domingo, 29 de julho de 2012

Manaus


Amanhece. Com aquele sol de meio dia para o caboclo tomar vergonha na cara e levantar da cama. A não ser que o safado tenha ar condicionado. Aí o astro rei se ferra.
O fato é que o dia começou. A cidade acordou. Pessoas vão pro trabalho, pessoas chegam do trabalho. Outros vão atrás de oportunidades. Com sorte entrarão em regime de semi-escravidão (ou trabalhar no distrito para os leigos) ainda essa semana.
O tempo passa, as ruas incham. Calçadas? O que é isso? Talvez você ache algum pedaço delas debaixo dos barraquinhas de camelô, mas não garanto nada. No terminal, elas já sumiram no universo de pés agoniados e buracos serenos.
A atendente da loja quando não cobiça o vestido, deseja a balada. Entra o cliente bem apessoado e o roll de sonhos (im) possíveis muda. As ruas se movem. Tudo é uma questão de perspectiva. Para o mendigo caolho as pessoas e os carros não passam de manchas ligeiras.
O movimento agora é de garfos e colheres. Os restaurantes são tomados por hordas de famintos apressados. O tacacá logo some diante da inconveniente combinação dos ponteiros do relógio de parede.
É a vez da tarde reinar soberana. Ela e a sinfonia das buzinas: engarrafamento. O motoristas de ônibus espuma de raiva. Já foi fechado por quatro carros, uma kombi quase bateu na traseira e pegou um sinal quebrado logo no cruzamento de duas avenidas. Suor pingando no rosto, as costas latejando. Não fosse a conversa indecente com o cobrador estaria louco. A senhora do primeiro banco, se agarrando para não tombar com as curvas, se pergunta se ele já não está.
Na janela, Manaus passa. Vieiralves é só vitrines. Cidade Nova pulsando vida entre o grito do vendedor e o forró no último volume. Na Bola do Coroado, quem diria, um totem á um mamífero político. Praça 14, no meio de tantas autopeças, ainda tem lugar pra um sambinha. E o Morro também!
O urbanista, segurando um copo de uísque e uma caneta, enxerga a cidade do seu apartamento como um corpo. Um corpo de mulher: sedutora, espontânea, passional. Mas ele leva a metáfora á sério: Onde estará o coração dessa cidade? No centro ou no distrito? Meu amigo, uma coisa é certa: o sangue dessa cidade está por toda parte. Nas veias dos braços que a sustentam, do rosto corado daqueles que a roubam e eventualmente derramado no chão por uma confusão qualquer.
Para o universitário o coração da cidade está nos bares e botecos. Ele, dentro da faculdade, é tentado pelo caos alegre e perturbador das ruas. Consegue ouvir as buzinas? E o riso fácil das meninas? Mas o bolso vazio estraga o gozo.
Os papagaios já saíram do céu e agora o palco é das estrelas. Algumas delas também estão no Largo São Sebastião cantando. Do Educandos, Manaus vai se transformando em um enxame de vaga lumes. A rota traz os exaustos voltando do inferno de cada dia. Os barcos estão descansando. Os carros gostariam de estar.
Por mais que o sono esteja pesado a cidade não dorme, apenas dá essa impressão. Um olho fechado e o outro só espiando. Há sempre o que fazer. Seja no bar, no carro, no ponto ou em casa.
As noites tropicais são o maior patrimônio de Manaus. Esse misto de sensualidade, melancolia e imaginação que emana da cidade. A lua contribui muito com isso. Aliás, o céu todo. As nuvens brincam com suas formas. A penumbra mistura ruínas, novos templos ao progresso e velhos servidores da miséria num caldo que daria uma boa letra de blues. Ao mesmo tempo, aquela magia intrínseca parece iluminar os recantos, como se a Cobra Grande ou Boto pudesse dar as caras a qualquer momento.
A cidade sonha. Sonhos de beleza e esperança. Se realizarão? O tempo dirá. E se ele não disser? Fazemos como sempre fizemos: esperamos a coisa melhorar. A espera: outro patrimônio manauara.

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