-André, André...
Mineiro abria os
olhos e se deparava com o irmão. Na escuridão do quarto, lá estava ele,
encostado na janela. Se assustou, mas continuou na cama. Não soltou um pio.
Esperou a visagem dar o primeiro passo.
-Você não vai fazer
nada?
Na sombra, o irmão
falecido se dissolvia. André enxugava os olhos, mas continuava olhando para a
janela. Talvez ele voltasse.
Uma piscadela e já
era de manhã. Enquanto se arrumava para ir procurar emprego, as palavras do
irmão ecoavam em sua cabeça. Assim como a sua morte mal resolvida.
Semana passada sonhou
com a cena. Um rapaz correndo (seu irmão). Um beco. Um revólver. Um corpo.
Mineiro sempre foi
quieto, mas agora está quase mudo. Ninguém sabe quem silenciou seu mano. O pai
tem quase certeza que foi um policial e amaldiçoa essa classe todo dia. A mãe
não diz nada. Já conseguiu sair de seu quarto, o templo de sua depressão, mas
continua amarga.
Se eu tivesse a minha
perna ainda eu matava eles, dizia Juvenal. O pai de Mineiro tinha sido peão em
duas oportunidades: no sertão e na fábrica. Quando ainda tratava de gado, era o
responsável por espantar os bandidos. Ainda guarda sua garrucha até hoje.
Já faz um mês, pensa
André a caminho do centro. “Você não vai fazer nada?” E o que posso fazer?
Mais duas entrevistas
de empego inúteis. A banca de jornal lhe interrompe a caminhada. A manchete: SEGUNDO ASSASSINATO NO ZUMBI – Execução fria
á luz do dia.
Na tarde de ontem, um adolescente foi morto com tiros em
uma padaria no bairro do Zumbi. Testemunhas dizem que se tratava de dois homens
em uma moto. Há suspeita de que seja um crime encomendado por traficantes.
Mais um. A cena volta
á cabeça.
Berto estava num bar
com os amigos, conversando. Carros passando. Um tiro. Todos correm. A moto
segue apenas Berto. Tinha entrado num beco: azar. Quatro balas.
André chegava na rua.
Cochichos. A fofoca rolava solta, como de costume, mas havia um tom lúgubre na
face das velhas senhoras. O pai estava no portão de casa conversando com China.
-Pois é... E dizem
que a moto passou duas vezes pela padaria, antes de atirar. Pra ter certeza.
-São uns filhos da
puta mesmo...
-Pessoal tá dizendo
aí que foi coisa do Capa Preta. Diz que a moto era a dele.
-É bem coisa desse
desgraçado mesmo. Eu ainda desconfio que ele tem algo a ver com o Berto...
O trecho da conversa
que pegou acompanhou-lhe até a cozinha, onde iria fazer o lanche reforçado (pão
com manteiga, café e biscoito de água e sal). Capa Preta, o famoso Toninho
Carrasco. Matador quase mitológico nessas bandas. Seus patrões mudaram: de jogo
do bicho a tráfico. Mas ele continua eficiente.
Sua vítima, quem era?
Fabiano Touca. Um vagabundo, filho de dona Cremilda. Vivia pedindo dinheiro
emprestado pra sustentar o vício. Se você quisesse achar Fabiano bastava olhar
nas bocas de fumo e nos bares daqui até o Coroado.
O Touca não era nada,
mas se achava o galã das bocadas. Parecia um pica-pau. Mas ultimamente andou
meio sumido, cortou o cabelo e até emagreceu. Ele estava muito parecido com...
Berto.
Enquanto mascava o
pão francês de anteontem, André Mineiro chegava a uma conclusão nenhum pouco
animadora. Berto, muito parecido com o Touca e seu novo layout, estava no bar
que o ex-pica-pau frequentava. Quem o matou também estava numa moto.
Capa Preta. Era ele o
homem por trás do revólver. Parece que ele não foi tão eficiente assim: as
balas que seriam para Fabiano pegaram em Berto.
-E você não vai fazer
nada?
(Continua...)
Entendi, então ele foi assassinado por engano. Pego na disputa pelo tráfico.
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