Já disse aqui que o pesquisador de audiovisual Arlindo Machado fez uma comparação muito feliz entre o mito da caverna de Platão com o cinema. Segundo essa comparação, tanto o cinema como a caverna são locais dedicados á reprodução de ilusões. Para continuar imerso na ilusão, muitas pessoas tentam se desprender mais ainda da realidade. Como? Ora, o cinema ser um local escuro, fechado e onde geralmente se pede silêncio encontra sua razão de ser exatamente aí. É o que um crítico francês chama de situação cinema.
Pesquisando a imprensa taubateana me deparei com um grande defensor da situação cinema: Cesídio Ambrogi (1893-1974), um dos maiores nomes da intelectualidade taubateana do século XX (sem exageros). Cesídio, como todo intelectual do período, tinha como sua fonte de renda, a colaboração nos periódicos e jornais e foi justamente em um desses, onde mantinha uma coluna periódica chamada Reticências, que lhe encontrei comentando a chegada do cinema falado em Taubaté.
O escritor critica a presença do som nos filmes, pois assim ele quebra todo o poder de sugestão do filme. Agora os espectadores não precisam mais pensar no que os atores falaram. Além disso o próprio som distoa do poder hipnótico das imagens, muitas vezes se sobressaindo sobre elas. Isso quebra a ilusão do filme, diz o escritor. Enquanto o escritor via o som como fator desestabilizador da situação cinema, outro articulista, no mesmo exemplar (na coluna do cine Politeama, Écran), diz que o que era bom melhorou, mas ainda temos que dar conta de um problema que surgiu com o cinema falado; o telespectador-tradutor, aquele homem que assopra para os colegas de poltrona o que o ator falou (nessa época não existia dublagem), interrompendo com o próprio fluir do filme.
Na edição seguinte, o articulista de Écran comenta a coincidência. Diz que Cesídio, com sua sensibilidade de poeta, enxergou algo muito profundo e considera que o que importa é que o filme seja bom, falado ou mudo.
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