sábado, 7 de abril de 2012

O Grande Invencionista!


Na minha coleção de livros favoritos está O Coronel e o Lobisomem. Depois de duas adaptações para o cinema e várias minisséries, esse ainda é um livro desconhecido, ao meu ver, para muitos. Mesmo os que o conhecem pelo cinema ou pela TV não entraram em contato com o melhor do livro: a sua linguagem.
José Cândido de Carvalho, o autor, é genial ao inventar um monte de palavras plausíveis e criativas e ao incorporar o modo de falar do pessoal da roça. No final das contas, é quase um depoimento, não fosse o protagonista ficcional.
O coronel Ponciano de Azeredo Furtado pode ser de faz de conta, mas se torna quase de carne e osso na medida em que lemos. E que personagem fascinante! Cheio de si, mas sem ser arrogante demais. Entendido em boemia, roça e assombrações, dentre outros "capetismos". Aliás, o lado sobrenatural mereceria um artigo á parte. Não sabemos se o universo de O Coronel e o Lobisomem é fantástico mesmo ou não, uma vez que estamos nos amparando nas palavras do coronel Ponciano que, como bem sabemos, gosta de exagerar aqui e ali.
O livro já figurou dentre a lista de obras de realismo fantástico tupiniquim e dos tradicionais círculos do regionalismo brazuca pós-1945 (ao lado de Grande Sertão Veredas, por exemplo). Não sei se a obra pode ser enquadrada como fantástica, por conta desse ponto de interrogação que o livro carrega, mas em se tratando de ser regionalista isso não se pode negar. E é o regionalismo do interior do Rio de Janeiro, uma região do Estado que foi negligenciada pela literatura carioca que se concentrava mais no espaço urbano.
O tempo da história é difícil de precisar, mas provavelmente se encontra nos primeiros anos do século XX. Ponciano atravessa momentos difíceis, mas não estava só: o coronelismo durante a República Velha estava decaindo, quem pode se segurar no jogo de interesses estaduais se salvou... por algum tempo. A cidade já o cativava: os cabarés, os bailes, as ruas, tudo. Era o esplendor urbano da Belle Epóque. Lá Ponciano tentava fazer novos investimentos ou garantir suas velhas posses com ajuda de seus amigos Fontainha e Pernambuco Nogueira. No campo, em contraposição ao coronel surge o homem engravatado, o burocrata que toma as terras, gente como o odioso Jordão Tibiriçá.
O coronel pode ser um pouco prepotente, mas o cobrador de impostos consegue ser mais autoritário ainda e, pior, indiferente. Enquanto Ponciano pauta suas relações com base nos seus valores morais, Jordão (e Pernambuco) são oportunistas clássicos, possuindo poucos ou quase nenhum escrúpulos. Aqui a pergunta pode surgir: o livro é uma apologia ao coronel? Talvez sim. Creio que na verdade seja uma apologia maior ao campo. Cândido Carvalho nasceu em Campos, sua família tinha um engenho lá, mas passou a maior parte da sua vida na cidade, em serviços burocráticos. Sua visão sobre o passado pode ter romanceado a vida na roça, isso é comum.
Aliás, um dos motivos que me fizeram adorar o livro é justamente esse saudosismo. Criado por uma família que vinha da roça (não do interior do Rio, mas do Espírito Santo), a história de Ponciano tinha todos os elementos que ouvi nas histórias de quando era criança: o campo, os lobisomens, o coronel, etc. Além disso, Ponciano me lembra muito dois grandes contadores de histórias que fizeram a alegria da minha infância com seus causos. Por mais que eu tente fazer uma análise fria desse livro não consigo escapar desse fundo sentimental. Mas já me conformei com isso: não devemos nunca subestimar o lado afetivo de nossas escolhas.
E é interessante que através desse livro enxergamos como essa a vida na roça pode ser muito mais rica do que pensamos: ali está uma religiosidade peculiar, uma série de trabalhos diversos, personagens interessantes, gírias próprias e até entidades especiais. Dentre elas, o lobisomem. O antagonista de Ponciano, que na verdade não é apenas um, mas vários. Ponciano é como se fosse um herói local, livrando a cidade de onças, ururaus e lobisomens. Mas no final é um simples cobrador de impostos que o faz beijar a lona.
Acabo de cometer um pecado capital: contar o final da história. Mas não se preocupem: o final é muito mais que isso. Garanto que se o lerem se surpreenderão mais ainda. A morte de Ponciano é como sua vida: surpreendente, ambígua e folclórica. Meu último conselho: leiam e descubram o que esse grande invencionista das palavras tem a dizer sobre mulheres, sabiás, lobisomens e cachaça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário