Assistindo novamente ao filme Narradores de Javé acabei achando um fato bem interessante. Em dado momento do filme se fala em "terreno de divisas cantadas". O que é isso? Na falta de documento ou de cerca, a demarcação das terras de Javé era feita com base no canto: "De tal lugar até a pedreira é terra de fulano de tal..." Como garantir a posse da terra? Ocupando e cultivando o local. Se alguém chegar depois e cantar as divisas de um terreno já cultivado, sua cantoria não tem valor algum.
Por que isso é interessante? Para nós pode parecer exótico, uma vez que vivemos sobre a presença dos documentos. O que não pode ser documentado para nós logo não existe. Esse nosso fetiche pelos documentos nos leva a desconsiderar a cultura de outros povos que não se baseiam neles. Os povos indígenas, por exemplo, a maioria deles são cultura ágrafas, ou seja, sem escrita. A fala é o que predomina. Em muitas nações africanas acontece a mesma coisa. O contador de histórias ou griot, como os africanos o chamam, são quase tidos como pajés, pois eles guardam na memória as antigas histórias de certa comunidade ou de certa família.
O mundo da oralidade, para nós que crescemos e vivemos numa sociedade onde a cultura escrita é poderosa, parece muito frágil: afinal, se a história de uma vila está toda concentrada na cabeça de um indivíduo isso tudo pode sumir se acaso um dia ele morrer sem repassar a história para alguém. É verdade. A palavra falada tem seus perigos, mas a palavra escrita também não está longe de ter limitações parecidas. Ora, documentos podem ser roubados, extraviados, destruídos pelo mofo ou pelo bolor.
Enfim, a escrita não é superior a oralidade, nem vice-versa. São formas diferentes de se expressar. E só.
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