quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Anotações diplomáticas: Admirável e bizarro mundo novo

Já faz quatro semanas lacônicas que estou aqui. Não me pergunte quanto equivale isso em horas terrestres. Estou mais confuso que um meteorito no meio de uma supernova quando se trata de fuso-horário. Acho que tenho um funcionário só para isso, para converter as semanas em horas para mim, não sei ao certo.

Nosso efetivo é de apenas 200 pessoas, mas os andróides. Ainda assim parece que existem duas mil pessoas por aqui. São tantos cargos, tantos funcionários. Os que mantenho mais contato são a minha secretária, Zeth, e o meu assistente especial, Clor Denzy. Ah, há ainda o Sr. Zanda, assessor da divisão de segurança. Ao que me parece seu trabalho se resume em avaliar o grau de periculosidade de cada ação da embaixada. Em meu trabalho nunca ouvi dele mais de duas frases. Ao contrário de Denzy, um falador de primeira. Sempre me dizendo o que fazer. Bem, é o trabalho dele, mas ás vezes me irrita.

Você deveria ver o lugar. É exatamente o contrário do que imaginávamos quando crianças. Laconica não é um deserto ou uma toca escura, mas uma enorme planície coberta por uma floresta colorida. A capital, Vetlavia, lembra uma coleção de cumpinzeiros. Rústico por fora, avançado por dentro. Debaixo da camada de terra estão estruturas metálicas e uma espécie de tubulação biotecnológicas que regula o clima de cada "andar".

Quanto á eles... Me surpreendo a cada dia. São como suas enganadoras torres de barro: sua aparência é em tudo brutal e aterrorizante - os olhos vermelhos, os dentes saltando da boca, as corcovas, as garras, etc. No entanto, são espertos. Teríamos perdido a guerra se continuássemos subestimando sua inteligência.
Sejamos justos, a maioria da população, pelo que tenho percebido, não é tão maquiavélica quanto seus superiores, os generais e sacerdotes. Essa massa está mais preocupada em sobreviver que dominar outros planetas.

São divididos assim: galangues (rebanho, na sua língua) e galanguos (pastores). Dentre os galanguos, temos os "pastores" que defendem o rebanho (os alahus, que se assemelha á nossa classe militar) e os "pastores" que direcionam o rebanho, se encarregando dos negócios e dos deveres espirituais (os alahis, um misto de burocrata com sacerdote).

Sim, eles tem uma religião. Parece estranho a ti que estes lagartos tenham um deus? A mim, também. E não tem um, mas vários. Cada um representa um ancestral de uma casta. Só os alahis falam com eles. Há os ancestrais que se comunicam com os guerreiros, mas sua mensagem só pode ser decodificada pelos alahis. Percebe-se uma certa rivalidade entre estes dois grupos.

Conheço poucos reptilianos. Até agora tenho falado mais com o general Sargossa, chefe de alguma repartição de relações exteriores ou coisa assim. É um animal imenso. No mínimo deve ter 2 metros de altura. Sem o decodificador vocal, seus grunhidos me matariam de medo. Mas graças a tecnologia nosso assustador amigo de sangue frio ganha a voz de um senhor de meia idade. Há uma coisa sobre os alahus que salta á vista: uma espécie de liga de metal que deixa seus pescoços eretos e a impressão de que estão permanentemente em posição de sentido. A cada posto alcançado ela ganha mais inscrições em suas laterais. Suponho, pelo pescoço de Sargossa, que com cinco linhas temos um general.

Sargossa tem sido o meu cicerone nessa terra misteriosa. Em todos os eventos em que participo, lá está ele. É uma criatura muito interessada com nosso comportamento, principalmente com o que chamamos de humor. "Na minha cultura mostrar os dentes é sinal de afronta, na sua é de felicidade. Não compreendo". Contei-lhe uma piada sobre polvos e conchas uma vez. Ele não entendeu. Então pude constatar que não há nada pior do que explicar uma piada. Acho que o traumatizei com o humor terrestre. Aos comediantes humanos, minhas sinceras desculpas.

Há um outro réptil com o qual tenho muito contato. Infelizmente... Chama-se Mararh. É um alahi, comanda um dos milhares gabinetes de seu império. Parece estar me testando a todo momento, assim como Sargossa. Mas o general me testa de uma forma diferente. Ele julga minha cultura e moral, já Mararh avalia minhas, nossas, intenções financeiras. "Por que uma missão de paz precisa de uma divisão de segurança?" "O senhor deve produzir muitos relatórios, a julgar pela quantidade de eventos de que participa...", etc...

Ele me lembra um colega dos tempos de intendente. Um homenzinho infeliz que vivia contabilizando todo tipo de material dos escritórios e que ao menor sinal de sumiço de algum clipe ou caneta fazia um pequeno interrogatório com cada funcionário, desde os políticos até os zeladores. Era um grande cínico. Seu xará réptil não fica muito atrás.

Mararh, além de tudo, é ridículo. Usa um manto branco que começa na altura do pescoço Lembra um monge ou talvez um juiz que se tornou um sapo repentinamente. A gola do manto parece a um ponto de asfixiá-lo, já que fica justa no seu papo enorme. Acho que já deu para você perceber que eu o odeio. Os outros alahis, até onde eu sei, não são tão detestáveis assim.

Demora a se afeiçoar ou a odiar algumas dessas criaturas. Sua face escamosa não demonstra nenhum tipo de sentimento, muito menos a voz artificial. Mas você descobre quando estão com raiva ou alegres pela respiração e o movimento dos olhos. Pupilas dilatadas é sinal de tranquilidade. Respiração ofegante com pequenas tosses "encatarradas": nervosismo ou fúria. A melhor hora do dia para se irritar um reptiliano é durante a aparição do segundo sol, mais forte que os outros dois. Eles ficam em estágio letárgico.

Por falar nisso, estou quase como eles. Mas não pelo mesmo motivo. O calor não me fortalece, pelo contrário, quase me derruba. Você sabe, odeio calor. Vou terminar por aqui, pois em breve, com a ascensão do terceiro sol, vou começar meio expediente novamente. Como vão as meninas? Mande notícias!  Continuarei escrevendo, é só me aguardar.

Ósculos sinceros do seu amor.


Sr. Eli Muhair
Palácio Polanza, Laconica - Setor Norte.
21 rpm, 1.023 após o Cataclisma.

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