sábado, 7 de abril de 2012

O Paradoxo do Grande Inquisidor


Jesus Cristo escolheu voltar á Terra no tempo da Inquisição. Andando pelas ruas de Sevilha, logo é reconhecido pelo povo. Eis que surge o grande inquisidor, um senhor de noventa anos, que por alguma razão sabe que aquele homem barbudo, diferente de todos os outros beatos que prendeu e queimou, realmente é o Salvador. Mesmo assim manda que ele seja preso.
Á noite, na prisão, Jesus é visitado pelo velho sacerdote que explica o seu ato: Ele tinha que ser preso, pois do contrário destruiria toda a Igreja e a Humanidade entraria no caos. Ora, a mensagem maior de Jesus é de que somos livres, mas os homens não estão preparados para serem livres. Por isso a Inquisição existe e por isso tantas pessoas seguem cegamente o que a Igreja diz. Se Cristo lembrasse aos seus fiéis de então isso, eles entrariam em crise, pois são felizes assim, não tendo que conviver com o dilema de escolher o melhor caminho porque os sacerdotes farão isso por eles.
Essa história não é minha. Ela pode ser encontrada no livro Irmãos Karamazov do escritor russo Fiodor Dotoiévsky. Faz parte de um poema que um dos irmãos criou. O sentido do poema é demonstrar que as religiões são mentirosas, que elas são placebos para amenizar a dor de ter de fazer as suas próprias escolhas. Esse era o sentido que o autor do poema, o cético e intelectual Ivan, queria passar (essa é apenas a visão do personagem e não do autor; Dotoiévsky era cristão ortodoxo devotíssimo).
Essa história me lembra uma frase famosa do pensador francês Paul Claudel que é mais ou menos assim: "A maior lição do Cristianismo não é de que Deus nos protegerá, mas que Deus confia em nós". Por confiar em nós nos concedeu o livre-arbítrio. Para que não fossemos condenados por nossos pecados fez com que seu Filho morresse na cruz. Resumindo, o amor de Deus por nós é tão grande que nos presenteou com a liberdade.
No entanto, como uma religião de amor e paz pode ser capaz de conceber a Santa Inquisição? Um dos argumentos do velho inquisidor é de que tudo o que Jesus falou era muito bonito na teoria, mas na hora de ir para a prática as coisas deveriam mudar. O homem não estaria preparado para ser livre. A Igreja deveria tutelá-lo até ele estar pronto. E nesse caminho ela desandou também, uma vez que ela também é feita por homens, como todos os outros falíveis.
Chamo isso, essa desvirtuação, de Paradoxo do Grande Inquisidor. Por mais pacífica que for a religião ela pode estar passível de desvirtuar o seu caráter, já que ela é passível de errar (afinal, são homens que a administram). O que impede isso? A renovação da sua mensagem original. É preciso fazer o que o Grande Inquisidor não fez: reencontrarmos com Jesus. Ouvirmos suas palavras de novo, como se fosse a primeira vez.
Qual o maior símbolo da renovação da mensagem cristã que a própria Páscoa? A ressurreição de Cristo, simbolizando o desafio á própria morte. O esquecimento também pode ser uma forma de morrer. O esquecimento é o túmulo dos ideais. Deixo como proposta para vocês a renovação não só da vida, que a mensagem de Cristo traz, mas a renovação da própria mensagem.
Antes de ir devo contar o final da história do inquisidor: o velho e sisudo sacerdote conta todas as razões que o levaram a prender Cristo, mas no fim decide libertá-lo. Sua prisão será o bastante para convencer o povo de que era mais um falso messias. O liberta para que vague pelas ruas como um mendigo. Se voltar a atiçar seus fiéis, será preso novamente. Jesus sai da cela, mas antes de ir embora dá um beijo na testa do inquisidor e diz o seguinte senão me engano: "compreendo tudo o que você disse, mas ainda assim meu amor é mais forte."

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