça feira, dia 10 de abril, havia um clima diferente nas ruas de Manaus. Não era aquele caos de sempre. Faltava algo para o ambiente ser o mesmo: os ônibus.
Os rodoviários entraram em greve sem aviso prévio na madrugada de terça. A medida surpresa foi estratégica: assim o Ministério Público não tinha como colocar para circular 30% da frota, como é de práxis em caso de paralisação nos transportes. Resultado: 95% dos ônibus ficaram estacionados na garagem e 500 pessoas ficaram sem saber como fazer para ir trabalhar sem o transporte de sempre.
Vamos ao motivo da greve: o prefeito em exercício diz que se trata apenas de uma briga sindical entre a direção da categoria porque não recebeu nenhuma reivindicação. Já os manifestantes dizem que a paralisação é um protesto contra o atraso no recolhimento de seu FGTS e no modo como são tratados pela empresa (com desconfiança e desprezo).
Enfim, ás 12h os ônibus voltaram a circular por conta das negociações com a prefeitura, mas com a frota reduzida. Já se fala em punir os grevistas pela atitude inconstitucional de não terem avisado anteriormente a sua intenção de fazer uma paralisação. A moral da história: será que ainda vendem tapetes voadores na Pérsia?

sábado, 7 de abril de 2012

O beato que deu o que falar

Já falamos aqui em outra oportunidade das interpretações sobre a Guerra de Canudos. Hoje pretendo retornar ao assunto, mas para me focar em um aspecto dele. O que quero é entender esse estranho fascínio de nossas Ciências Sociais pela Guerra de Canudos.
Antônio Conselheiro era apenas mais um dos muitos beatos do sertão nordestino falando na volta de Jesus Cristo e no fim do mundo. O que fez dele o símbolo do messianismo brasileiro foi a dimensão que seu Arraial tomou. O Arraial de Canudos já atraia preocupações por parte da Igreja Católica na Bahia e de alguns coronéis vizinhos a região. O drama de seus moradores ganhou vulto nacional somente com a primeira investida contra o Arraial em 1893.
O que se lia nos jornais era que aquele era um movimento monarquista tentando derrubar a república por meio da revolta armada. Antônio Conselheiro seria apenas uma marionete dos ressentidos monarquistas que lhe financiavam com munição adequada. Só isso poderia explicar o fracasso de todo um batalhão da polícia em vencer os pobres sertanejos.
O que é importante perceber aqui é que Canudos é traduzida para a opinião pública nacional como um fato político. O discurso oficial e da imprensa era este: uma revolta monarquista. Quem leva este acontecimento para o campo dos estudos científicos é justamente um jornalista, Euclides da Cunha. Euclides tenta decodificar Canudos utilizando o conhecimento mais avançado da época: o evolucionismo. Assim ele encontra no determinismo geográfico a razão daquele misterioso e trágico movimento.
Canudos, portanto, já é um marco da nossas Ciências Sociais, antes mesmo delas existirem (o que oficialmente só acontece com a criação das universidades na década de 1930). Ela será revisitada pelos primeiros sociólogos e historiadores porque revisitá-la é revisitar os primórdios das Ciências Sociais no Brasil.
Essa revisão, contudo, leva a mais questões: Canudos não foi um movimento único, determinismo geográfico não explica fatos sociais, Antônio Conselheiro não era louco, etc. Assim, nos anos 70 a Guerra do Contestado, a história da Pedra do Reino, o caso de Jacobina no sul do país, dentre outros, já são conhecidos de um público maior que dos estados onde tais movimentos aconteceram. Agora não se fala em Canudos como um acontecimento isolado, mas como parte de um fenômeno maior - o messianismo sertanejo.
Nesse sentido, Maria Isaura Pereira Queiroz foi o maior nome na sistematização do messianismo brasileiro, classificando os movimentos por seu caráter singular também.Canudos agora não é mais um fato político, nem religioso, mas social. O messianismo é produto do estado de coisas deplorável do sertanejo. Abandonado e dominado pelos chefões locais (como os coronéis) ele se ampara nas promessas dos beatos. Canudos pode ser a demonstração de revolta do sertanejo para com essa situação.
Por mais incrível que pareça, a análise do ponto de vista religioso é mais recente e remonta á Duglas Monteiro. Jaqueline Herrman também nos fala da religiosidade sertaneja e chega a curiosa hipótese de que Antonio Conselheiro era, no fundo, mais ultramontano que muito bispo da época.
Falamos, falamos e falamos e ainda não chegamos no ponto principal: porque essa curiosidade por Canudos? Ora, o fato de ser um tema inicial do pensamento social brasileiro é uma parte da resposta. A outra, creio eu, deve ser buscada no estranhamento que Canudos carregava consigo. Afinal, o Brasil pensante de então se concentrava nas grandes cidades onde se olhava mais para Paris do que para Praça Onze. Do nada, irrompe-se uma revolta de pobres no sertão que consegue vencer da polícia estadual e do Exército. Ninguém compreende porque. O discurso oficial dá suas insuficientes respostas.
Essa necessidade de compreender passou das raias da opinião pública para a academia. Euclides forneceu uma resposta válida para sua época. Os intelectuais que vieram depois tiveram que achar a sua própria resposta, uma vez que o determinismo geográfico havia sido refutado. Portanto, Canudos atraía pelo paradigma euclidiano, que esperava-se superar, e pelo próprio exotismo.
Falar de Canudos é falar do Brasil real, na expressão de Euclides. A própria atmosfera de exotismo que carrega este movimento demonstra o quão os intelectuais estavam desligados de sua terra, compreendendo muito melhor a Europa medieval que o sertão nacional. Hoje Antônio Conselheiro já é uma personagem familiar, seja pela História, Sociologia ou pela Literatura. E também já não é o único: ao seu lado figuram Pedro Quaderna de Ariano Suassuna ou mesmo o Beato Salú, para os mais televisivos. A figura do beato já se consolidou como um personagem popular na nossa cultura e isso se deve ao trabalho de nossos escritores e cientistas sociais. Canudos foi apenas o ponto de partida.

O Grande Invencionista!


Na minha coleção de livros favoritos está O Coronel e o Lobisomem. Depois de duas adaptações para o cinema e várias minisséries, esse ainda é um livro desconhecido, ao meu ver, para muitos. Mesmo os que o conhecem pelo cinema ou pela TV não entraram em contato com o melhor do livro: a sua linguagem.
José Cândido de Carvalho, o autor, é genial ao inventar um monte de palavras plausíveis e criativas e ao incorporar o modo de falar do pessoal da roça. No final das contas, é quase um depoimento, não fosse o protagonista ficcional.
O coronel Ponciano de Azeredo Furtado pode ser de faz de conta, mas se torna quase de carne e osso na medida em que lemos. E que personagem fascinante! Cheio de si, mas sem ser arrogante demais. Entendido em boemia, roça e assombrações, dentre outros "capetismos". Aliás, o lado sobrenatural mereceria um artigo á parte. Não sabemos se o universo de O Coronel e o Lobisomem é fantástico mesmo ou não, uma vez que estamos nos amparando nas palavras do coronel Ponciano que, como bem sabemos, gosta de exagerar aqui e ali.
O livro já figurou dentre a lista de obras de realismo fantástico tupiniquim e dos tradicionais círculos do regionalismo brazuca pós-1945 (ao lado de Grande Sertão Veredas, por exemplo). Não sei se a obra pode ser enquadrada como fantástica, por conta desse ponto de interrogação que o livro carrega, mas em se tratando de ser regionalista isso não se pode negar. E é o regionalismo do interior do Rio de Janeiro, uma região do Estado que foi negligenciada pela literatura carioca que se concentrava mais no espaço urbano.
O tempo da história é difícil de precisar, mas provavelmente se encontra nos primeiros anos do século XX. Ponciano atravessa momentos difíceis, mas não estava só: o coronelismo durante a República Velha estava decaindo, quem pode se segurar no jogo de interesses estaduais se salvou... por algum tempo. A cidade já o cativava: os cabarés, os bailes, as ruas, tudo. Era o esplendor urbano da Belle Epóque. Lá Ponciano tentava fazer novos investimentos ou garantir suas velhas posses com ajuda de seus amigos Fontainha e Pernambuco Nogueira. No campo, em contraposição ao coronel surge o homem engravatado, o burocrata que toma as terras, gente como o odioso Jordão Tibiriçá.
O coronel pode ser um pouco prepotente, mas o cobrador de impostos consegue ser mais autoritário ainda e, pior, indiferente. Enquanto Ponciano pauta suas relações com base nos seus valores morais, Jordão (e Pernambuco) são oportunistas clássicos, possuindo poucos ou quase nenhum escrúpulos. Aqui a pergunta pode surgir: o livro é uma apologia ao coronel? Talvez sim. Creio que na verdade seja uma apologia maior ao campo. Cândido Carvalho nasceu em Campos, sua família tinha um engenho lá, mas passou a maior parte da sua vida na cidade, em serviços burocráticos. Sua visão sobre o passado pode ter romanceado a vida na roça, isso é comum.
Aliás, um dos motivos que me fizeram adorar o livro é justamente esse saudosismo. Criado por uma família que vinha da roça (não do interior do Rio, mas do Espírito Santo), a história de Ponciano tinha todos os elementos que ouvi nas histórias de quando era criança: o campo, os lobisomens, o coronel, etc. Além disso, Ponciano me lembra muito dois grandes contadores de histórias que fizeram a alegria da minha infância com seus causos. Por mais que eu tente fazer uma análise fria desse livro não consigo escapar desse fundo sentimental. Mas já me conformei com isso: não devemos nunca subestimar o lado afetivo de nossas escolhas.
E é interessante que através desse livro enxergamos como essa a vida na roça pode ser muito mais rica do que pensamos: ali está uma religiosidade peculiar, uma série de trabalhos diversos, personagens interessantes, gírias próprias e até entidades especiais. Dentre elas, o lobisomem. O antagonista de Ponciano, que na verdade não é apenas um, mas vários. Ponciano é como se fosse um herói local, livrando a cidade de onças, ururaus e lobisomens. Mas no final é um simples cobrador de impostos que o faz beijar a lona.
Acabo de cometer um pecado capital: contar o final da história. Mas não se preocupem: o final é muito mais que isso. Garanto que se o lerem se surpreenderão mais ainda. A morte de Ponciano é como sua vida: surpreendente, ambígua e folclórica. Meu último conselho: leiam e descubram o que esse grande invencionista das palavras tem a dizer sobre mulheres, sabiás, lobisomens e cachaça.

O Paradoxo do Grande Inquisidor


Jesus Cristo escolheu voltar á Terra no tempo da Inquisição. Andando pelas ruas de Sevilha, logo é reconhecido pelo povo. Eis que surge o grande inquisidor, um senhor de noventa anos, que por alguma razão sabe que aquele homem barbudo, diferente de todos os outros beatos que prendeu e queimou, realmente é o Salvador. Mesmo assim manda que ele seja preso.
Á noite, na prisão, Jesus é visitado pelo velho sacerdote que explica o seu ato: Ele tinha que ser preso, pois do contrário destruiria toda a Igreja e a Humanidade entraria no caos. Ora, a mensagem maior de Jesus é de que somos livres, mas os homens não estão preparados para serem livres. Por isso a Inquisição existe e por isso tantas pessoas seguem cegamente o que a Igreja diz. Se Cristo lembrasse aos seus fiéis de então isso, eles entrariam em crise, pois são felizes assim, não tendo que conviver com o dilema de escolher o melhor caminho porque os sacerdotes farão isso por eles.
Essa história não é minha. Ela pode ser encontrada no livro Irmãos Karamazov do escritor russo Fiodor Dotoiévsky. Faz parte de um poema que um dos irmãos criou. O sentido do poema é demonstrar que as religiões são mentirosas, que elas são placebos para amenizar a dor de ter de fazer as suas próprias escolhas. Esse era o sentido que o autor do poema, o cético e intelectual Ivan, queria passar (essa é apenas a visão do personagem e não do autor; Dotoiévsky era cristão ortodoxo devotíssimo).
Essa história me lembra uma frase famosa do pensador francês Paul Claudel que é mais ou menos assim: "A maior lição do Cristianismo não é de que Deus nos protegerá, mas que Deus confia em nós". Por confiar em nós nos concedeu o livre-arbítrio. Para que não fossemos condenados por nossos pecados fez com que seu Filho morresse na cruz. Resumindo, o amor de Deus por nós é tão grande que nos presenteou com a liberdade.
No entanto, como uma religião de amor e paz pode ser capaz de conceber a Santa Inquisição? Um dos argumentos do velho inquisidor é de que tudo o que Jesus falou era muito bonito na teoria, mas na hora de ir para a prática as coisas deveriam mudar. O homem não estaria preparado para ser livre. A Igreja deveria tutelá-lo até ele estar pronto. E nesse caminho ela desandou também, uma vez que ela também é feita por homens, como todos os outros falíveis.
Chamo isso, essa desvirtuação, de Paradoxo do Grande Inquisidor. Por mais pacífica que for a religião ela pode estar passível de desvirtuar o seu caráter, já que ela é passível de errar (afinal, são homens que a administram). O que impede isso? A renovação da sua mensagem original. É preciso fazer o que o Grande Inquisidor não fez: reencontrarmos com Jesus. Ouvirmos suas palavras de novo, como se fosse a primeira vez.
Qual o maior símbolo da renovação da mensagem cristã que a própria Páscoa? A ressurreição de Cristo, simbolizando o desafio á própria morte. O esquecimento também pode ser uma forma de morrer. O esquecimento é o túmulo dos ideais. Deixo como proposta para vocês a renovação não só da vida, que a mensagem de Cristo traz, mas a renovação da própria mensagem.
Antes de ir devo contar o final da história do inquisidor: o velho e sisudo sacerdote conta todas as razões que o levaram a prender Cristo, mas no fim decide libertá-lo. Sua prisão será o bastante para convencer o povo de que era mais um falso messias. O liberta para que vague pelas ruas como um mendigo. Se voltar a atiçar seus fiéis, será preso novamente. Jesus sai da cela, mas antes de ir embora dá um beijo na testa do inquisidor e diz o seguinte senão me engano: "compreendo tudo o que você disse, mas ainda assim meu amor é mais forte."

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Tudo é uma questão de ponto de vista...

Tirinha do cartunista argentino Alberto Montt:

domingo, 1 de abril de 2012

Divagações existencialistas

Por Tiago Bueno dos Santos.


"Acho que essa é a pior dor que um ser humano pode passar: não saber mais quem ele é!
Descobrir que está sendo sempre o que os outros querem dele?
Sem liberdade, enganado e sem vida!
(...) E o resultado é o domínio desses enganadores, exploradores, que impedem as pessoas de verem a beleza da vida! Precisamos de coragem para denunciar esses ídolos modernos que enganam a humanidade!
Tornam o ser humano em escravo! Em vez de ajudar só atrapalham, criam seus impérios em cima da dor do outro!"

Quarenta anos de polêmica


Por ocasião dos 48 anos do Golpe de 1964 alguns militares fizeram uma manifestação no Rio de Janeiro em comemoração pela data. A manifestação foi furada por militantes de esquerda e estudantes que chamaram-os de torturadores, golpistas e ditadores. Resultado: pancadaria.
Esse infeliz incidente demonstra que pode ter passado mais de quarenta anos, mas o Golpe ainda continua fresco para muita gente. Na realidade, não existe um 1964, mas vários. Existe o 64 dos militares, o das esquerdas, dos políticos, do povo, enfim. Foi um momento dos mais conturbados de nossa História, portanto não podemos esperar que ele seja tão simples e fácil de ser definido. Na realidade, as Ciências Sociais no Brasil desde então vem tentando decifrá-lo, usando para isso métodos de fora ou mesmo se concentrando em períodos anteriores. Tudo para entender como o Brasil chegou a tal data-chave.
O que veio a seguir foram vinte anos decisivos para o Brasil atual. A minha geração não chegou a vivenciá-los, mas ainda assim teve um pequeno contato com ele, através de nossos pais e avós. Acredito que para nós também existam muitos sessenta e quatro. Nós temos agora a oportunidade de passar esses anos á limpo. A Comissão da Verdade é um passo importante nesse sentido, claro, se ela não for utilizada também como instrumento de manipulação política.
O que acontecerá? Descobriremos qual foi o verdadeiro 64? Duvido muito. Em História, nós bem sabemos disso, não existe a verdade total. As limitações para alcançá-la são muitas. O que podemos fazer é chegar em parte dela. Devemos nos lembrar também que a realidade não é maniqueísta, mas complexa. O grosso da História é feito não por demônios ou anjos, mas por pessoas comuns. A Nova História nos ensina isso: atenção para o homem comum! Ela nos pede que entendamos quem é esse homem e como ele pauta suas escolhas.
Talvez seja muita insensibilidade minha, um cara que não sentiu na pele aqueles anos, pedir para as pessoas, incluindo as que experimentaram esse momento, que cedam um pouco do espaço da sua carga emocional para a compreensão. Por isso dirijo meu pedido á todos que pertencem a minha geração, uma geração que já nasceu sob o égide da democracia, que não conheceu o radicalismo das batalhas ideológicas, que vive e respira tecnologia. Por favor, amigos, sensatez e compreensão. Não formemos nossa imagem de 64 sem pensar duas vezes no que ele representou para as pessoas que o viveram, para todas elas.