segunda-feira, 10 de março de 2014

As Árvores Sangram


AS ÁRVORES SANGRAM
Dedicado a aniversariante Ilana Joplin.

Um dia, as árvores começaram a sangrar.

O primeiro a levar esse susto foi um homem simples, que estava pensando em eliminar a árvore do quintal para não ter que recolher as folhas caídas.
Deu uma machadada e, pof! Foi sangue pra tudo que é lado.
O sangue respingou na camisa e no rosto do pobre homem.
Assustado, o homem deu um grito e correu para colocar a mão no golpe que a árvore levou, numa tentativa caridosa – e desesperada – de impedir o sangramento evidente.
Depois de três tentativas, a árvore parou de sangrar. Restara um ferimento comum - um talho aberto, como um golpe desferido por um gladiador – mas o sangue definitivamente parara de fluir.
O Homem correu para o telefone e chamou a imprensa.
5 minutos depois, o homem estava sendo entrevistado. Nem tinha tirando a camiseta ainda, nem lavado o rosto. O Homem ensanguentado jazia ali, em frente à reporter e ao camera-man, parecendo um serial-killer que acabara de ser capturado.
Mas ele era apenas um homem normal, contando que a árvore tinha sangrado.
E a noticia se espalhou: primeiro na vizinhança, depois no bairro inteiro. À noite, durante o último telejornal da programação, a notícia já tinha alcançado o estado inteiro.
Dia seguinte, no programa matinal, a apresentadora de meia idade reunira uma equipe de especialistas, para debater o assunto e as possíveis causas do estranho fenômeno.
Tudo isso enquanto ela cozinhava batatinhas e frango em cubos.
A casa do homem tinha virado um grande acampamento científico. Igual quando encontraram o E.T. do filme do Spielberg.
O Homem ainda não tinha ganhado muito dinheiro com o ocorrido, mas como era muito solitário, estava curtindo toda a repentina movimentação em sua casa.
E a árvore foi extenuantemente analisada.
Especialistas da universidade do estado olharam, retiraram amostras, olharam de novo, e de novo, e de novo.
E depois deixaram a casa do homem em paz. Todo mundo foi embora.
Dias depois, os especialistas se pronunciaram na televisão. O assunto já estava quase esquecido, mas o que eles revelaram era assustador:
O sangue da árvore era humano.
Sangue humano.
A árvore ainda era uma árvore comum. Com raiz, caule, galhos e folhas. Ainda era a mesma árvore dos livrinhos que usávamos para estudar na quinta série.
Mas agora ela sangrava. Inexplicavelmente. E era sangue humano. Tipo A positivo, diziam alguns.
Dois dias depois, uma mulher perdeu a direção do veículo e se chocou com uma árvore, no subúrbio de uma cidade vizinha.
A mulher estava bem, não sofrera nenhum ferimento.
Mas a árvore que ela atropelou sangrou como um boi num matadouro.
A pobre mulher ficou horrorizada. Como o para-brisa do carro se esfarelou, a motorista ficou coberta de sangue.
As árvores começaram a sangrar. Não era apenas árvore do quintal do pobre homem.
A imprensa apareceu, os especialistas vieram, e todo mundo que estava no local via o acidente de carro como se fosse o resultado de um atropelamento fatal, mas era apenas um carro que se chocou com uma árvore...
...Que sangrava.
E todo mundo ficou assustado.
Era apenas uma árvore normal, um amontoado de celulose e clorofila... 
Que sangrava sangue humano.
Sangue do tipo O, diziam alguns.
Mas incidentes semelhantes ocorreram em outras cidades, em dias depois, no país inteiro.
Até que um chinês que procurava lenha fez uma árvore sangrar.
Aí não restavam mais dúvidas: as árvores do mundo inteiro começaram a sangrar.
E o assunto chegou na ONU.
Todas as nações do mundo estavam assustadas com o fato.
Nas revistas, televisões, jornais, todos davam suas opiniões sobre o que poderia estar causando o estranho ocorrido.
Especialistas, cientistas, céticos, religiosos... Muitas palavras pronunciadas com tom de verdade, mas apenas perguntas sem respostas.
Tanto sangue!
Um cientista canadense descobriu que o sangue das árvores poderia ser usado em transfusões com humanos.
Grande idéia!
Acabaram-se os problemas de falta de sangue em hospitais.
Tinha de todo tipo, inclusive os tipos mais raros.
Sangue de árvores salva vidas!
Até que um dia, alguém resolveu mostrar o outro lado da história.
Apareceu na TV uma filmagem horrorizante.
Naquele momento, onde o mundo estava começando a encontrar sentido novamente, alguém jogou um balde de água fria na felicidade das pessoas.
A filmagem tinha vindo de algum lugar abandonado por Deus, no meio da Amazônia.
Com uma imagem nítida, a filmagem mostrava o que seria um campo desmatado, por uma madereira ilegal.
Um imenso campo ensanguentado.
Vários e vários quilômetros de um holocausto ecológico.
Terror absoluto.
Quando a policia do meio ambiente chegou ao local, foi mais assustador ainda:
Sangue derramado em todas as direções.
E sangue fede. Imaginem milhares de pessoas exterminadas com uma moto-serra e você não consegue chegar nem perto da realidade.
Impossível segurar as emoções.
A imagem do desmatamento chocou milhões de pessoas no mundo inteiro.
Houve quem se perguntou por que antes um desmatamento nunca tinha chocado tanta gente.
Eu acho que é porque as árvores não sangravam ainda.
Os humanos são assim:
Mania de querer humanizar tudo...
Foi uma revolução no mundo.
Pela primeira vez, nações do mundo uniram forças para combater QUALQUER DESMATAMENTO.
Não se podia mais cortar nenhuma árvore no mundo.
E tudo aquilo que dependia de madeira – construção, marcenaria, transporte, caixas – teve que se virar com outros produtos. A construção civil sofreu um golpe do qual quase não se recuperou.
Toda madeira agora era neuroticamente reciclada. Claro, madeira processada do tempo em que as árvores ainda era apenas árvores.
Cortar lenha podia, mas apenas com madeira morta. Troncos caídos, que já não sangravam mais.
As ONGs estavam às mil maravilhas.
Haviam conseguido salvar as florestas do mundo inteiro. Mas na verdade, foram as árvores que salvaram a si próprias.
Os bancos de sangue do mundo inteiro estavam cheios. Quem diria... As árvores também acabaram salvando a vida de milhões de pessoas!
Na ONU, alguém até sugeriu que as árvores não fossem incomodadas nunca mais.
No comércio, novos substitutos foram sendo introduzidos – derivados de plásticos biodegradáveis, substitutos “verdes”, tudo para não agredir mais o meio ambiente.
E as pessoas foram aos poucos se tornando menos dependendo da madeira.
Difícil no inicio, mas o resultado era um mundo melhor e um futuro promissor.
Tudo porque, inexplicavelmente, as árvores começaram a sangrar.
E isso mudou o mundo. E mudou os humanos.
E a felicidade veio lentamente.
E o tempo passou. Parecia até que as árvores sempre tinham sangrado. Ninguém quase lembrava mais de uma época em que se cortavam árvores.
Tudo sempre tinha sido assim.
Foi aí que nós, cachorros, gatos, vacas e galinhas, decidimos que começaríamos a falar...

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