A
ESCOLHA PELO AUTÊNTICO
Vinicius
Alves do Amaral
Aos
poucos o ambiente se revela: uma sala. Sentado na poltrona está um rapaz. Sobre
a mesa, uma caixa. Ainda que esteja fitando a moeda em suas mãos, o alvo de
suas atenções não é ela. Para ficar mais claro, ele inicia um diálogo com a
caixa. Trata-se de uma aposta. O que está em jogo é a liberdade do que quer que
esteja dentro dessa caixa.
Esse
é o mote de Perpétuo (2012), curta de
Bruno Barrenha. A princípio o próprio título dá uma pista do conteúdo misterioso
da caixa: são chamados de perpétuos os seres que povoam o universo de Sandman,
seres que representam elementos da natureza humana como o Sonho, a Morte, o
Desejo ou o Desespero. No começo da saga criada por Neil Gaiman, Morpheus ou o
Sonho teria sido aprisionado por um mortal engenhoso. Dentro da caixa estaria o
Sonho?
Cara
ou coroa? A moeda é jogada. O rapaz perde. Agora resta cumprir com a palavra. O
perpétuo sai de sua prisão compacta e se revela uma Super-8. Eis aí nosso perpétuo: a Sétima Arte. Como ato
final do carcereiro, este aponta a câmera contra a cabeça, cerra os olhos e a
liga. A seguir, cenas dos primórdios do cinema invadem a tela.
Peço
desculpas por contar o final do curta – pecado capital para os cinéfilos – mas
creio que não posso iniciar minha análise se antes compartilhar com vocês o
roteiro engenhoso dessa produção. Em primeiro lugar, o que dizer do perpétuo
aprisionado? A Super-8 é um tipo de câmera geralmente associada ao cinema
independente, por conta de sua utilização em experimentalismos visuais. Podemos
presumir que o personagem interpretado por Camilo Bicudo seja um jovem
realizador que se pergunta se deve dominar ou ser dominado por sua arte. Ele
deixa para o acaso a tarefa de solucionar o dilema. A moeda aponta a segunda
opção e ele, fiel á sua palavra, deixa-se possuir pela câmera. Os fragmentos
cinematográficos que invadem a cabeça do rapaz são bem pontuais: anteriores ao
cinema falado em sua maioria. Essas imagens soam tanto como uma tradição
esquecida como portadoras de um sentimento quase atemporal: o encanto pelo
cinema. Nada mais revelador.
O
olhar treinado e o coração apaixonado
Bruno
Barrenha tem ambos. É entusiasmante ver alguém tão jovem e ainda assim tão
consciente de suas escolhas. Antes de tudo, Bruno é um cinéfilo. Pertence,
portanto, ao mesmo seleto clube de Scorcese e Reichenbach.
Cauteloso,
inicia seus passos sempre se amparando nos grandes (Scorcese, Leone, Peckinpah).
A admiração é visível aqui e acolá. Claro, sempre há o risco de perder um pouco
da originalidade ao se reverenciar alguém, mas este é um perigo que todo
realizador corre – podemos até considerar como um risco da profissão, por que
não?
Seus
primeiros vídeos são experimentações. Alguns mais ingênuos – como O Bom, o Mau
e o Sujo, onde a referência é escancarada – , mas com o tempo vão se tornando
mais complexos – como O Poeta da
Violência. Nestes, mais recentes,
encontramos um realizador preocupado com cada quadro, com cada ângulo. O
amadurecimento é mais que perceptível.
E
desde já seu tema esboça-se: o vazio. O poeta dilacerado e o misterioso homem
sedento por um abraço (protagonista de Abraços
na Escuridão) parecem se movimenta no mesmo meio: uma existência sem
significados.
Entre
tapas e beijos
No
meio dos experimentos, uma carta de amor. Sim, podemos enxergar Perpétuo como uma declaração de amor á
Sétima Arte. A influência dos quadrinhos é grande, mas não consegue superar o
poder da telona. Apaixonado, Barrenha parece muito menos com o misterioso
protagonista (ou seria coadjuvante?) de seu curta. Acredito que ele não
titubearia em escolher o cinema como modo de vida.
No
entanto, o encanto do cinema parece muito bonito para nós espectadores, mas
pode ser fatal. Talvez seja comparável ao transe das mariposas diante das
lâmpadas. Algumas podem morrer se aproximando demais da sua luz. Morrer pelo
cinema parece-me uma atitude um tanto radical demais, mas desgastar-se por essa
arte é fato conhecido.
Afinal,
fazer cinema no Brasil não é fácil. Ainda mais se você vive no interior de São
Paulo. Existe toda uma carga de trabalho a ser seguida. E para se chegar ao
resultado esperado na maioria das vezes gasta-se muito tempo. Vicissitudes como
essas, próprias deste campo – e acentuadas pelo cinema comercial, principalmente
no que tange á produção e distribuição - podem explicar a feição séria do rapaz
ao encarar a decisão apresentada pela moeda. Ai está um ato poético, mas também
lúgubre.
Morar
em Rio Claro, contudo, tem suas vantagens. Uma delas é a ajuda do grupo
Kino-Olho, de renome internacional, que auxilia jovens diretores amadores a
entender melhor a dinâmica do processo criativo e as técnicas de produção. Abraços na Escuridão é o fruto dessa
parceria entre Barrenha e o grupo. O amadorismo continua presente nesta obra,
mas o domínio das técnicas narrativas parece mais firme também. Em se tratando
de parcerias há que se considerar também os amigos Camilo Bicudo e Thierry
Vasquez, seja em colaborações na frente ou atrás das telas.
Crise?
Mas que crise?
Ora,
nunca fomos tão criativos! Falo aqui de iniciativas como as de Bruno Barrenha
que chegam até nós graças ás novas mídias que, dizem, ameaçam o cinema. O
cinema nunca esteve ameaçado, Hollywood sim. A indústria cinematográfica tenta
cooptar e imitar traços desses realizadores na tentativa de sobreviver. O que
falta á ela, contudo, é difícil de se comprar: paixão.
O
artista completo conjuga paixão e técnica. Só assim sua expressão parece
autêntica. Por isso o cinema independente geralmente é visto como representante
legítimo da Sétima Arte atualmente. Barrenha, que assume sua filiação a este
campo por meio da Super-8, e toda uma geração de artistas que estão surgindo
agora, em boa parte por conta dessa cultura do compartilhamento, fizeram essa
escolha pelo autêntico. E se depender deles continuaremos como mariposas diante
da “telona”: hipnotizados.
Manaus,
19 de Março de 2013.
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O crédito de todas as fotos presentes nesse artigo pertencem ao site
Lumi7.