quarta-feira, 11 de abril de 2012

Cante lá que eu canto aqui...

Assistindo novamente ao filme Narradores de Javé acabei achando um fato bem interessante. Em dado momento do filme se fala em "terreno de divisas cantadas". O que é isso? Na falta de documento ou de cerca, a demarcação das terras de Javé era feita com base no canto: "De tal lugar até a pedreira é terra de fulano de tal..." Como garantir a posse da terra? Ocupando e cultivando o local. Se alguém chegar depois e cantar as divisas de um terreno já cultivado, sua cantoria não tem valor algum.
Por que isso é interessante? Para nós pode parecer exótico, uma vez que vivemos sobre a presença dos documentos. O que não pode ser documentado para nós logo não existe. Esse nosso fetiche pelos documentos nos leva a desconsiderar a cultura de outros povos que não se baseiam neles. Os povos indígenas, por exemplo, a maioria deles são cultura ágrafas, ou seja, sem escrita. A fala é o que predomina. Em muitas nações africanas acontece a mesma coisa. O contador de histórias ou griot, como os africanos o chamam, são quase tidos como pajés, pois eles guardam na memória as antigas histórias de certa comunidade ou de certa família.
O mundo da oralidade, para nós que crescemos e vivemos numa sociedade onde a cultura escrita é poderosa, parece muito frágil: afinal, se a história de uma vila está toda concentrada na cabeça de um indivíduo isso tudo pode sumir se acaso um dia ele morrer sem repassar a história para alguém. É verdade. A palavra falada tem seus perigos, mas a palavra escrita também não está longe de ter limitações parecidas. Ora, documentos podem ser roubados, extraviados, destruídos pelo mofo ou pelo bolor.
Enfim, a escrita não é superior a oralidade, nem vice-versa. São formas diferentes de se expressar. E só.

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