quarta-feira, 11 de julho de 2012

1932: O Vale vai á Guerra


"Revolução Constitucionalista de 1932". Eu prefiro o termo revolta ou guerra ao invés de revolução, como já expliquei aqui antes. Revolução implica uma mudança total na ordem social e 1932 pode ter inspirado medidas democráticas por parte do governo federal, mas não impediu que Vargas decretasse o Estado Novo. Em relação á própria "Revolução de 1930" também tenho minhas dúvidas, já que o que os revoltosos conseguiram fora destruir o arcabouço jurídico administrativo da República Velha e não as oligarquias estaduais que dele se utilizou. Assim o peso das mudanças era menor e se concentrava nas cidades, enquanto no interior o governo negociava com os donos do poder.
Mas voltando á 1932, seria essa uma revolta de caráter plenamente democrático? Na minha opinião não. São Paulo tinha um projeto político, gestado ainda durante a República Velha, de ser hegemônica - por conta da sua economia cafeeira e industrial. Com a ascensão de Vargas esse projeto foi frustrado. O estopim para a revolta veio com a morte dos quatro estudantes em uma manifestação anti-varguista.
O brasilianista Stanley Hilton afirma que a Guerra Constitucionalista de 1932 foi uma manifestação da elite que ganhou as massas. Essa elite seriam os velhos oligarcas, os empresários industriais e os profissionais liberais que antes tinham se dividido em dois órgãos políticos nos anos 20 (de um lado, o conservador Partido Republicano Paulista e do outro o liberal Partido Democrático), mas que se uniram novamente na Frente Única Paulista quando se sentiram ameaçados.
O seu discurso apelava para a democracia e para a Constituição, mas havia nuances mais obscuras nesse emaranhado de motivos para se fazer uma guerra contra o governo federal. Alguns apelavam para o regionalismo paulista que durante os anos iniciais da República tinha flertado com o separatismo, outros já se agarravam ao anticomunismo, como Ibrahim Nobre, enxergando em Vargas um líder bolchevique e não um demagogo populista.

O povo paulista entrou nessa guerra pelos mais variados motivos também: seja para defender os ideais liberais, regionalistas, separatistas ou mesmo anticomunistas, seja para se alimentar (a Casa do Soldado fornecia um rango para quem se alistasse) ou mesmo para provar a sua virilidade (Mário de Andrade lembra que aqueles que não iam para o front eram ridicularizados como maricas pela maioria da população).
Quanto á Taubaté, a adesão á causa constitucionalista se fez sem maiores mistérios. Primeiro, a cidade, ao contrário de São Paulo, estava em decadência por conta das crises do café e já clamava por políticas de valorização do produto há bastante tempo. Segundo, nesse contexto, o regionalismo local, que já era grande durante a virada do século (a elite taubateana tinha um certa rivalidade com a oligarquia paulistana por se acreditar ser mais tradicional e legítima que aquela), aflora em discursos contrários á diretriz centralizadora de Vargas. 
No discurso oficial aparece uma Taubaté unida por sentimentos de honra que deseja mais uma vez ser a vanguarda cívica do país libertando-o da ditadura varguista. O interessante é que algum tempo antes os ataques entre os setores mais conservadores, os chamados costistas (curiosamente ligados ao setor mais liberal da política, o Partido Democrático), e os mais liberais, liderados por Félix Guisard (esses filiados ao PRP) tomaram uma proporção enorme. No entanto, diante da ameaça externa, estas duas facções da elite local se unem. Essa seria a prova maior de que na cidade não havia lutas fratricidas e, mais ainda, luta de classes.
Até que ponto o povo comprou a Guerra de 1932 em Taubaté? Não sei dizer. Maria Cristina Soto acredita que a maioria da população tenha ficado indiferente, tanto que após a confirmação da derrota da causa paulista não houve qualquer manifestação popular espontânea na cidade. Mas é sempre bom nunca subestimar o poder do clientelismo e da doutrinação: e se alguns foram lutar por conta de favores ou pela força do regionalismo? Isso só uma pesquisa pode dizer.
O certo é que Taubaté participou do conflito de duas maneiras: fornecendo apoio logístico e humano e propagando a "causa paulista". Do primeiro ponto de vista, temos a cidade se transformando em base dos constitucionalistas, cedendo alguns prédios e espaços para os soldados e voluntários. Concedendo recursos para os batalhões ou para as mulheres dos soldados. E, é claro, formando seus próprios batalhões também. O mais famoso foi o Batalhão Jacques Félix, idealizado por Joviano Barbosa e Juvenal Machado, dentre outros. Este corpo militar veio a se unir ao Vigésimo Quarto Batalhão de Caçadores comandado pelo coronel Veiga Abreu que participou de uma vitória em Cunha contra as forças legalistas.

No segundo ponto de vista, temos a imprensa divulgando as notícias que recebe de São Paulo. O rádio já era um instrumento utilizado na capital paulista há muito tempo como forma de propagar o ideal constitucionalista, mas em Taubaté a radiofusão ainda era insipiente. O maior veículo de comunicação ainda era o jornal. No entanto, as redações sofreram alguns problemas, como a escassez de papel para as impressões. Ainda assim, continuaram funcionando.
A Revolta Constitucionalista é um assunto importantíssimo para o Vale do Paraíba, pois foi nele que as maiores batalhas foram travadas. Se em São Paulo se encontrava o epicentro do conflito, foi no Vale do Paraíba e em algumas partes do Oeste Paulista que ele se desenvolveu. No entanto, pouco se sabe ainda sobre como isso se deu aqui. O que se sabe são dados superficiais sobre as batalhas. Onde está a memória dos voluntários? Não só os voluntários famosos, mas os comuns. Onde se está a dinâmica interna dos municípios? Quer dizer que a disputa política foi suspensa no meio tempo em que a guerra ocorreu? No caso de Taubaté, costistas e perrepistas se reconciliaram de fato mesmo? E em relação a todos aqueles que não apoiaram a causa: Foram presos? Quais eram seus argumentos?

Falta vasculhar mais a memória do Vale sobre a Revolta Constitucionalista de 1932. Não só pelo heroísmo, mas pelo compromisso com a verdade e a História. É preciso compreender antes de glorificar. Silêncio, esquecimento e conjecturas não bastam. Além disso, até agora só temos visto o conflito do ponto de vista político. Será que não houve consequências na cultura vale-paraibana? Enfim, o número de perguntas e possibilidades de perguntas portanto é enorme, ouso arriscar que quase infinito. Esse pode ser um tema polêmico, mas pelo menos parece ser um assunto que está longe de ser esgotado.

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