quinta-feira, 6 de março de 2014

Igarapé do fim do mundo


"Vamos para Presidente Figueiredo nesse domingo?" Vamos. A ideia era ir até Balbina. Saímos umas nove horas da matina. A reta esburacada que seguíamos prometia mais vinte quilômetros de nada. Já havia passado de meio dia e, portanto, nossos estômagos ladravam constantemente. Certo de que chegaríamos em Balbina logo, desprezamos alguns bons restaurantes de beira de estrada.
“Berro d’água”, dizia a placa, “pousada e [o mais importante] restaurante”. Cinco reais por pessoa. Não pensamos duas vezes. Dobramos à direita naquele portão entre dois coqueiros.

-Meu amigo, o restaurante ainda tá funcionando?
O senhor que protegia a entrada feito um gárgula disse: só descer...
Descemos. O caminho começa a ficar estreito. Continuamos descendo. A mata vai ficando fechada. Ainda descendo. Aparecem mil buracos. Descemos mais um pouco. As curvas aumentam. 
Cantávamos aquela música do Tim Maia sobre guaraná, suco de caju, sobremesa.
Mas já havíamos andado um bom pedaço de chão. As casas da pousada eram mera lembrança agora. A atual realidade era o mato. De todos os lados.
A cada solavanco Ricardo soltava um sonoro palavrão recheado de angústia. Bem, eu fingia estar calmo roendo minhas unhas. Décio, crente de que algum animal nos seguia, vigiava a mata ao nosso redor. Será uma onça?
-Cara, a gente tá no carro! Relaxa! Onça não pega carro!
-É, pega ônibus.

O humor do Ricardo como sempre reconfortante.
E depois de quase uma hora de muita tensão e fome avistamos o restaurante! Lacrimejei de emoção. Descendo mais um pouco, um igarapé maravilhoso. Aquelas águas negras convidativas. E em suas margens, aquelas cabocas mais convidativas ainda. Ricardo foi lá fazer rastreamento.

Esperamos pacientemente o tambaqui sem espinha, rindo do sufoco de outrora. As moscas e abelhas visitavam nossa mesa. Uma canção qualquer sobre dor de cotovelo dominava o ambiente esfumaçado. Quando chegou o peixe, não durou muito. Sumiu em coisa de dois minutos. Sorte que ainda tinha um suprimento fortificado de macaxeira na mesa.
Décio chamou a atenção para o fato das pessoas ali parecerem bem diferentes. Costeletas grandes, aqueles óculos escuros cafonas. Lá fora não tinha um carro novo: só fusquinhas e chevettes. Encontramos um igarapé de hipsters, brinquei. Ou então viajamos no tempo, completou Ricardo. 

Mas uma sombra foi encobrindo tudo. Uma tempestade estava vindo. E já estava mesmo na hora de voltarmos. Entramos no carro e subimos o caminho do medo. Quando saímos da mata o céu estava totalmente diferente. Nada de nuvens, nem vento. Na entrada, outro velho. Notei que estava vestindo uma camisa da Beija Flor de Nilópolis do carnaval de 2014 homenageando o Boni. Não seria nada de mais, não fosse o fato de que estávamos em junho de 2013.
-Bacana, esse cara é o Boni?
-Sim, aquele cara da Globo que morreu...
-Morreu?
-Sim, já faz uns sete anos.
Bem, não andamos antenado com o mundo dos famosos. Mas como um cara em Presidente Figueiredo conseguiu uma camisa do carnaval de 2014?
-Um amigo meu me mandou lá do Rio já tem um tempo...
-Um tempo? Meu amigo, você me desculpe mas até tá parecendo que fomos mandados pro futuro... Só por desencargo de consciência, quem é o presidente do Brasil agora?
-Ué, o Bolsonaro!
Puta que par...

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