quinta-feira, 24 de junho de 2010
A moderna concepção de História
Que concepção seria essa? Basicamente, uma concepção que adota as estruturas sociais e naturais como grande protagonistas da história, responsabilizando elas por impulsionarem a ação e a cultura humana. Seus maiores representantes foram Hegel, Marx e o estruturalismo.
Muitos criticaram essa concepção como Johan Huizinga, Jacob Burckardt e Hannah Arendt, e é partir da crítica deles que ela parte sua análise. Huizinga criticava essa concepção por reduzir a diversidade e riqueza do indíviduo através dos tempos, riqueza e diversidade essa muito bem representada na produção cultural. Burckardt, grande crítico da modernidade em si, a critica por diluir a figura do homem em estrutura transcedentes, como se não existisse vontade própria. Arendt fala das implicações morais dessa concepção de história: a idéia de pertencer a um sistema além do mundo sensível implicou para muitos a idéia de que suas ações estavam acima do bem e do mal pois estavam ajudando o progresso da civilização (vide o nazi-fascismo).
terça-feira, 22 de junho de 2010
Marxismo e Pós-modernidade
Acho que em primeiro lugar, qualquer corrente historiográfica ou filosófica que se preze tem que reconhecer os méritos primeiro e depois os defeitos da corrente anterior. Seria o caso dos pós-modernistas analisarem o marxismo, para além da simples crítica.
O marxismo possui ainda um dos melhores instrumentos de apreensão do processo histórico: o materialismo dialético. Além disso, Marx e seus seguidores criaram muitos outros dispositivos indispensáveis para uma análise não-redutiva da história, como faziam muitos dos positivistas. Não é de se estranhar, portanto, que as duas maiores e revolucionárias correntes historiográficas do século XX tenha se inspirado na filosofia marxista: a Escola dos Anais (ou Annales se preferir) e o marxismo inglês. Conceitos como o de longa, média e curta duração, desenvolvido e utilizado por Fernand Braudel, tem sua inspiração maior no marxismo. Além disso, a corrente marxista inglesa foi responsável por uma reavaliação crítica da filosofia e da historiografia marxista (numa época em que ela se tornava mais e mais dogmática) que gerou conceitos que são utilizados até hoje, a maioria por pós-modernistas, como o conceito de cultura de Thompson ou de classe social como fruto do contexto histórico, do mesmo historiador.
Pós-Modernidade
Liberdade de Imprensa II
domingo, 13 de junho de 2010
As idéias e seu lugar
Roberto Schwarz chamou a atenção, em um já antológico artigo, para o status de nossa história intelectual, onde as idéias estão sempre fora de lugar, onde o pensamento anda em descompasso gritante com a realidade. Maria Sylvia Carvalho Franco respondeu em outro artigo propondo que as idéias estão exatamente no lugar, pois a construção de nossa sociedade foi feita para ser assim: culturalmente deslocados da realidade o pensamento e a reflexão. Afinal, onde estão as idéias?
Pode ser que o painel da filosofia brasileira exposto pelo filósofo e pesquisador colombiano Ricardo Vélez Rodríguez nos ajude a responder essa questão. Velez nos fala de nossa origem vinculada á segunda fase do tomismo, essa mais rígida e dogmática por conta da Contra-Reforma, na qual não se sobressai a crítica, mas a transmissão de um conhecimento dogmático nos colégios jesuíticos. É um saber muito barroco ainda.
No entanto, surge no século XVIII o que o autor chama de empirismo mitigado, por guardar algumas características do pensamento de John Locke. O empirismo mitigado queria transformar a filosofia em ciência aplicada, Portugal o irradiava para a sua colônia, criando uma elite formada nessa corrente meio cientificista. É bom que se diga que essa corrente partiu das idéias do grande reformador português, o temido Marquês de Pombal, e teve uma má recepção entre os (muitos) defensores do tomismo no Brasil. No entanto, é bom que se diga, o empirismo mitigado tornou-se o escopo ideológico dos nossos homens públicos desde a vinda da Família Real para o Brasil.
O liberalismo chega ao Brasil por meio do ministro de D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira, que ajuda a formular o sistema representativo (mais tarde institucionalizado pelo Visconde do Uruguai) nacional, extirpando dele o liberalismo radical, aquele praticado pelos líderes da Revolta Praieira e pelos revoltosos de 1842. O problema da liberdade será abordado depois por Eduardo França e Domingos Gonçalves Magalhães, dois pensadores que falam num momento de construção da nação e por isso escrevem sobre a importância da família e da pátria, principalmente o último (conhecido como um dos pioneirosdo romantismo brasileiro).
O autor fala que era comum nossos pensadores unirem as diversas correntes, principalmente o espiritualismo, e tentar extrair delas um pensamento síntese. Classifica estes de pensadores ecléticos. Os ecléticos seriam ofuscados a partir das últimas décadas do século XIX por um "surto de idéias novas" que estavam entrando nos meios acadêmicos agora e que eram contrárias ao espiritualismo, como, por exemplo, o darwinismo, o monismo e o positivismo.
O positivismo se torna o hegemônico e o autor nos fala que, graças ás singularidades de alguns setores que o adotaram, ele se dividiu em 3 tipos: o positivismo ortodoxo, praticado pela Igreja Positivista Brasileira de Teixeira Mendes e Miguel Lemos; o positivismo ilustrado, aquele que dá enfâse á construção de uma nova ordem social, a última etapa da evolução da humanidade; o positivismo político, praticado principalmente por Júlio de Castilhos, no qual, ao contrário do que dizia Comte, o Estado forte deveria moldar a sociedade, construir a nova ordem; e, por fim, o positivismo militar, que unia o pombalismo ao positivismo, elegia o Exército como o elemento que traira a nova ordem social.
Apesar da hegemonia, o positivismo sofreu duras críticas dos pensadores reunidos ao redor da Escola do Recife, gente como Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Bevilacqua, dentre tantos outros. A maioria deles se dedicou a estudar a epistemologia e a praticar um kantismo meio transcendente.
Descendente distantes do liberalismo radical, os liberais das últimas décadas do século XIX criticam não só o positivismo, mas também nosso sistema representativo por ter sido construído em cima de ideais conservadores do liberalismo, anti-democráticos. Seu grande representante foi o Partido Liberal (entre 1860-1870). Os conservadores também foram importantes no campo das idéias, inspirando-se principalmente nos tradicionalistas franceses, embora fossem muito mais tolerantes que eles, como observam muitos pesquisadores. Sua crítica era ao racionalismo e sua apologia á Igreja Católica, a monarquia e a família.
Vem o século XX e o castilhismo, que conquistara então o Rio Grande do Sul, torna-se nacional com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930. O positivismo ortodoxo se esvai, o ilustrado passa a defender a democracia liberal e o militar se funde, a partir de 1930, com o castilhismo. O espiritualismo, representado na figura de Farias Brito, volta a crescer e influencia e muito os pensadores tradicionalistas e ultramontanistas (ligados ao projeto de ortodoxia da Igreja Católica no começo do século).
Duas novas correntes aparecem aqui: o culturalismo e o marxismo. O culturalismo, herdeiro da Escola do Recife, privilegia a ação do homem e o que ela produz, principalmente a cultura.O maior representante dessa escola seria Miguel Reale, por muitos considerados o maior filósofo do Brasil. O marxismo aqui chega com Caio Prado Jr., mas torna-se cada vez mais dogmático, apesar das ações de muitos de seus pensadores, incluindo o próprio Caio, para tentar torná-lo mais crítico.
O existencialismo aqui também aparece, em dois momentos: o primeiro com a visita de Sartre ao Brasil e com os estudos sobre Heidegger nos anos 70. Neste momento, inclusive, o existencialismo se ligará com a tradição espiritualista.
O autor salienta o papel das instituições para fomentar a filosofia no Brasil,basta lembrarmos que as escolas mais profícuas foram aquelas que tinha instituições próprias para o debate, como a Escola do Recife, o ISEB, o Centro D. Vital, etc. Com a chegada dos programas de pós-graduação a situação parece estar mudando, ficando cada vez mais frutífera para o pensamento nacional.
Uma vez exposto todo esse imenso e colorido quadro intelectual de nosso país, voltemos á pergunta inicial: as idéias estão fora ou não de lugar? Ora, a maioria das correntes que vimos foi bastante influenciada por correntes estrangeiras, principalmente as francesas. Ponto para Schwarz. No entanto, é bom lembrarmos disso, é dinâmica própria do pensamento, seja onde for, ele evoluir a partir da influência externa, de demais centros de produção de conhecimento, e das mudanças de sua própria sociedade. O fato é que na nossa sociedade, graças ao nosso modelo de colonização, temos uma dependência muito grande para com os grandes centros, afinal o mecanismo da colonização foi feito para criar centros e periferias e mantê-los assim. Nossa entrada no capitalismo modificou muito pouco isso.Ponto para Maria S. Carvalho Franco.
Mas isso não quer dizer que não há originalidade no que produzimos, muito pelo contrário. A união de idéias modernas com as tradicionais, como vimos, foi responsável pelo nascimento de inúmeras correntes importantes, como o culturalismo ou o ecletismo. Vélez enfatiza muito isso, até na metodologia em que usa. Aliás, o fato das idéias estarem fora de lugar, olhando pela ótica do pensamento político, também tem sido o propulsor de mudanças sociais no nosso país nos últimos anos, como bem lembra Bernardo Ricupero. A falta de coerência entre a teoria e a realidade motivou quantas e quantas reformas, manifestações, golpes, projetos e processos, enfim, nas últimas décadas? O lugar das idéias, como vimos, é um tema importantíssimo.
Liberdade de imprensa

sábado, 5 de junho de 2010
O cinema segundo Ambrogi
Supermáquina

Não foi com Nicholas Cugnot quando este criou um veículo movido á vapor em 1769, também não foi quando Karl Benz e diversos outros inventores alemãos criaram o motor de combustão espontanea e o adaptaram a um veículo. Muitos dizem que o começo do culto veio com a produção em larga escala, inserida na indústria automobilística na década de 1910 por Henry Ford, que possibilitou transformá-lo em uma mercadoria e uma mania de todas as nações. Outros dizem que o culto ao automóvel começou na virada do século XIX quando surgiram na Europa e depois no EUA várias corridas entre os raros donos de automóveis, tendo numa delas falecido um dos irmãos Renault (donos de uma fábrica de carros na França). Eu também achava isso tudo, mas depois eu pensei melhor.
Arlindo Machado, em seu trabalho Pré-Cinemas e Pós-Cinemas, nos propõe que o cinema já existia muito antes dos irmãos Lumière. Existia no sonho das pessoas de se iludirem através das imagens, por isso ele estabelecia como parente do cinema alguns truques como os jogos de espelhos. Andei pensando e acho que com o carro aconteceu a mesma coisa: o que nos levou a inventar o carro foi a idéia de maior mobilidade, menos dependência (do cocheiro ou mesmo do cavalo) e mais facilidade de uso (convenhamos, manter um cocheiro, um tratador para os cavalos e um estábulo era muita coisa para poucos passeios). Já existia então o sonho do automóvel: Ferdinand de Verbiest, um missionário flamengo que visitou a China, já tinha idealizado um veículo que não precisava de cavalos para se movimentar para o imperador Kangxi. O que aconteceu é que os inventores dos séculos posteriores tirariam, cada um a seu modo, a idéia do papel e transformariam o sonho do carro cada vez mais próximo da realidade.
Claro que o fordismo ajudou a consolidar esse sonho, transformando-o, hoje, em fetiche. A proporção de carros vendida hoje é incrível, bem como de encontros e reuniões onde pode-se incrementar o carro e mesmo dar umas voltinhas nele (exercitar a liberdade conseguida com o motor de combustão espontanea). Se antes o carro era a máquina ideal, hoje ele se tornou a supermáquina.
Senso comum
O senso comum é um arcabouço dos conhecimentos construídos no cotidiano do povo. Nem por isso ele é impermeável aos valores e conceitos de outros grupos sociais. Por exemplo, a valorização do diploma e a idéia de objetividade (que leva á credulidade exagerada) da ciência. No entanto, o senso comum é cheio de paradoxos, em boa parte porque abarca diversas culturas, com elas diversas profissões e diversos indivíduos, com valores e conceitos por vezes contraditórios. É exatamente essa diversidade que o deixa conservador e radical, preconceituoso e racional, experimental e não-verificável, simultaneamente.
Maria Lúcia Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins fazem uma distinção entre o senso comum e o bom senso, definindo como bom senso o uso da razão no dia-a-dia. Para elas, enquanto o senso comum é cheio de juízos de valores, o bom senso é mais crítico. O bom senso seria uma espécie de irmão da Razão dos iluministas que ainda não tomou cálico o bastante para se desenvolver.
A guerra das ciências

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Bruno Latour |