Os bárbaros estão chegando. Assim dizem os donos de bares da zona
estragada. E lá vem eles, pontuais. Longe de carregarem machados, chegam
trazendo barulho. Já cantam alguma música dos Móveis Coloniais de Acaju.
Sentam, depois de cumprimentar Pato, o dono da bodega. Já chega a primeira
garrafa.
Eles conversam. Trabalho, sexo e
comida. Como sempre, Adel vomita no meio fio. “Você tem que parar com isso”,
diz Lu lhe dando um soquinho no braço. E ele? Enxuga a boca e ensaia um sorriso
amarelo.
O vômito do Adel é a primeira
marcação da bebedeira. Depois dele, o homem pode beber quantas quiser. Nunca
estará tão alegre quanto já foi um dia. É inexplicável isso. Álcool não traz
serotonina, o hormônio da felicidade, no entanto lá está um bobão sorridente.
Para ele, estar rodeado de amigos num boteco pé sujo de uma rua mal iluminada é
a glória. Faltava apenas uma música do The
Doors para atingir o êxtase.
People are strange, when you're stranger/ Faces look ugly when you're alone...
A noite prossegue. A fumaça do
cigarro, as nuvens no céu. Tudo é tão envolvente, pensa Edna. Mas há algo a
mais aqui, algo que não se pode ver. Algo que não está nem na fumaça, nem nas
nuvens, nem nas estrelas – essa bijuteria do céu - , nem no fundo do copo. O
que é ninguém sabe. E precisa saber?
Edna apenas fecha os olhos e
aproveita o embalo enquanto o resto do mundo se acaba em fofocas e na risada
abre-alas do Adel. É por momentos como esse que vale a pena viver em um
cubículo cercado por baratas. É por momentos como esse que vale a pena VIVER.
Lu na volta do banheiro tropeça
numa das garrafas. A surpresa: no pé da mesa se avoluma um batalhão de garrafas
vazias. Ei, gente, vamos maneirar, diz. Lauro, o convidado e bárbaro eventual,
atenta para o prejuízo, mas é inútil. Ele não conhece o esquema. Cada um dá um
tanto e se mesmo assim ainda não dá, basta chegar perto do senhor ali da mesa
do canto e pedir uma ajuda. Presença constante no bar, o homem de bom coração e
bolso melhor ainda é um verdadeiro mistério. Simpático e bom de conversa, vive
ali emprestando dinheiro a todos. Já é conhecido como Caixa Econômica.
Hoje não precisou fazer um saque.
Há poucas horas do amanhecer nossos heróis vagam até o carro judiado pelo tempo
e partem para o covil mais próximo. No caso, seria a pousada dos pássaros.
Branca está com a chave e limpou a casa ontem. Está tinindo!
O maior problema é a bendita
escada. Alguém sempre fica pelo caminho, mas a regra da camaradagem assegura
que o bêbado que capotar será arrastado pelo bêbado que sobrou de pé. O mesmo
se aplica à escadas, felizmente para Adel. Lauro livrou-se dos óculos e carrega
uma latinha que ninguém sabe de onde surgiu. É a primeira vez que conhece este
recanto de Manaus.
A pensão é velha e acabada,
poderia jurar que já estava em ruínas, mas sob a luz da lua percebe um tom um
tanto vívido nesse prédio azulado. As árvores tocam as janelas, seja na rua ou
no pátio interior. A sombra dá medo, mas de dia deve ser muito lindo. Após
vencer a escada em silêncio, que é o mais importante diante da
encrenqueira vizinha do 302, os bárbaros chegam a sua merecida pousada. Uma
esteira no chão com lençóis: cortesia da Branca á Adel e Lu. Edna ficará no
sofá e Lauro na cama, junto com a dona da casa porque, afinal, tantos olhares
trocados não podem ser desperdiçados.