sábado, 21 de abril de 2012

Entendendo a ordem urbana


Na última quinta-feira, dia 19 de abril, tive a oportunidade de participar de uma palestra da Prof. Msc. Francisca Deusa Costa. Convidada para falar aos alunos do quinto período sobre sua tese "Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana", ela foi super-simpática e atenciosa á todos os questionamentos feitos após a sua explanação.
Eu, que entrei de penetra, não poderia deixar de comentar aqui alguns pontos da sua fala. Boa parte dela foi dedicada a explicar quais os caminhos que lhe levaram a chegar a esse tema: da mudança de tema á discussão teórica, da pesquisa empírica á construção da dissertação. Em suma, essa parte foi muito esclarecedora para os alunos do quinto período que agora estão começando a delinear seu projeto de pesquisa.
Mas hoje focarei aqui os aspectos relativos á sua abordagem de Manaus do ponto de vista do trabalhador urbano. Segundo a professora, inicialmente seu estudo falaria especificamente sobre os trabalhadores urbanos, mas graças á sugestão da historiadora Déa Fenelon ela pode perceber que os atores sociais não estão dissociados do espaço em que vivem. O espaço em que habitam também são construções sociais. Existem muros invisíveis para o trabalhador, construídos tanto na Belle Epóque como hoje: lugares onde ele é proibido de entrar não por conta de uma lei oficial, mas de uma regra social.
Quanto á historiografia, a Profa. Francisca Deusa foi influenciada pelo momento em que a universidade passava por estas bandas: do ponto de vista nacional, havia o interesse em demonstrar a contribuição do Amazonas para sua formação, do ponto de vista local, a intenção era revisitar as épocas consagradas da nossa história, revelando atores sociais que foram marginalizados pela Belle Epoque. Nesse último aspecto, nossos pesquisadores encontraram na historiografia neo-marxista uma ferramenta muito útil. O principal nome dessa tendência é o nosso já conhecido E.P. Thompson, o historiador britânico que elege como conceito fundamental para entender como as classes sociais adquirem sua consciência a noção de "experiência". Em outras palavras, o trabalhador se forma enquanto classe, toma consciência de sua condição, com a experiência, com o que vai acontecendo no seu cotidiano.
Thompson não está preocupado em falar do trabalhador engajado, dos líderes do movimento operário, mas no trabalhador comum, que compõe a maioria da classe trabalhadora. Com o neo-marxismo, a resistência explícita deixa de ser a única importante para o estudo. A resistência implícita, aquela que á primeira vista parece fútil e fundada em interesses imediato, adquire importância. Ela é vista como um passo para a formação da consciência de classe.
E é essa resistência implícita que Francisca Deusa encontra no processo de urbanização de Manaus. Enquanto outros estudos, como o de Edinéia Mascarenhas, revelam a segregação espacial que as classes trabalhadoras sofreram, Francisca Deusa, sem negar isso, demonstra que muitos conseguiram burlar o rígido Código de Posturas que ajudou a expulsar as classes mais pobres do centro da cidade. Como? No Código de Posturas havia um padrão a ser seguido de muros e fachadas para as casas do centro, padrão que lembrava muito as construções de Paris. O que muitos proprietários faziam? Respeitavam o Código quanto ás fachadas, mas não em relação ao resto da casa: assim temos cortiços imensos com fachadas belíssimas.
Era nesses cortiços que a maioria dos trabalhadores urbanos de Manaus viviam. Ora, a maioria deles vinha de fora do Estado, basta lembrarmos que estamos falando do boom da borracha, que atraiu para a Amazônia massas de imigrantes, a maioria de nordestinos. Eles viviam no centro da cidade, ainda que em condições precárias, mas isso só já significa uma resistência á esse processo modernizador excludente.
Enfim, há muito ainda que ser dito, que refletir, dessa produtiva palestra, mas por ora ficaremos nestas observações que demonstram a grande contribuição da Profa. Francisca Deusa Costa para a História Social do Trabalho no Amazonas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário