sábado, 29 de setembro de 2012

Blogosfera Tour


Zanzando pela internet, pulando de blog em blog, cheguei há algumas conclusões. A primeira: existem mais blogs hoje que grãos de areia na praia. A segunda: a maioria gira em torno de informações não pessoais, mas gerais. 
A imagem que temos do blogueiro é aquela do sujeito que relata cada minuto da sua vida na internet. No entanto, nos blogs que dei uma passada (no mínimo uns 127, não parei pra contar) eles estão mais para jornalistas. Claro, os blogs de maior sucesso são aqueles que compartilham notícias e informações específicas (culinária, por exemplo). Há também os de entretenimento (e aqui cabe humor, cinema, seriados, etc.) 
Blogs autorais, ao contrário do que se possa imaginar, não estão extintos. Pelo contrário, proliferaram. Não sei se porque mais deles foram criados ou porque entrei em contato com mais gente que conhecia mais blogs assim. Chegar nos blogs autorais é difícil, a não ser que o dono tenha uma relativa fama. Mas essas páginas costumam ter um público pequeno, porém fiel.
Evidente que isso aqui não é um censo. É só uma impressão que tive. O que nos leva á última conclusão: a inclusão digital tem reforçado um fenômeno: o desenvolvimento de conteúdos "anônimos" e "reduzidos". Muitos blogs se tornam intermediários, verdadeiros entrepostos, apenas repassando uma notícia ou um viral. Tenta se reafirmar a originalidade (ou então a posse do conteúdo) por meio de marca d'águas, mas sua eficiência é cada vez mais obsoleta hoje com os recursos de modificação de imagens. A informação é repassada tantas vezes que não se sabe mais de onde veio. Para que se atraia a atenção do leitor, o ideal é diminuir o tamanho do conteúdo. O limite de 140 caracteres tem ultrapassado o raio de ação do twitter.
O que podemos esperar disso? Pessoas com maior capacidade de assimilação e de síntese? Ou uma geração acomodada com informações esparsas e rápidas? Não ouso arriscar qual das duas opções será a correta.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças IV


A mata não tem preferidos. Morre quem vacila. Na cidade não é muito diferente. Embora sempre exista algum jeitinho de escapar, mesmo que mais tarde ou mais seja alguém lhe de um bote.
Toninho estava fora da cidade. O temor pelo seu nome não existia ali naquele matagal. Era só ele e o rapaz. O moleque atrevido que decidiu matá-lo logo no seu sítio. Mas ele teve muita sorte, viu! Pensava. Se estivesse trazendo o resto da turma pra passar um sabadão aí, ele tava fodido. Estaria em desvantagem.
Mas nesse ramo, vocês bem sabem, os amigos nunca estão no lugar certo na hora certa.
Ouviu algo vindo dali. Caminhou. Som de água. Não muito longe do sítio tinha um igarapé. É dos mais afastados. Era nele que rolavam os balneários do esquadrão. Antes, quando era policial, todo sábado. Hoje, uma vez por mês e olhe lá.
As águas do igarapé continuam a rolar. O sol reluzindo nelas, como se esse confronto mortal não estivesse acontecendo por aqui. Mas sempre é assim. A natureza é indiferente com essas lutas. Testemunha e ás vezes some com os vestígios das batalhas. Mas interferir, nunca.
Se bem que aquela cobra coral... Quase fez Toninho rodar.
André Mineiro nem imagina a sua sorte. Pelo contrário, só lhe vem a cabeça o quanto está azarado hoje: não acertou nenhum tiro no cara, está com uma bala na perna sangrando e drenando suas forças em mata aberta. Se esse é um jogo, sua perda já é certa. Mas aquela hora... aquela hora em que ouviu Berto. Parecia que ele estava ali.
Uma pergunta cretina ocupa seus pensamentos: por que Berto lhe mandaria exatamente para cá, para morrer? Está se vingando de quem? De seu matador ou do irmão que sempre lhe renegou? Mineiro não puxou o sangue cearense, nem paraense que corre em suas veias: nunca foi dos meninos mais faladores, sapecas ou safos. Quieto toda vida, quase desconfortável com as palavras e o contato humano. Cresceu assim, querendo viver afastado de todos. O irmão mais velho perturbava-o: "larga disso, maninho, se joga na vida!" E ele nada. 
Berto tinha noivado uma vez e pedira para que fosse o padrinho, mas André fez careta e perguntou se outro podia assumir a função. Não é segredo que isso nunca foi bem digerido pelo irmão falecido. Não que odiasse o mano, mas demonstrações de carinho não eram seu forte. No funeral, arrependia-se disso.
E agora se arrepende da sua vingança mal elaborada. Não levara nem uma semana para traçar o plano. As lições que o pai deu quando era mais novo precisariam ser reforçadas. Perdeu várias oportunidades de ouro. Acabou com o carro do tio. E o pior, em vão! É um pré-defunto á espera do último prego do seu caixão que virá em forma de bala fumegante.
Um brilho ao longe. Estranho. Ah, é um igarapé! Se segui-lo, posso chegar á algum balneário, encontrar gente que possa me ajudar, se iludia. Quando o reflexo da água já tomava completamente o seu rosto, veio a pontada. Era o último prego. Tombou na água. A correnteza arrastava o corpo, mas o tronco caído, só de teimosia, o segurou. O boné continuou o itinerário. De um bolo de galhos e folhas secas quase tocando a água do rio saiu o autor do disparo. Ao se dar conta de sua obra, sorriu. Não se continha em vê-lo ali: tinha que deixá-lo ser carregado pelo rio. Mas antes, precisa saber: quem é esse merdinha?
Estava de bruços, o rosto ainda escondido. Toninho desvirou. Não devia ter feito isso. Mas não deu tempo de pensar em arrependimento: três tiros - dois no pescoço, um na cabeça, perto da maçã do rosto. E agora quem o rio carregava era Antônio Gama Bayma, cão de caça do tráfico e terror do Zumbi.
Não foi morto por Brocales, o carrasco da facção rival, ou por algum matadorzinho tentando fazer fama, mas por um rapaz que tinha a própria morte como certa. 
A promessa feita ao fantasma tinha sido cumprida. As balas encontraram seu destinatário. A vingança foi terminada, mas o sangue continua jorrando da perna e agora do ombro. Se arrastar para a caminhonete do bandidão está fora de cogitação. Segue o plano anterior: seguir o curso do rio. Deixa-se levar pela correnteza. Sente os pés arrastando no fundo do igarapé, revirando as folhas secas e os seixos. Tenta deixar a cabeça por cima da água: á frente, mais mato e rio.
Tem algo ali: o corpo de Toninho, atravessando as plantas aquáticas. Aparentemente sem vida. Mas André continua sua trilha. Água e mais água no caminho. O tempo fecha, não é culpa das nuvens, mas sim da copa das árvores que agora escondem o céu. O fundo do rio some. A força da água se esvai. André não entende.  Nada um pouco. A margem está longe. É uma cacimba: está explicada a surpresa. O rio deu num olho d'água. Como toda cacimba, funda. Próximo das rochas da margem esquerda, Mineiro sente um beliscão na perna. Mas enquanto andava era o que mais sentia na perna moribunda. Novo beliscão. Esse não é impressão. Alguém pegou sua perna. Toninho? Só se ele tiver dentes nas mãos.
Mineiro nunca pensou que no sítio Capa Preta estaria sozinho, sem nenhum parceiro de crime por perto. Pois ali estava um deles estraçalhando o rapaz: o jacaré que que foi apelidado pelo bandido carinhosamente de "Lixão".  Essa era outra razão para os balneários terem sumido do igarapé. Assim que passou a usar a jaquetona preta, sua marca, e os óculos escuros, enquanto a consciência e a ética ficaram escondidas no armário, soterradas de naftlalina, Toninho pensou que precisaria de um lugar para desovar seus "presuntos". O Zumbi não era mais seguro. Pensou no sítio lhe presentado pelo deputado Anderson Brito. A cacimba era funda. No segundo mês se surpreendeu com o novo morador. Depois, lhe deu um emprego: sumir com evidências.
Mineiro era uma evidência agora. Assim como Toninho, depois dessa "refeição".

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças III


O silêncio. Nem canto de pássaro nem zumbido de mosca. Então, veio aquele som. Lembrava um mugido de boi. Mas não. Era o rugido de raiva do motor de um Opala 77 prestes a destruir o portão de madeira do Sítio Castanheiras. O carro atravessou não só aquelas ripas de madeira como também a varanda da casa.  Só parou quando destruiu a porta, deixando seu para-choque a meio metro do sofá onde Toninho estaria dormindo.
Mineiro, se recuperando do impacto, vê o que sobrou da porta caído no capô.
-PUTA MERDA! O tio vai me comer vivo!
Um estampido. Lá se foi o retrovisor. Do corredor alguém saíra atirando. Dois, três, quatro tiros. André dá a marcha ré. Sem se preocupar para onde ia, esbarra na caminhonete de Toninho. Sai do carro e se joga para baixo da picape do seu inimigo. Destrava o 38 do pai, procura pela faca. Está na bainha em sua cintura. Não vê mais Toninho, não ouve mais tiros. Novamente o silêncio. 
Procura agora pelo outro pente com as balas. São poucas, não vai desperdiçar. Atirar, só quando ter certeza. Da janela da casa vê uma coisa. Vai arriscar: é a cabeça de Toninho. Atira, mas acerta somente o parapeito da janela. Capa Preta não perdoa e solta dois balaços na direção dos carros. Não sabe onde está o cara, não sabem nem se é um só.
Mineiro não está mais debaixo do carrão batido. Ele se embrenhou no mato e vai dar a volta na casa, tentar entrar pelos fundos. O matador se irrita com a falta de tiros. Talvez já estejam na casa.
Quase rastejando, André chega no quintal. Ouve algo. Se refugia debaixo do tanque de lavar roupas. Encontra duas camisas manchadas num balde e algumas camisinhas. Cheiro nojento. Novamente ouve algo. Um baque quase surdo. Ele está na cozinha. A qualquer momento pode abrir aquela porta e meter um tiro na cabeça de Mineiro.
Olha á sua volta: o que fazer? pra onde correr? Um garrafão perto do balde atrai o olhar desesperado do garoto. Abre ele. Cheiro de gasolina. Gasolina...
Toninho se apóia na pia da cozinha tentando olhar discretamente pelo vasculhante. O suor cai nos olhos. Barulho vindo do banheiro. Algo quebrou. Quando vai ver a cortina do box está pegando fogo. Liga o chuveiro. A janela está quebrada. Ruídos na cozinha: no chão uma camisa e mil pedaços de vidro ardendo no fogo. O filho da puta está fazendo coquetel molotov, pensava. Outra janela, quebrada, essa na sala. Toninho distribui tiros e amaldiçoa o dia em que esqueceu aquele garrafão de gasolina lá fora.
Mineiro, pra completar, joga o resto da gasolina no balde e com ele o seu isqueiro. Deixa debaixo do tanque e volta para o mato. Agora é só esperar o cara sair. A não ser que ele consiga apagar tudo.
Mas o homem estava muito afobado. Apagou o fogo na sala com o tapete, mas descuidou da cozinha. O fogo tinha alcançado o butijão de gás. Estrondo poderoso sai de lá dentro. Imensas labaredas chegam na sala. Toninho sai pelo buraco deixado pela batida, assustado. Há uma chama insistente no seu short.
Mineiro ainda o espera sair de casa, mas pela porta dos fundos. Só então, ele se toca que seria muito mais fácil ele sair pela nova porta que ele abriu com seu Opala. Quando chega lá na frente, encontra o matador tentando ligar a caminhonete. Atira. Pega de raspão no braço de Toninho, que se abaixa, mas continua pisando no acelerador. A porra da chave quebrou, concluiu com o estalo. O garoto se aproxima. Capa Preta recarrega a arma. Espera ele chegar mais. Mais um pouco. Pronto!
Mineiro cai, mas rasteja pra trás do que sobrou do carro do tio. A dor é terrível. Nem quando quebrou a perna pulando no rio a dor foi tanta. A bala está na perna. Na batata da perna.
A porta da picape se abriu. Mineiro espera pelo pior. Nada. Alguém está correndo. Toninho fugiu. Se chegar á estrada nunca mais vai vê-lo.
Com a força que nem sabe de onde tirou, André Mineiro se levanta e anda pela trilha. O matador não está muito longe. Ainda bem que não é muito bom de corrida. Toninho na verdade está morto de fome. A pança também não ajuda.
O garoto dá um tiro que pega na cerca. O matador se jogou no mato. Assim fica mais difícil de vê-lo.
Agora calcula; só viu um rapaz, na verdade um menino. Isso não é execução, é uma piada. Toninho Capa Preta fugindo de um moleque? Não, não é possível. A estrada que se dane, Toninho só sai daqui depois de matar esse garoto burro.
Mineiro também se embrenhou na mata. Não ouve, nem vê mais o matador barrigudo. Arrasta a perna machucada e melada de sangue entre as folhas secas. Tenta não fazer o menor ruído, mas nem pisando leve adianta. Sente que está por perto. Ouve por um instante a voz de Berto.
Na moita a quase dois metros dali, um homem espera que um rapaz perdido entre na sua mira. A ferida no braço arde, os pés estão frios. Mais que frios, estão gelados. E o que é isso? Escamas? Toninho olha pra baixo: uma cobra coral está entre a tira da sandália e seu calcanhar. Muita calma nessa hora: se mexer a cobra pode morder e denunciar sua posição, se continuar assim, mas cedo ou mais tarde, ela vai picá-lo. Se prepara. Dá um chute, jogando o réptil longe. Voltando a mira... cadê o moleque?

(Continua...)

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças II


Faltava ainda uma meia hora para chegar em Rio Preto da Eva. Era sábado de manhã. Pouca gente na estrada, mas ainda assim tinha movimento.
-"Assim você mata o papai. Ai, ai, ai..."
Toninho cantava junto com o rádio. Olhou para o retrovisor. Não queria saber da estrada, só dos cabelos. Entrou em crise sexta porque achou quatro fios brancos. Mas veja só... aquele Opala de novo.
Já passou por ele umas duas vezes. Só se foram dois Opalas diferentes. Não, são muito parecidos.
Decidiu usar o celular, antes que saísse de área.
-Que foi, cara?
-Acho que tão me seguindo.
-Aonde?
-Aqui na estrada pra Rio Preto da Eva. Tem um Opala que tá há um tempão atrás de mim.
-Rapaz, larga disso! Não deve ser nada, deixa de ser paranoico! Se lembra que da última vez que tu ficou assim tu fez merda? Se contr....
Saiu de área.
Tem uma ideia: vai desacelerando. Dá passagem para o carro. O Opala passa lentamente. É um rapaz dirigindo. Parece que está no celular. Distraído o suficiente. Toninho está aquietado, mas ainda desconfiado.
Sempre foi cabreiro. Isso, no seu ramo, lhe ajuda a sobreviver. Mas algumas vezes pode te prejudicar, como aquela vez em que atirou num pedinte que veio bruscamente na direção do seu carro.
Por enquanto, irá continuar nessa velocidade. A ideia é chegar na cidade na hora do almoço. Comer num restaurante por ali no centro e depois ir pro seu sítio, tomar um banho de igarapé. Não, comer no restaurante não. Vai almoçar no sítio. Vai pegar a marmita e almoçar no sítio.
Ele pensando onde almoçar e o rapaz do Opala pensando onde matá-lo. Na cidade mesmo? No sítio? Como fazer isso? Usando o facão do seu tio ou a arma do pai? Será que na hora vai acertar o alvo? O pai lhe ensinou como atirava nos cachorros do mato, mas uma coisa é um cachorro do mato e outra um desgraçado com um três oitão. E vai chegar perto o suficiente para usar esse facão?  Se tiver uma chance poderia atropelá-lo. Seria mais seguro.
Mas não dá. O tio vai perguntar como ele amassou o seu carro. O que dizer? Além disso, podem anotar o número da placa e aí quem se ferra seria o velho. Não, vai ser ou na faca ou na bala. Mineiro vai antecipando esse momento. 
Olha no retrovisor. Ainda consegue ver a caminhonete lá atrás. Precisa arrumar um jeito de chegar ao sítio de Capa Preta. Ele sabe que está indo para Rio Preto da Eva, só não sabe pra que parte. O dono do boteco em frente á sua casa foi muito vago: "Todo final de semana ele vai pra Rio Preto da Eva. Tem sítio lá". Não perguntou mais porque seu interesse repentino pelo matador poderia deixar Janjão cabreiro. O homem só falou porque conhece Mineiro: é rapaz comportado, inofensivo, gente fina. Mas não nesse sábado, não hoje.
A cidade não estava tão cheia, mas o sol estava tinindo. Estacionou o carro na avenida principal, perto de um restaurante. Ficou esperando. A caminhonete está demorando. Talvez ele tenha voltado. Vai ver foi buscar reforço. As dúvidas são suspensas: a picape cinza está oficialmente na cidade. André liga o carro.
Capa Preta vira á esquerda, para no Lanche da Luíza. Entra dando bençãos e elogios á comidinha da dona Luíza e pega um engradado de cerveja. Manobra e corta a cidade. Passa pela réplica do Cristo Redentor, se benzendo. Depois de duas placas, entra numa trilha. Barro puro e mato quase cobrindo o céu. Dois minutos depois, um Opala para no acostamento. Mineiro já sabe onde é. Mas e aí? Entra agora? Estará ele sozinho no sítio? Perguntas, dúvidas. Se continuar pensando não vai conseguir fazer nada. De agora em diante, será puro instinto. Tomara que todos aqueles filmes de ação e os videogames lhe ajudem agora.

Toninho abriu o portão do sítio já com uma latinha na mão. Sentiu um calafrio. O cabelo na nuca arrepiou. Já sabia o que vinha por aí.

(Continua...)

sábado, 22 de setembro de 2012

Confissões na madrugada



Queria ser como aquele jambeiro:
colorir tudo ao meu redor

Queria ser como aquele canário:
respirar melodia

Queria ser como aquela lua:
hipnotizante

Queria ser como tu:
poesia.

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças I



-André, André...
Mineiro abria os olhos e se deparava com o irmão. Na escuridão do quarto, lá estava ele, encostado na janela. Se assustou, mas continuou na cama. Não soltou um pio. Esperou a visagem dar o primeiro passo.
-Você não vai fazer nada?
Na sombra, o irmão falecido se dissolvia. André enxugava os olhos, mas continuava olhando para a janela. Talvez ele voltasse.
Uma piscadela e já era de manhã. Enquanto se arrumava para ir procurar emprego, as palavras do irmão ecoavam em sua cabeça. Assim como a sua morte mal resolvida.
Semana passada sonhou com a cena. Um rapaz correndo (seu irmão). Um beco. Um revólver. Um corpo.
Mineiro sempre foi quieto, mas agora está quase mudo. Ninguém sabe quem silenciou seu mano. O pai tem quase certeza que foi um policial e amaldiçoa essa classe todo dia. A mãe não diz nada. Já conseguiu sair de seu quarto, o templo de sua depressão, mas continua amarga.
Se eu tivesse a minha perna ainda eu matava eles, dizia Juvenal. O pai de Mineiro tinha sido peão em duas oportunidades: no sertão e na fábrica. Quando ainda tratava de gado, era o responsável por espantar os bandidos. Ainda guarda sua garrucha até hoje.
Já faz um mês, pensa André a caminho do centro. “Você não vai fazer nada?” E o que posso fazer?
Mais duas entrevistas de empego inúteis. A banca de jornal lhe interrompe a caminhada. A manchete: SEGUNDO ASSASSINATO NO ZUMBI – Execução fria á luz do dia.
Na tarde de ontem, um adolescente foi morto com tiros em uma padaria no bairro do Zumbi. Testemunhas dizem que se tratava de dois homens em uma moto. Há suspeita de que seja um crime encomendado por traficantes.
Mais um. A cena volta á cabeça.
Berto estava num bar com os amigos, conversando. Carros passando. Um tiro. Todos correm. A moto segue apenas Berto. Tinha entrado num beco: azar. Quatro balas.
André chegava na rua. Cochichos. A fofoca rolava solta, como de costume, mas havia um tom lúgubre na face das velhas senhoras. O pai estava no portão de casa conversando com China.
-Pois é... E dizem que a moto passou duas vezes pela padaria, antes de atirar. Pra ter certeza.
-São uns filhos da puta mesmo...
-Pessoal tá dizendo aí que foi coisa do Capa Preta. Diz que a moto era a dele.
-É bem coisa desse desgraçado mesmo. Eu ainda desconfio que ele tem algo a ver com o Berto...
O trecho da conversa que pegou acompanhou-lhe até a cozinha, onde iria fazer o lanche reforçado (pão com manteiga, café e biscoito de água e sal). Capa Preta, o famoso Toninho Carrasco. Matador quase mitológico nessas bandas. Seus patrões mudaram: de jogo do bicho a tráfico. Mas ele continua eficiente.
Sua vítima, quem era? Fabiano Touca. Um vagabundo, filho de dona Cremilda. Vivia pedindo dinheiro emprestado pra sustentar o vício. Se você quisesse achar Fabiano bastava olhar nas bocas de fumo e nos bares daqui até o Coroado.
O Touca não era nada, mas se achava o galã das bocadas. Parecia um pica-pau. Mas ultimamente andou meio sumido, cortou o cabelo e até emagreceu. Ele estava muito parecido com... Berto.
Enquanto mascava o pão francês de anteontem, André Mineiro chegava a uma conclusão nenhum pouco animadora. Berto, muito parecido com o Touca e seu novo layout, estava no bar que o ex-pica-pau frequentava. Quem o matou também estava numa moto.
Capa Preta. Era ele o homem por trás do revólver. Parece que ele não foi tão eficiente assim: as balas que seriam para Fabiano pegaram em Berto.
-E você não vai fazer nada?

(Continua...)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Mal está(r)


MULTIDÃO
E aqui estamos no meio da rua: juntos, mas sozinhos. Evitando nos esbarrar, mas sedentos por um toque. Na pele, na alma. Só sei que aqui estamos nós.

ABANDONADOS
Existem restos de pessoas pelas ruas. Ali vemos o que sobrou de um pai de família inválido dormindo sob o papelão. E aquela senhora carregando o carrinho com latas de refrigerante e sacos de lixo já foi candidata á miss. Não sei quem é mais ingrato com as pessoas: o tempo ou próprio homem.

POMBOS
Viver é catar migalhas. Os pombos descobriram isso há muito tempo. Catamos aqui e ali alguns pedaços de cidadania. E assim é a vida.

CENÁRIO
Ás vezes não gostaria de ver o que vejo, mas como esconder o medo ao ver um camburão da polícia chegando? Como olhar para o outro lado quando avisto um menino anêmico pedindo dinheiro? Ás vezes não gostaria, mas tenho que ver.

Lista dos bad ass

Depois de um papo com meus amigos sobre Os Mercenários 2 fui pra casa com uma missão: listar os principais nomes dos filmes de ação na categoria vilões. Por quê? Eu explico. O cerne da discussão era a seguinte: numa história com os maiores astros dos filmes de pancadaria, caberia o papel do vilão á um deles ou a outros atores, já conhecidos por interpretarem esse tipo de personagem?
Qual a validade dessa discussão e sua importância para a nossa vida acadêmica? Nenhuma. É apenas uma nerdice. Quer dizer, é só um exercício reflexivo de caráter lúdico (melhorou, né?).
Seguinte: o critério dessa lista é aleatório. Não é do mais subestimado ao mais superestimado, ou do mais talentos ao mais inexpressivo. Deu na cabeço, coloco já no papel. Existem aqueles que abordarei mais, talvez porque sejam poucos conhecidos ou porque simplesmente são bons demais.
Então, vamos á lista:

Cary-Hiroyuki Tagawa

Você acredita que esse ator japonês já serviu a Marinha dos EUA? O cara fazia séries e estreou no cinema com nada mais nada menos que o filme de Bernardo Bertolucci, O Último Imperador (1987). Mas ficou imortalizado mesmo como o vilão asiático na maioria dos filmes da década de 90. Sempre carrancudo, seria um super vilão caricato, mas eficiente.
Filmes: 
Sol Nascente (1993) - Wesley Snipes e Sean Connery juntos, se lembra desse filme? 
Mortal Kombat (1995) - ele era o feiticeiro do mal.
Zona de Perigo (1996) - faz tanto tempo que não vejo esse filme que nem se lembro dele. Só sei que era na África...
O Fantasma (1996) - Cary só aparecia no final, revelando ser um descendente de Gengis Khan...
Vampiros de John Carpenter (1998) - Clássico!
Passagem para o Inferno (1999) - Dolph Lundgren era o mercenário herói, Cary era o general do mal.
A Cilada (2000) - Novamente com Wesley Snipes e novamente ele faz o vilão (aliás, Wesley Snipes podia aparecer em Os Mercenários).

Bolo Yeung

Yeung era conhecido como o Hércules Chinês. Participou da maioria dos filmes de Vandamme e alguns de Bruce Lee. Até hoje costumam convidar ele e Vandamme para eventos de artes marciais e cinema para relembrar o final épico de O Grande Dragão Branco (1988).


Tom Sizemore (Falcão Negro em Perigo, Resgate do Soldado Ryan, Fogo Contra Fogo, Assassinos por Natureza, Inimigo do Estado) não é um cara que intimida muito. Pra falar a verdade ficaria muito bem no papel de um amalucado ou matador da máfia. Falando nisso, sempre confundo ele com o Michael Mardsen (Kill Bill 2, Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Sin City, Bloodrayne, Donnie Brasco). Queridinho do Tarantino, ficou imortalizado pelo sádico matador Blonde em Cães de Aluguel. Seu papel ideal seria um cara meio psicótico ou um gangster bem frio.

Precisa de um vilão com sotaque francês ou de que lembre pelo menos um bandidão do Leste Europeu? Chame Tchéky Karyo. O cara na verdade é turco e sempre achei que deveria ter papéis melhores, a julgar pela sua participação em O Beijo do Dragão.

Filmes:
Bad Boys (1995)
007 contra GoldenEye (1995) - Fica uns 6 minutos em cena, depois morre. Só coloquei porque esse é um dos seus filmes mais famosos.
Joana D'arc (1999)
O Barato de Grace (1999) - Comédia onde ele faz um traficante francês que se apaixona por uma senhora que depois que ficou viúva começou a dar uns "tapas".
O Patriota (2000)
O Beijo do Dragão (2001) - Com Jet Li e Bridget Fonda.
O Núcleo (2003)

Aliás, falando de bandidos do Leste Europeu... 

Rade Serbedzija (O Santo, Missão Impossível 2, O Atirador - o remake com Mark Whalberg- , Quarentena, De Olhos Bem Fechados, Cowboys do Espaço) - General soviético, mafioso russo ou cientista da KGB: dez em cada 9 papéis desse cara são um desses aí.

Marcel Iures (O Pacificador, Missão Impossível, Nem Tudo é o que Parece Ser) - Sempre vou me lembrar desse cara como o comandante do campo de concentração nazista em A Guerra de Hart.

Olek Krupa (Atrás das Linhas Inimigas, Um Golpe de Mestre, Queime Depois de Ler, Salt) - Sempre o mafioso russo ou então o espião russo. Para os de memória curta, ele fez recentemente o capitão russo na cena final de X-Men: Primeira Classe.

Aliás, os diretores de X-Men: Primeira Classe resolveram fazer uma homenagem á um ator que ficou conhecido nos anos 90 pelos seus personagens maquiavélicos, quase sempre insanos e megalomaníacos. Falo de Michael Irondside. Quem não se lembra de Revok, o paranormal que explodia mentes, em Scanners - Sua Mente Pode Destruir? Além desse filme, participou de Vingador do Futuro (1990), Highlander II (1991) e Karate Kid 4 (1994). A carreira como ator foi decaindo e hoje ele é mais famoso como dublador oficial do vilão Darkside dos desenhos de Superman e Liga da Justiça.

Danny Trejo, o Machete, ator favorito tanto de Tarantino como de seu amigão Robert Rodriguez, também podia ser um bom nome para ser escalado para Mercenários 2 - quem sabe no terceiro filme ele aparece... Mas acho pouco provável, já que ele já tem a sua franquia de filmes trash com o nome de seu alter ego.

Ron Perlman também seria um bom nome. Esse ator, com uma fisionomia difícil de esquecer, já participou de muitos filmes cult como O Nome da Rosa e A Guerra do Fogo, mas não tem como não mencionar Hellboy, Blade 2 e Alien: A Ressureição.

O maluco Gary Busey (Máquina Mortífera, Caçadores de Emoção, Predador 2) pode estar meio decadente no momento, mas também faz parte do imaginário dos filmes de ação dos anos 90. O bizarro Billy Drago (Os Intocáveis, Comando Delta 2, Viagem Maldita) é outro que anda sumido. Michael Wincott (O Corvo, Os Três Mosqueteiros, Na Teia da Aranha) também seria uma boa pedida. Outros nomes: Fred Williamson, Raymond Cruz, Miguel Ferrer, Robert Davi, Bill Duke, Ving Rhames, Colm Feore, Andrew Diwoff, Clancy Brown e Kim Coates (Dêem uma "googlada" aí, to com preguiça de colocar a foto de todos esses caras).


Christopher Walken seria um supervilão épico. Ele sabe ser cínico, autoritário e intimidador. Samuel Jackson ficaria muito bom também. É um cara com talento e que se dá bem em filmes de ação também. Harvey Keitel também é um peso pesado nessa competição. Mas temos também Armand Assante (muito canastrão, mas convincente) e Lance Heriksen (fazer milionários excêntricos e sádicos é um papel que ele domina). Claro que a lista se trata de um pessoal que já tem uma tradição nos filmes desse gênero e também temos que levar em conta que a graça da proposta de Mercenários é realmente ver os coroas em ação de novo e juntos - pouco importa porque estão juntos, mas o que importa é que estão juntos. Apenas enumerei aqui alguns deles que me vieram á cabeça por conta dessa discussão de se utilizar atores dos filmes clássicos de ação, mas existem muitos outros também que poderiam participar.

Notícias da "prisão de acrílico": tédio


Amor, não aguento mais. Tenho que ir embora daqui!
É tudo muito estressante. Você nem pode imaginar o quanto. Claro, preencher ofícios e assinar acordos não passa nem perto de se caçar meteoritos, mas ás vezes sinto como se estivesse cercado por eles. Tudo aqui é tão... tão estranho.
A embaixada, o planeta, tudo. Lá fora é uma selva, literalmente. Os edifícios desse grande e magnânimo império, veja só, são feitos de barro e fibras. Já nossa embaixada é basicamente feita de polímeros e limpada pelos robôs a cada três minutos de forma que ela se mantém assustadoramente limpa. Cada recanto, até o mais obscuro dela, brilha.
Sinto-me numa prisão de acrílico. Se desejar passear lá fora num belo dia de sol morreria em dois segundos. Primeiro, porque os raios ultravioletas do sol daqui me matariam, sem falar dos gases desse planeta. Segundo, minha circulação por esse mundo é controlada, sendo que aonde quer que eu vá tenho que pedir permissão ao Sr. Zanda.
Aliás, homenzinho sinistro esse Zanda. Você o conheceu na nossa despedida, era aquele senhor de bigode segurando uma pasta. Ele olha as pessoas de cima a baixo, medindo-as como se fosse o juiz do universo. Sabe qual o cargo dele? Chefe do setor de segurança. Ou seja, teoricamente eu mando nele!
Se ouvi a sua voz alguma vez foi sorte. Monossilábico, ao me ver apenas espere que fale aonde pretendo ir e ordena que seus oficiais me sigam. Merer disse que ele já foi da Horda dos Mercenários do quadrante T5. Pode até ser: tem uma cicatriz na altura do supercílio.
Saio do meu gabinete ás dezesseis. Nosso expediente é alargado um pouco por conta da rotação de Laconica: a cada cinco horas terrestre um dos três sóis desse sistema se reveza ao esquentar os miolos desses animais. Depois de duas "voltas", finalmente a lua de Quindor se torna dona dos céus de Laconica.
Nas primeiras "semanas" vivia com insônia. Hoje aprendi um truque: dormir meia hora em cada parte do dia. Não fico tão animado para que o trabalho chegue logo ao fim, já que em se tratando de diversões os reptilianos não são lá essas coisas. A saída que encontramos é reunirmos, cada semana, na casa de alguém diferente para conversarmos e jogarmos um pouco de telecinese de tabuleiro. Merer se entusiasma demais. Sua casa ficou conhecido pelo pessoal do escritório como "o casino de Laconica". Grande sujeito, tenho conversado muito com ele.
Mas já falei muito de mim. Você deve estar cansada de minhas reclamações. Me desculpe, amor, mas tenho que desabafar com alguém. E quanto ás novidades em casa? Como vão as meninas? Espero que seu irmão esteja melhor do resfriado. Talvez assim ele tire essa ideia de ser adestrador de sdorfs da cabeça. 
Mil beijos.
Do seu "pequeno momo".

Yaum al-Khamis de Rajab de 1561.
Embaixada Al- Fayed, Laconica.
Dr. Eli Rumat.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Reaça Fashion Week


Até parece sonho!


Tricolor (carioca, o verdadeiro tricolor!) na liderança do Brasileirão? Será que esse ano vai? Rapaz, não sei, mas por enquanto, tem sido muita emoção. O goleiraço Cavalieri dando um show a cada jogo. E o que dizer de Fred? Parece que a bola segue o pé do bendito. Nem tá muito afoito, muito fominha. Deco, pelo contrário, é mais equilíbrio, mais sereno, e ainda assim raçudo. É o que a experiência faz. Tomara que esse ano na final dê Fluzão!

sábado, 15 de setembro de 2012

Cortaram a árvore, derrubaram a consciência

Foto: Ione Monteiro/ Amazonas Em Tempo.

As mangueiras no Terminal 1, na Avenida Constantino Nery, foram derrubadas. As vítimas seguintes foram as árvores do Largo São Sebastião. Não todas (ainda bem!), mas aquelas que ficavam logo depois da Banca de Revistas.
O ato já gerou uma onda de protestos nas redes sociais. O governo do Estado ainda não se manifestou sobre o assunto.
O que posso dizer? Os últimos dias foram de calor intenso e estamos derrubando árvores. Me parece que a lógica certa não deveria ser essa. Uma cidade como Manaus merece uma arborização bem cuidada. Na Zona Leste a falta de árvores produz um mormaço quase mortal. Num contexto como esse cada sombra é um oásis.
Vejamos a Avenida Getúlio Vargas, dona de frondosas árvores. Na hora mais quente do dia podemos desfrutar de uma bela brisa ali. Reconheçamos que o urbanismo da Belle Epóque podia ser etnocêntrico e excludente, mas ainda assim sabia equacionar bem as zonas verdes. Os boulevards que o digam. 
As obras faraônicas construídas pela cidade atualmente não parecem respeitar a vegetação nativa. Ou se utilizam no paisagismo plantas exóticas ou, pior, não se utiliza nada, conserva-se o concreto puro e nada mais.
O pequeno parque montado na Ponta Negra foi uma boa iniciativa, já não posso dizer o mesmo do chafariz na rotatória. Aliás, não só nessa rotatória como na "Bola do Mindu". Até parece que Manaus é uma cidade sem problemas de água para esbanjarmos tantos litros assim. Atentemos para as prioridades: água para a população primeiro, depois para o paisagismo.
Além disso, a mata do Parque do Mindu já fornece àquela área uma umidade relativa do ar. Um chafariz para amenizar o calor é o de menos. Ou seja, onde está a funcionalidade das obras em Manaus?
A funcionalidade e a fiscalização estão em falta. Entrevistas feitas com moradores locais apontaram que a cidade cresceu muito nos últimos sete anos, principalmente no plano vertical. Como diz Aldísio Filgueiras, daqui a pouco vamos estar vendendo metros cúbicos aéreos. Os edifícios tem proliferado espantosamente, sejam comerciais ou residenciais. Os preços não são baratos, até porque toda a rede de lobby feitas entre empreiteiras, prefeitura e imobiliárias demanda taxas altas para cada um dos topos dessa pirâmide.
Do que estamos falando? De pura e simples especulação imobiliária. Se os incêndios de favelas em São Paulo tem apontado que é possível que exista uma máfia imobiliária em terras tupiniquins, os assaltos no bairro D. Pedro e a proliferação de estabelecimentos comerciais ali não parece uma coincidência.
Foto: Michael Dantas/  A Crítica.

Em se tratando de trânsito, Manaus também não fica atrás de São Paulo. Os engarrafamentos habituais no horário de rush na Djalma Batista, Constantino Nery, Torquato Tapajós, Paraíba, Recife, Avenida Brasil, dentre tantas outras vias, estão se tornando via de regra. Aqui topamos com a falta de soluções do poder público, seja pela fiscalização ou pelas transformações na viação.
Mas sejamos sinceros: o governo não é o único responsável. O Plano Diretor da cidade é construído em sessão aberta á participação popular e o que mais se ouve ali são os zumbidos das moscas. Ok, as vontades dos tubarões sempre tem mais peso no traçado urbano, mas nós deveríamos ser mais incisivos na luta por uma cidade melhor. Enfim, que o luto por essas árvores nos leve á luta por uma cidade melhor.

Indigestão

Cainã Ito

(...) 

Olhos fechados e sentia o calor humano ao passo que entrava em um frigorífero.

-Quem está ai? Não quero ninguém mais, a festa já acabou!

Silêncio...

Ele apenas diz

- Sou o coração que você não conseguiu digerir....

Sorriso jamais visto

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PCMismo

A desgraça existe.
Só quem tem travas nos olhos desconfia do contrário.

A desgraça acontece.
Em cada minuto, uma tragédia aqui  ou lá.

A desgraça corrói.
Erosão é um problema não só das rochas, mas dos homens também.

A desgraça une.
Aquele anêmico franelinha da periferia de São Paulo
e o garoto morrendo de fome no interior do Piauí
são a mesma pessoa.

A desgraça não pára.
E talvez essa seja a maior das desgraças.

A redenção já tomou muitas formas
e agora a promessa é um clique.
Curta, compartilhe, siga, divulgue
A fome acabará, a corrupção também.

Não tenho estômago de avestruz para engolir essa.
Hipocrisia digital ou ingenuidade virtual, não sei dizer bem o que é.
Só sei de uma coisa: realidade está longe de ser.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Momento tiete

Foto: Acervo A Crítica.

Olhei, não acreditei. Era o grande nome das letras amazonenses ali na minha frente. Um senhor de baixa estatura, cabelos há muito grisalhos, um cavanhaque bem tímido e olhar tranquilo. Era Luiz Bacellar.
Foi assim que vi pela primeira vez esse monstro sagrado da nossa literatura. O conhecia somente de vista e de verso. Não me atrevia a falar com o senhor Bacellar. Acontece que quando conhecemos nossos ídolos somos acometidos por uma leseira momentânea, um estado de espírito onde o sujeito de tão maravilhado não sabe o que falar direito.
Mais uma vez decidi abordá-lo. Estava ele no supermercado, conversando com um outro senhor, também escritor. O encontrei, como sempre, despreparado. Despreparado que eu digo para pedir um autógrafo seu.  Estava fazendo compras e tudo o que eu tinha era alguns biscoitos, um saco de arroz e a nota fiscal. Mas precisava de seu autógrafo. Pena não estar com um dos livros seus ali. Bem, na falta do livro foi a nota fiscal...
Pedi uma caneta emprestada de uma moça da banca de jornais me aproximei da mesa em que ele e o seu amigo estavam conversando. Pedi licença, perguntei se ele era Luiz Bacellar - como disse, a gente faz perguntas idiotas quando encontramos nosso ídolos... - e pedi seu autógrafo. Ao ver a nota fiscal, o poeta disse:
-O certo seria um livro, não é?
-Pois é...
-Mas tudo bem. Tá aqui.
Tentei engatar uma conversa, mas pensando bem, melhor não. Afinal, eu interrompi a conversa dos dois. E não queria dar uma de fã chato. Já bastava a gafe da nota fiscal. Me despedi e fui.

Lobato racista: a novela continua



Nova querela envolvendo Monteiro Lobato e o racismo.
O Iara (Instituto de Advocacia Racial) e o técnico em gestão educacional, Antônio Gomes da Costa Neto, entraram com um mandato de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do CNE em liberar a distribuição das obras de Monteiro Lobato, em especial o livro "Caçadas de Pedrinho", alegando conteúdo racista. A audiência, ocorrida ontem (11/09/2012), terminou sem acordo. 
Em entrevist
a ao Estado de São Paulo, de hoje, 12/09, Ivan Junqueira, membro da Associação Brasileira de Letras, afirmou que "Não se deve tomar nenhuma providência com relação a eventuais traços racistas de obras da literatura brasileira, senão não ficaríamos somente em Monteiro Lobato."

Já abordamos tal polêmica aqui em outra oportunidade. Continuo batendo na tecla de que proibir a distribuição dos livros não é nem de perto a solução, mas o problema. Monteiro Lobato tinha lá seus preconceitos como todo mundo e os expunha de forma veemente seja contra negros como contra japoneses e indígenas, mas ainda assim é um escritor essencial para se entender o Vale do Paraíba e o Brasil. Não subestimemos a capacidade dos alunos e dos professores. Com um bom acompanhamento pedagógico pode-se perfeitamente ler textos e discernir e se posicionar, sejam eles sobre o que for.
Sejamos coerentes e lúcidos. Para entender o racismo lobateano precisamos entender seu contexto e sua vida. Não cometeremos o pecado capital do historiador: a anacronia. O politicamente correto daquela época permitia que se falasse em "pessoa de cor" ou "pretinho". Não se trata de absolver o preconceito, mas de reconhecer que mesmo na luta por um mundo menos intolerante há limites. Corre-se o risco, em decisões como essa do Iara e de Costa Neto, de se cair em uma intolerância quase puritana. Felizmente o conhecimento e o bom senso estão aí para nos ajudar.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Luto

CANTIGA DO AMANHECER
Luiz Bacellar

O ovo do sol
canta nas landes
uma cantiga de gemas
com as claras nuvens
batidas de ventos.

Ovo da nhambu
a casca azul do céu
se abre em passarinhos
que já chilreiam
no choco desse ovo louro.

Pelo pasto verde claro
vai aquele touro novo
em seu cortejo
de borboletas
retouçando o dia
que começou quando o vôo
do ovo se derramou.

No dia 4 de setembro, Luiz Bacellar tinha feito 84 anos de vida dedicada á poesia. No dia 8 de setembro, Luiz Bacellar se tornou a própria poesia.

sábado, 8 de setembro de 2012

Suburbanum I



O CABELO DA DISCÓRDIA
A indiazinha pinta o cabelo e o pai quase enlouquece. Ela não entende, só queria ficar mais bonita. Pra ele é um desrespeito ao avô que bateu o pé e ficou na aldeia pra não deixar de ser "parente". Loira de tinta, índia de sangue. E olha ali, mais conflito de identidade saindo do salão de beleza...

A COR DA FARDA
A família está feliz. Melhor, a mãe está feliz. Ver o filho ser fuzileiro naval, que orgulho! E esse uniforme verde oliva combinando com o moreno da sua pele até que ficou bem nele. Dá até gosto de falar nele agora: sargento Cunha!
Sargento Cunha aqui, em casa. Lá no quartel é Tição e Macaco. Está se segurando, mas não vai aguentar mais. Essa semana o coronel vai ouvir poucas e boas e o uniforme verde oliva vai ser apenas uma lembrança em breve.

A FEIRA DA MEMÓRIA
Uma senhora de casa, já com idade, sai para ir para feira. Saiu prevenida, levou o guarda chuva. Foi pega de surpresa pela nostalgia. No caminho a rua ganhou os terrenos baldios de antigamente. Quando viu estava pisando na feira dos velhos tempos. Ali vendendo peixes – de aquário, em saquinhos; de comida, no gelo. Um homem negro, sentado em frente de sua barraca improvisava versos sobre a abobrinha, o pepino, o taperebá e a fava. As crianças pulando entre as barraquinhas. O sol brilhando, castigando não. Os tecidos coloridos enfeitando as mãos e a cabeça do vendedor. As tralhas e bugigangas na carrocinha do moço do ferro velho. Cai no presente: só sobrou a velha quitanda da dona Thelma das Couves. Não precisa, já comprou as couves no mercadinho, mas vai lá assim mesmo: quer um quilo de saudade.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A Catarse cômica ou Rir com desconhecidos


Alguém entra no buzão e conta uma piada ou deixa escapar alguma idiotice. Isso é o máximo que chego de rir com uma pessoa que mal conheço. Não qualquer desconhecido, mas alguém que compartilha conosco temporariamente a companhia. Pode ser o espaço no ônibus, na calçada, na fila do banco ou no cinema.
Existem vários desconhecidos que se avizinham de nós de forma tão rápida que nem nos tocamos mais. Afinal, essa é uma característica do viver na cidade: a multidão, essa massa impessoal onde todos estão juntos, mas separados em pensamento e direção.
Na última quinta participei de uma experiência singular. Numa sessão de cinema senti algo incomum. A sensação de que estava rindo em conjunto. Calma, explico: o riso é algo tanto individual (quem nunca riu sozinho depois de se lembrar de uma piada) como social. Quando se ri coletivamente você está criando um vínculo momentâneo com as pessoas ao seu redor: por um momento partilham do mesmo senso de humor que ti.
Há muitas formas de se rir. Ou o riso forçado, aquele que soltamos para não dar a impressão de que não entendemos a piada, ou o riso involuntário, esse danado que não conseguimos controlar. Ou seja, o riso também é influenciado por convenções: há o momento de rir e o momento de não rir.
Bem, isso não é novidade. Embora poucos sociólogos tenham se preocupado com o estudo do humor (detalhe: não estou querendo fazer aqui uma tese do riso coletivo, só estou relatando uma impressão), já é fato conhecido que o humor é também uma prática social. Quando os trabalhadores de uma gráfica francesa no século XVIII quase mijavam de rir ao matar os gatos da sua patroa isso fica mais explícito, como o trabalho de Robert Darnton demonstra pra gente.
Voltemos á sessão de cinema. Senti uma vibração incomum ali. Estávamos rindo. Até aí nenhuma novidade, afinal era uma comédia. O estranho é que estávamos rindo demais, quase desabando o cinema com nossas gargalhadas. Creio que os responsáveis por isso sejam dois motivos: primeiro, as gags eram muito rápidas, mas seguidas (mal acabava uma, outra vinha, prolongando o riso); em segundo lugar, se tratava de uma comédia de humor negro.

O escritor Bráulio Tavares em uma de suas crônicas, afirmava que a heresia ás vezes pode tomar um tom libertário. Pense num indivíduo que teve uma formação extremamente religiosa, onde a fé quase se torna opressora de sua personalidade, e você entenderá essa afirmação. O humor negro ás vezes pode ser revolucionário também. Lembremos que esta modalidade de humor mexe com tabus e feridas da nossa sociedade. E em tempos de "politicamente correto" dominando a opinião pública, piadas do tipo adquirem um caráter de rebeldia. No caso do filme em questão (era O Ditador, pronto, revelei!), em se tratando de humor não é aquela maravilha, aquela genialidade - apesar de ter achado a sacada final, no discurso do tirano, extremamente boa - , mas cumpre o que se propõe: fazer rir. Ou seja, é um filme competente. O que dá maior graça ao vídeo é que podemos rir aqui do que não podemos rir lá fora, na rua, por exemplo.
Quando se brinca com temas sagrados e estereótipos (e o pai deles, o preconceito) nos acometemos de duas sensações: a primeira, a consciência de que cruzamos a linha do permitido, e a segunda, de que isso de certa forma é libertador. A repreensão e o alívio, lado a lado.
Ou seja, creio que a maioria do pessoal presente ali estava ciente disso, daí essa sintonia, daí essas gargalhadas de "quebrar as costelas". O riso coletivo parece ser mais poderoso e a surpresa com experiências como essa - assistir á uma comédia no cinema ou a um show de stand up, enfim - atestam que elas estão ficando cada vez mais raras.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Anotações diplomáticas: Admirável e bizarro mundo novo

Já faz quatro semanas lacônicas que estou aqui. Não me pergunte quanto equivale isso em horas terrestres. Estou mais confuso que um meteorito no meio de uma supernova quando se trata de fuso-horário. Acho que tenho um funcionário só para isso, para converter as semanas em horas para mim, não sei ao certo.

Nosso efetivo é de apenas 200 pessoas, mas os andróides. Ainda assim parece que existem duas mil pessoas por aqui. São tantos cargos, tantos funcionários. Os que mantenho mais contato são a minha secretária, Zeth, e o meu assistente especial, Clor Denzy. Ah, há ainda o Sr. Zanda, assessor da divisão de segurança. Ao que me parece seu trabalho se resume em avaliar o grau de periculosidade de cada ação da embaixada. Em meu trabalho nunca ouvi dele mais de duas frases. Ao contrário de Denzy, um falador de primeira. Sempre me dizendo o que fazer. Bem, é o trabalho dele, mas ás vezes me irrita.

Você deveria ver o lugar. É exatamente o contrário do que imaginávamos quando crianças. Laconica não é um deserto ou uma toca escura, mas uma enorme planície coberta por uma floresta colorida. A capital, Vetlavia, lembra uma coleção de cumpinzeiros. Rústico por fora, avançado por dentro. Debaixo da camada de terra estão estruturas metálicas e uma espécie de tubulação biotecnológicas que regula o clima de cada "andar".

Quanto á eles... Me surpreendo a cada dia. São como suas enganadoras torres de barro: sua aparência é em tudo brutal e aterrorizante - os olhos vermelhos, os dentes saltando da boca, as corcovas, as garras, etc. No entanto, são espertos. Teríamos perdido a guerra se continuássemos subestimando sua inteligência.
Sejamos justos, a maioria da população, pelo que tenho percebido, não é tão maquiavélica quanto seus superiores, os generais e sacerdotes. Essa massa está mais preocupada em sobreviver que dominar outros planetas.

São divididos assim: galangues (rebanho, na sua língua) e galanguos (pastores). Dentre os galanguos, temos os "pastores" que defendem o rebanho (os alahus, que se assemelha á nossa classe militar) e os "pastores" que direcionam o rebanho, se encarregando dos negócios e dos deveres espirituais (os alahis, um misto de burocrata com sacerdote).

Sim, eles tem uma religião. Parece estranho a ti que estes lagartos tenham um deus? A mim, também. E não tem um, mas vários. Cada um representa um ancestral de uma casta. Só os alahis falam com eles. Há os ancestrais que se comunicam com os guerreiros, mas sua mensagem só pode ser decodificada pelos alahis. Percebe-se uma certa rivalidade entre estes dois grupos.

Conheço poucos reptilianos. Até agora tenho falado mais com o general Sargossa, chefe de alguma repartição de relações exteriores ou coisa assim. É um animal imenso. No mínimo deve ter 2 metros de altura. Sem o decodificador vocal, seus grunhidos me matariam de medo. Mas graças a tecnologia nosso assustador amigo de sangue frio ganha a voz de um senhor de meia idade. Há uma coisa sobre os alahus que salta á vista: uma espécie de liga de metal que deixa seus pescoços eretos e a impressão de que estão permanentemente em posição de sentido. A cada posto alcançado ela ganha mais inscrições em suas laterais. Suponho, pelo pescoço de Sargossa, que com cinco linhas temos um general.

Sargossa tem sido o meu cicerone nessa terra misteriosa. Em todos os eventos em que participo, lá está ele. É uma criatura muito interessada com nosso comportamento, principalmente com o que chamamos de humor. "Na minha cultura mostrar os dentes é sinal de afronta, na sua é de felicidade. Não compreendo". Contei-lhe uma piada sobre polvos e conchas uma vez. Ele não entendeu. Então pude constatar que não há nada pior do que explicar uma piada. Acho que o traumatizei com o humor terrestre. Aos comediantes humanos, minhas sinceras desculpas.

Há um outro réptil com o qual tenho muito contato. Infelizmente... Chama-se Mararh. É um alahi, comanda um dos milhares gabinetes de seu império. Parece estar me testando a todo momento, assim como Sargossa. Mas o general me testa de uma forma diferente. Ele julga minha cultura e moral, já Mararh avalia minhas, nossas, intenções financeiras. "Por que uma missão de paz precisa de uma divisão de segurança?" "O senhor deve produzir muitos relatórios, a julgar pela quantidade de eventos de que participa...", etc...

Ele me lembra um colega dos tempos de intendente. Um homenzinho infeliz que vivia contabilizando todo tipo de material dos escritórios e que ao menor sinal de sumiço de algum clipe ou caneta fazia um pequeno interrogatório com cada funcionário, desde os políticos até os zeladores. Era um grande cínico. Seu xará réptil não fica muito atrás.

Mararh, além de tudo, é ridículo. Usa um manto branco que começa na altura do pescoço Lembra um monge ou talvez um juiz que se tornou um sapo repentinamente. A gola do manto parece a um ponto de asfixiá-lo, já que fica justa no seu papo enorme. Acho que já deu para você perceber que eu o odeio. Os outros alahis, até onde eu sei, não são tão detestáveis assim.

Demora a se afeiçoar ou a odiar algumas dessas criaturas. Sua face escamosa não demonstra nenhum tipo de sentimento, muito menos a voz artificial. Mas você descobre quando estão com raiva ou alegres pela respiração e o movimento dos olhos. Pupilas dilatadas é sinal de tranquilidade. Respiração ofegante com pequenas tosses "encatarradas": nervosismo ou fúria. A melhor hora do dia para se irritar um reptiliano é durante a aparição do segundo sol, mais forte que os outros dois. Eles ficam em estágio letárgico.

Por falar nisso, estou quase como eles. Mas não pelo mesmo motivo. O calor não me fortalece, pelo contrário, quase me derruba. Você sabe, odeio calor. Vou terminar por aqui, pois em breve, com a ascensão do terceiro sol, vou começar meio expediente novamente. Como vão as meninas? Mande notícias!  Continuarei escrevendo, é só me aguardar.

Ósculos sinceros do seu amor.


Sr. Eli Muhair
Palácio Polanza, Laconica - Setor Norte.
21 rpm, 1.023 após o Cataclisma.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobre subjetividade [devaneio]


Literatura é um jogo sim, um jogo de cartas. O blefe é um recurso a se usar. O bom jogador sabe interpretar os sinais, deixando os adversários mais preocupados em despistar sua reação. Um texto não pode ser entregado de bandeja. É preciso ser claro, mas nem sempre. Ás vezes é preciso ser elíptico. E nunca, nunca, subestimar os outros jogadores.

Escreva; coloque as cartas na mesa. Agora, senhores, façam suas apostas...

domingo, 2 de setembro de 2012

Pesadelo N. 15: Mr. Darkness


Bocejava. Devia ser provavelmente umas duas horas da manhã. Estava tudo quieto. Só ouvia o som do elevador descendo. Fedor. Era o saco de lixo. Melhor levar agora do que pela manhã. 
Cheguei á garagem. Fui até as latas de lixo. Só sete carros na garagem. O vento assoviava. As lâmpadas eram muito baixas, deixando o teto no mais completo breu. Já tinha medo desse lugar de dia.
Quando estava voltando ao elevador. Um sussurro. Parei. Podia ser qualquer tipo de ruído, não necessariamente um sussurro. Podia ser um gato ou um rato. Ou um gato atrás de um rato. Nada.
Recomecei meus passos quando senti aquela respiração. Não parecia ser humana. Não parecia vir do chão. Não ousei erguer meus olhos, só apressei o passo para o elevador. Ele não estava mais lá. Já tinha subido para o quinto andar ou o raio que o parta.
O que fazer? O que fazer? 
De algum lugar do teto, uma voz saía. E o mais estranho: uma voz extremamente humana, lembrando e muito a de um senhor de meia idade. Ou de um locutor de rádio. Ela só dizia meu nome.
Na mesma hora, corri. Disparei para o portão da garagem. A coisa me seguia. Sabia porque ouvia o som de algo batendo nos canos atrás de mim. Tentei levantar o portão, não consegui. Gritei por socorro. Uma, duas, três vezes. A coisa estava próxima. Corri para o lado. Me escondi debaixo de um carro. Só me restava esperar pelo fim.
A voz voltou: Então... você tem medo do escuro.
Seja o que for tinha pousado ao lado do carro. Suas garras eram imensas, com curvas monstruosas. Um bico me acertou. Puxou-me para fora. Senti os dentes rasgaram a pele do meu peito e das costas. Fui atirado a alguns metros dali. A criatura foi se aproximando lentamente. Seu corpo e o breu eram um só. A única coisa que podia se ver eram seus dois olhos verdes e brilhantes.
Me arrastava. Parei exatamente na coluna em que uma lâmpada, que vivia piscando, estava. A coisa começou a tomar forma na medida em que era iluminada pela lâmpada. A silhueta era de um pterodátilo. O bico era cheio de dentes empurrando uns aos outros. Os olhos continuavam brilhantes. Estava certo que seria morto, mas minha mão tocou numa barra de ferro, resquício de uma reforma na garagem.  Avancei no bicho com ela. Atingi sua barriga cheia de pelos eriçados. Soltou um grito estridente, abriu as asas e se atirou nas sombras novamente.
Por um minuto, não ouvi nada. Ainda estava tentando digerir o ocorrido quando aquela voz...
-Acha que venceu? Acha que estou morrendo? Pode se iludir, meu amigo, se quiser, mas a verdade é que só conseguiu alguns segundos a mais (eu segurava com força o bastão esperando de todos os lados o possível ataque).  Tenho uma notícia para você: sou feito de escuridão e medo. Enquanto estiver nas sombras nada pode me deter. A luz pode me dar uma forma, pode me deixar vulnerável, mas as sombras... elas são meu sangue. Você pode ter me impedido agora, mas a noite está só começando...
Enquanto aquelas risadas secas se multiplicavam me deparei com o triste fato de que estava realmente naufragado naquela ilha de iluminação.

Rapidinhas

-Abro o jornal e as principais notícias são sobre o príncipe inglês que apareceu pelado numa suruba em hotel (e será que dá pra fazer suruba vestido?), Hugo Chávez dizendo que vai mediar um acordo entre as Farcs e o governo da Colômbia apenas para fins diplomáticos (é tanta filantropia que me espanta) e Flamengo enfrentará o Figueirense.
Figueirense? Ih...

-Pela tarde, um visitante ilustre: o furacão Katrina. Mas era alarme falso. Três horas da tarde e tudo escuro como a noite. A ventania que deu aqui não foi brincadeira. Várias árvores envergaram aqui perto. Pensei que estava chegando a mãe de todas as chuvas. No final das contas, caíram as mesmas três gotinhas de sempre. Por que só deixam pra desabar o toró quando estou na rua?