sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Amazonas Negro


Geralmente quando se fala em Amazonas a primeira figura que nos vêem á mente é a do índio. Sim, a presença indígena é grande na região, mas ela não é a única. A complexidade amazônica é enorme: na cidade de Manaus podemos encontrar japoneses, judeus marroquinos, sírios, libaneses, dentre tantos outros povos.
A presença negra no Amazonas, no entanto, é dada como quase inexistente. A historiografia demonstrou que isso não é verdade: apesar de nos tempos coloniais o trabalho compulsório indígena ser hegemônico em Manaus e Belém, os negros tiveram sua participação na história amazônica através da Companhia de Comércio do Grão Pará, fundada por Pombal justamente para fornecer escravos africanos á região.
Estes se concentraram mais no Pará, mas muitos vieram para o Amazonas, fugidos ou comprados por fazendeiros e comerciantes locais. Está claro que sua presença foi limitada, mas não inexistente, como se costuma pensar. Aliás, a escassez de escravos africanos na capital do Amazonas não significa que aqui a escravidão tenha sido mais branda. Se assim fosse, por que os escravos fugiam para o interior da floresta constituindo assim os mocambos? Ou por que tentavam fugir para outros estados?
Com a instalação da província do Amazonas, precisava-se construir uma capital á altura de uma grande província e como mão-de-obra nesse processo de remodelamento temos principalmente os indígenas e os negros. O governo provincial declarava-se insatisfeito com esses dois trabalhadores por sua indisciplina (ambos fugiam ou faziam "corpo mole" durante o trabalho, segundo os governadores) e tentou em vão incentivar a imigração estrangeira para o estado. Diante da falta de sucesso, o jeito foi apostar em Institutos de Instrução como o Instituto de Artífices do Educandos (esse voltado mais para os índios).
Com as grandes secas e a descoberta do valor da borracha, as grandes massas de imigrantes do Nordeste chegam na cidade e tanto o braço índio quanto o braço negro são ofuscados pelos novos trabalhadores que irão agora se embrenhar nos seringais e no remodelamento da Paris dos Trópicos.
Muitos autores nos revelam que tanto tapuias como negros foram alçados ao mesmo nível de marginalização: viviam nos igarapés, tinham má instrução e más condições de moradia e saúde. Essa população se formou á margem da cidade da Belle Epoque. O negro, mais ainda que o índio, foi colocado para debaixo do tapete de uma cidade que pretendia ser uma nova cidade européia. No entanto, a cultura negra se desenvolveu e se arraigou na cultura amazônica: basta lembrarmos do tambor de mina, da capoeira, do conhecimento da metalurgia, dentre tantas outras contribuições.
Movimentos que reconheçam essa contribuição em Manaus são recentes, se não me engano datam dos anos de 1970 através principalmente da ação do grande ativista Nestor José Soeiro. Como o movimento negro, a historiografia sobre o negro em Manaus é recente também, mas tem reservado ótimas surpresas e excelentes trabalhsos, que, espero, estão longe de acabar.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Rio 40 Graus



É hora de falar sobre um assunto marcante desse ano que está se acabando, talvez, para os brasileiros, um dos mais marcantes do ano: a guerra contra a violência no Rio de Janeiro.
Como historiador, não posso abordar o assunto sem antes dar um panorama histórico que desembocou nesse evento. Como carioca, sou impelido a não só dar meu depoimento e minha opinião sobre o assunto como também propor algumas soluções. Mas, daremos aqui um passo de cada vez; primeiro, um rápido painel histórico.
A violência existe em toda cidade grande e geralmente é fruto de uma série de fatores presentes na construção do espaço urbano, como as políticas públicas de urbanização. Caso clássico: o projeto urbanístico da cidade não contempla os grupos mais carentes da sociedade, pelo contrário, procura os esconder o máximo. Em Manaus, eles foram escondidos nos igarapés, no Rio nos morros. Mas, atenção, a marginalização urbana não determina a violência, é apenas um dos seus fatores mais gritantes; a proliferação da violência depende, por exemplo, das más condições educacionais e econômicas.
O Rio de Janeiro previsto pelo prefeito Pereira Passos era uma nova Paris, no entanto, para viabilizar seu sonho os pobres foram empurrados para os morros de onde surgiram as favelas. Favela, como se sabe, vem das favas, um tipo de feijão com gsoto de carne que eram plantados principalmente nesses morros por seus moradores. Seus habitantes costumavam vendê-las nas feiras na cidade, aliás, por causa das plantações no alto dos morros que veio o nome de uma das mais emblemáticas favelas da cidade, a Rocinha. Ou seja, tal fato demonstra que o morro e o asfalto estavam separados e ao mesmo tempo ligados.
Os imigrantes, principalmente do Nordeste, engrossam os barracões das favelas. A cidade, durante todo o século XX, por ser a capital, enche-se, melhor, incha-se. Mas esse inchamento não foi devidamente tratado pelas políticas públicas. Um grande exemplo pode ser a própria Cidade de Deus, construída para abrigar os moradores pobres do centro do então Estado da Guanabara que teriam suas terras originais tomadas para construir um belo condomínio residencial. Essa medida, diferente da de Pereira Passos (operada entre os anos de 1900 no Rio), foi feita nos anos 60 pelo governador da Guanabara Carlos Lacerda.
Correndo o risco de cair em generalizações, quase todos os governos cariocas parecem repetir a mesma atitude ambígua para com os morros: endossar sua ocupação e ao mesmo tempo desprezá-la. O morro deixou de ser tabu a pouco tempo. Na década de 30, quando o cineasta Humberto Mauro tentou filmar uma história sobre moradores do morro, foi preso e acusado de comunismo. Mesmo os diretores do Cinema Novo foram repreendidos pela própria população da cidade por mostrarem os morros em seus filmes, no entanto, eles contribuíram para a quebra desse tabu.
Os morros não representavam um perigo, apenas um inconveniente. Essa situação muda a partir dos anos 70 quando começam a surgir as primeiras organizações criminosas como o Comando Vermelho. Essas organizações, a partir dos anos 80, saem dos assaltos a bancos e entram em um negócio muito mais rendoso: o tráfico. Contudo, nesses primeiros anos, o Rio era apenas um entreposto comercial para a rota das drogas (a maioria ia para os EUA ou para a Europa). Mas pouco a pouco, a cidade passa a ser uma consumidora também, a tal ponto que o objetivo das drogas agora não são tanto os EUA, mas a própria cidade.
Agora, se me permitem, darei meu depoimento sobre a violência no Rio nos anos 90, porque foi neles em que eu fui criado. Na época não tinha nenhuma noção do que representava o tráfico, mas sabia muito bem associar as imagens dos bandidos e de seus ataques á violência. Na época sempre aparecia nos jornais o nome do Escadinha, um dos mais famosos membros do CV, responsável por uma fuga de helicóptero da cadeia de Ilha Grande. Além disso, haviam notícias sobre o Morro de Santa Marta a toda hora; muitas batidas policiais violentas foram documentadas ali. E havia ainda o espectro da Chacina de Vigário Geral. Mesmo não sabendo o que significava chacina já podia perceber que era uma palavra que mudava a expressão das pessoas instantaneamente.
Esses são apenas alguns casos dos quais me lembro, mas existem muitos outros que tomei melhor conhecimento hoje, seja por curiosidade, seja por histórias da família. Mas uma coisa é interessante: essas notícias, pelo menos na minha memória, vinham sempre acompanhadas de denúncias de corrupção por parte dos políticos locais. Era a época de Luís Paulo Conde, Marcelo Alencar, César Maia, Leonel Brizola, Garotinho. A política também não ficava atrás: o secretário de segurança do Rio, Nilton Cerqueira, se tornou folclórico por matar Lamarca e pela criação da "medalha Bangue-Bangue", uma premiação para o policial que mais bandidos matasse.
Esse triste painel que peguei em minha infância e que acompanho desde então produziu em mim, e não só em mim como na maioria das pessoas que conheço, a desilusão com qualquer tipo de mudança na política e sociedade da cidade. A corrupção já havia se enraizado no poder público e na polícia, a ponto de se tornar, como muitos analistas dizem, cultural. Onde o Estado não estava, crescia o tráfico e a violência. As organizações criminosas se proliferaram: ADA, Comando Vermelho, traficantes independentes. Além, é claro, dos grupos de extermínio, mantidos por policiais, e as milícias.
Nosso pessimismo dizia que uma mudança que viesse para solucionar o crime no Rio só viria quando a situação estivesse insustentável. A onda de violência em que a cidade mergulhou desde que as Unidades Pacificadoras da Polícia tomaram alguns bairros nos fez tremer, mas não imaginássemos que algo seria feito. Então, temos a tomada da favela do Cruzeiro e a imagem emblemática dos traficantes fugindo naquela estrada de terra. Logo depois a tomada do Complexo do Alemão. Confesso que tanques andando pela favela eram mais ou menos aquilo em que eu imaginava no dia que resolvessem acabar com o tráfico no Rio, tal o ponto de periculosidade e força atingira os traficantes.


A população cansada de guerra apoiava dessa vez os policiais e militares. Todos estão cansados desse status quo, de viver com medo, essa é a verdade. Nós tínhamos medo de demorar muito em nossas visitas aos parentes, preocupados em ser atacados por bandidos, policiais, quem quer que fosse. Toda semana notícias de mortes na Avenida Brasil, além das habituais vítimas, inocentes, nos tiroteios entre a polícia e os bandidos.
A tomada dessas favelas representou, especialmente para mim, um ato tão inesperado quanto o contato com extraterrestres. Recuperei um pouco da minha esperança nas mudanças, no entanto, minha desconfiança logo retornou. A imprensa mostrava uma luta do bem contra o mal, apareciam políticos discursando na tv sobre a necessidade de ser firme contra o crime. Alguns reconheciam que a tomada dos territórios do tráfico era apenas o primeiro passo. Concordo. O segundo passo é uma reestruturação desses territórios, tornar acessível educação e saúde á essas pessoas que sofreram tanto. O terceiro e o mais difícil seria uma reestruturação da própria política e da política, de forma a extirpar a corrupção de seus quadros. Ora sem esses dois passos o tráfico pode voltar facilmente, pois, não sejemos íngênuos, os traficantes foragidos ainda estão por aí e planejando.
Minha apatia, creio que seja algo que compartilho com a maioria dos cariocas, com a política e a polícia, me diz que o terceiro passo, e mesmo o segundo, estão muito longe de serem concretizados. Mas essa é uma hora para refletir nossos pessimismos, não só as atitudes do governo, mas de nós mesmo. Será que nossa apatia não permitiu a consolidação desse status quo também? Fica a pergunta.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

História Social

Hoje fala-se muito em História Social, mas uma definição precisa do termo é cada vez mais difícil de se dar.
Hebe Maria Mattos, em Domínios da História (Cardoso, Vainfas, 1997), diz que História Social em um primeiro momento era tudo aquilo que não fosse a história tradicional (factual, encomiástica, acrítica, polítca, etc), uma vez que tal conceito foi muito utilizado pelos fundadores e membros da Escola dos Annales. Desde então História Social e Annales são quase sinônimos.
Os Annales propunham uma história total e problema, preocupada em resgatar os demais aspectos da história (não apenas a política ou a economia, mas todas atuando em conjunto). No entanto, com o decorrer do tempo vários campos vão surgindo dentro da proposta dos Annales como a história das mentalidades, a história regional, etc.
A História Social tem suas problemáticas e métodos específicos. Hebe acredita que sim: seriam, respectivamente, entender como se formam e como interagem os diversos grupos sociais e, como métodos, a demografia, a história oral, a prosopografia, dentre tantos outros.
E como o Brasil está em termos de produção dentro da História Social? Ainda segundo a autora, nós estivemos e estamos em sintonia com a História Nova (mesmo que antes essa produção estivesse mais vinculada aos sociólogos e antropólogos e somente a partir dos anos 70 tenha vindo para as mãos dos historiadores).
Um aspecto interessante das questões criadas dentro da História Social, aliás um aspecto fundamental de toda historiografia, é o dilema sobre o protagonismo da História: ele cabe ás estruturas ou aos indíviduos? A pergunta está longe de ser resolvida, mas atualmente, guardada as devidas proporções, a maioria dos historiadores concordam que tanto os sujeitos históricos como as estruturas agem e interagem, sendo difícil especificar quem detém mais poder diante de todos os acontecimentos.

Referências:
CASTRO, Hebe. História Social. In:CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.

Fim de período

Antes gostaria de desculpar pela ausência. Á dois meses esse blog esteve tão ativo como uma cidade fantasma. Mas o motivo é interessante.
Além das provas habituais de final de período, tive que produzir algumas comunicações e apresentá-las, juntamente com meus colegas de equipe, como parte do projeto de extensão desenvolvido pela faculdade. O tema do projeto, creio já ter mencionado antes, é a presença negra e indígena no Brasil e na Amazônia. Em um primeiro momento, privilegiamos a historiografia e a presença negra (com a aproximação do dia 20 de novembro) através de uma apresentação na Semana de Consciência Negra da Uninorte e de uma apresentação na I Mostra Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extensão na Ufam. Agora, nosso trabalho é produzir um artigo sobre o tema para a revista da Faculdade.
Foi um período cheio e cansativo, mas muito produtivo e rico.
Agora está na hora de tirar um pouco da poeira desse blog.

Epistemologia

-A síntese á seguir é uma versão editada (é claro) de produtivas discussões numa mesa de bar, sexta-feira á noite:

O que é epistemologia? A resposta é um pouco complicada, no entanto, altamente necessária a qualquer pesquisador.
Digamos que você seja um cientista e seu objeto de estudo seja uma garrafa d’água. O modo como você vai analisar essa garrafa é o que chamamos de teoria. A epistemologia questionaria se a garrafa d’água pode ser apreendida e, se pode, como.
Em outras palavras, a epistemologia é uma parte da filosofia dedicada a pensar e repensar os princípios do conhecimento.
As principais perguntas da epistemologia são: como o homem é capaz de conhecer? O conhecimento é imparcial e objetivo? Se não é, como separar o que é verdade e o que é subjetivo? E uma das clássicas: existe a verdade?
Não preciso aqui nem dizer o tamanho da importância da epistemologia para qualquer ramo da ciência. Um cientista ou um pesquisador, antes de tudo, é um homem e deve conhecer os limites do que estuda e de si próprio; a reflexão oferece um bom caminho para essa tomada de consciência e a epistemologia é uma das melhores estradas em se tratando de refletir.