segunda-feira, 7 de março de 2011

Amazônia

"Todo amazônida tem o direito  ao pleno uso, gozo e fruição dos seus recursos naturais existentes na área desde que o faça de modo não destrutitvo. Fica estabelecido o seu direito á subsistência, liberdade de escolha, livre iniciativa, trabalho produtivo e justiça social, e resguardada a sobrevivência das gerações futuras e ao convívio harmonioso com a natureza".

Samuel Benchimol ao lado de Bernardo Cabral.
Um dos incisos do Estatuto do Amazônida, apresentado por Samuel Benchimol na Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas em julho de 1992, no Rio de Janeiro.

domingo, 6 de março de 2011

Se a canoa não virar, olê olá...

Esse ano, ainda não sei direito porquê, tivemos o carnaval no começo de março. Eu não posso dizer muito sobre o carnaval desse ano, afinal passei toda a última semana com dengue (aliás, internado por dois dias). Apesar de pular carnaval estar no meus planos, antes do mosquito listrado frustrá-los, nunca fui disso. Então, também não posso dizer muito sobre o carnaval dos demais anos.

Na minha infância eu costumava ficar em casa, vez em quando saía na rua e, por azar, me deparava com meu mais temível medo: o bate-bola! Pra quem não conhece, é uma fantasia onde um homem coloca uma máscara assustadora e sai andando por aí com uma bola de plástico que quando atirada ao chão faz um barulho terrível, parecido com o de um tiro.

Bate-bolas no Rio de Janeiro: fala sério, tu também não sentiria medo?
Tirando o bate-bola, adorava o carnaval de rua. Isso foi nos anos 90 e no subúrbio do Rio de Janeiro, quando da minha infância. Desde então, me mudei para cidades pequenas onde carnaval só havia na TV. Taubaté, a última cidade por onde passei, contudo, tinha um apreço pelo carnaval. Lá há a Avenida do Povo, onde desfilam algumas escolas de samba. No entanto, o que atraia mesmo o Vale inteiro era o carnaval de rua de São Luís do Paraitinga, o qual nunca fui também (por razões financeiras). Esse ano me parece que ambos correram muito bem.

E, finalmente, descobri o carnaval manauara. Também com desfiles de escolas de samba e folia de rua. E o melhor: sem bate-bolas! Já me informaram das mais tradicionais bandas ou blocos de rua como a Banda da Bica ou o Bloco das Piranhas. Vontade de ir não faltou, mas a doença não permitiu. Ano que vem, quem sabe.

O que faz do carnaval o feriado preferido do brasileiro é justamente essa possibilidade de cair na gandaia abertamente. Afinal, ele foi criado para isso. Carnaval é o nome que deram na Europa para os dias que antecedem a Quaresma, os quarenta dias de jejum da Semana Santa. Carna em grego significa carne e Valles prazeres: o nome já diz tudo. São alguns dias de festa para a carne antes dela sofrer as penitências da abstinência.

Enquanto festa, o carnaval já é antigo e remonta os mais variados rituais pagão, mas como feriado aprovado pelo calendário litúrgico somente no século XI. De lá pra cá, o carnaval passou por muitas mudanças. Algumas cidades dotaram-lhe de algumas modificações. Em Veneza, o carnaval era mais aristocrático com sua corte de mascarados e artistas circenses na rua. Nos Estados Unidos, é Nova Orleans que chama atenção com seus desfiles de carros alegóricos e bandas, dentre outras coisas. Finalmente chegamos ao carnaval do Rio de Janeiro, considerado pelo Guiness Book o maior carnaval do mundo.

O carnaval chegou no Brasil com outro nome: entrudo. Entrudo era como chamavam, em algumas vilas portuguesas, os bonecos que acompanhavam o desfile. Depois de trazido para o Brasil, o entrudo tornou-se uma festa popular, mas somente nos grandes centros urbanos. Segundo pesquisadores havia dois tipos de entrudo: o familiar, praticado na casas dos senhores, e o popular, praticado por escravos, libertos, homens livres mais pobres na rua. O entrudo familiar era feito com limão de cheiro e farinha, enquanto o popular era mais violento: o sujeito, além de poder levar uma paulada aleatoriamente, era alvo desde de ovos á vasos de plantas.

Por causa da violência, o entrudo popular começou a ser perseguido pelo governo imperial e em meados de 1840 estava sumindo das grandes cidades. O modelo francês de carnaval, baile de mascarados e associações de carnaval, começava a entrar no Brasil na mesma década e pouco a pouco o entrudo sai de cena e entra de uma vez por toda o carnaval. O baile de mascarados francês era praticado pela burguesia, principalmente de Paris, e no Brasil não foi muito diferente por algum tempo. As associações de carnaval tornaram-se os clubes e grêmios de carnaval (como Os Tenentes do Diabo) e somente na virada do século se tornam as famosas escolas de samba. Diferente dos clubes, nas escolas de samba o trabalho era feito pela comunidade, geralmente de áreas periféricas das grandes cidades. A primeira que se tem notícia é a Deixa Falar, fundada em 1928 no Rio de Janeiro, por um punhado de compositores e cantores que mais tarde se tornariam famosos, como Ismael Silva.

Não preciso dizer que as escolas de samba, assim como os sambistas, eram vistos pela opinião pública como símbolos da vulgaridade. Como elas adquiriram o status de estrelas que tem hoje? O caminho é longo. A valorização das escolas de samba começou com a valorização dos sambistas - o culto ao malandro criado durante a Era Vargas ajudou um bocado. E tinha de passar pela valorização da sua comunidade: a antiga Praça Onze no Rio, por exemplo, demorou a ser vista como uma comunidade realmente e não apenas um "reduto de negros e judeus". Muitas até hoje não foram valorizadas.

Hoje, as principais cidades do Brasil tem sambódromo e transmite o desfile das escolas de samba pelas emissoras locais ou nacionais. Celebridades passam a tomar espaço nos desfiles, ao invés de pessoas da comunidade. Símbolo de que foi engolido pela indústria cultural. O carnaval popular hoje virou realmente popular mesmo, embora ainda exista aquele carnaval mais aristocrático, feito nos clubes.

Antes de ir, gostaria de mencionar uma reflexão feita pelo antropólogo Roberto DaMatta sobre nosso carnaval: analisando os carnavais do Brasil e dos EUA, Roberto chegou a conclusão de que o carnaval aqui seria uma válvula de escape, uma oportunidade do brasileiro - torturado pela sociedade altamente autoritária e desigual em que vive - desfrutar um pouco não só da alegria, mas principalmente da igualdade e de escapar da autoridade. Enquanto nos EUA, o carnaval é "administrado" de forma altamente hierárquica nos grêmios carnavalescos e, em certa forma, no carnaval de rua, aqui ele não resiste á esse tipo de autoridade. Eu, no entanto, penso que isso não se aplica mais ao Brasil, pois as escolas de samba estão cada vez mais fortes e o carnaval de rua mais escasso. Mas que autoridade eu tenho pra falar isso mesmo?

sexta-feira, 4 de março de 2011

História e Memória

Mulher na Janela, Salvador Dali.
Ainda comentando uma série de artigos de Jacques LeGoff, hoje chegamos no tópico "História e Memória".
Qual era a imagem que se tinha da memória? Bem, a memória era vista sempre como algo muito subjetivo, afinal as pessoas lembram e se esquecem dos fatos conforme os mais variados motivos, a maioria deles afetivos. A história, por outro lado, desde que se arrogou o título de científica, buscava relatar tudo o que havia acontecido até os dias de hoje com imparcialidade.
Ora, sabemos que a imparcialidade é um mito e, além disso, relatar todos os fatos da humanidade é um delírio absurdo, algo impossível de ser feito e mesmo tentando fazê-lo os historiadores correm o risco de esvaziar o conhecimento histórico e transformá-lo em uma coleção de nomes e datas (como aconteceu no século XIX).
História e memória são muito próximos: afinal, se a memória é a seleção de fatos por indivíduos ou coletividades, o que dizer da História? O historiador seleciona sobre os fatos que analisará e pesa nessa escolha, claro, sua subjetividade. História e memória são duas formas de conhecimento, portanto, sendo que a memória também pode colaborar e muito com o conhecimento histórico, como fonte (a história oral, por exemplo, tem ajudado e muito nesse intercâmbio entre história e memória).

quinta-feira, 3 de março de 2011

Moacyr Scliar

Faleceu á dois dias atrás, com 73 anos, o escritor Moacyr Scliar.
Quando eu parei de colorir livros e passei a lê-los era raro achar algum autor que me simpatizasse. Na pequena biblioteca municipal da cidade do interior paulista em que eu vivia então haviam muitos livros e eu os escolhia, na época (por favor, sem o sermão do "não julgue o livro pela capa"), por causa de seus títulos.
Assim eu descobri Mário Palmério (Vila dos Confins), José Cândido Carvalho (O Coronel e o Lobisomem), José Lins do Rego (Banguê) e Stanislaw Ponte Preta e Millôr Fernandes, dentre tantos outros autores que adoro até hoje. E Scliar era um deles.

Me lembro que li primeiro uma antologia de contos seus. Citando de cabeça, os que mais gostei eram Cego e Amigo Gedeão na Beira da Estrada, Os Leões, A Pesca e Shazzam! Eram contos surreais e irônicos.Alguns pareciam relatos jornalísticos sobre acontecimentos bizarros enquanto outros tinham um cárater de confissão.
Depois, já interessado pela História, peguei Sonhos Tropicais, onde Scliar nos conta de uma maneira interessante a vida do sanitarista Oswaldo Cruz. Com exceção do começo que achei muito massante, o livro era mágico: ora alucinação ora a realidade crua. Scliar soube muito bem aproveitar os personagens históricos e até os tipos urbanos fazendo uma verdadeira mitologia carioca nesse livro.
De Scliar só tenho dois livros: Sonhos Tropicais (xerocado é claro, mas vá lá!) e A Majestade do Xingu. Este último comprei sem ter lido antes; sabendo do estilo do autor, não haveria decepção. Aqui somos apresentados á outro sanitarista conhecido, Noel Nutels, que constantemente visitava os índios da reserva do Xingu. Novamente, temos uma história paralela (é um amigo de Nutels, ou pelo menos, que pensa ser que conta a história dele e de sua vida) e um elenco de tipos excêntricos aqui.
Vai parecer redundância, mas há muito de Moacyr em sua obra. O que quero dizer é que sua vida era sua inspiração máxima, principalmente duas esferas de sua vida: a sua profissão de médico e sua religião, o judaísmo. Nos poucos livros que li dele, admito, pode se perceber essas duas influências a todo momento: a fé e o cartesianismo, a saúde pública no Brasil, a condição judaica, etc. Desde que despontou como escritor no final dos anos 70, Scliar não pode ser enquadrado em um gênero, não porque ele não tem um ou porque temos poucos gêneros na nossa literatura, mas porque o seu estilo é completamente original.
Lembro de tê-lo visto numa reportagem na TV, no final do ano passado, e ele estava entusiasmadíssimo com a atual situação da literatura em nosso país, com tantos, principalmente jovens, lendo. Scliar era filho de imigrantes russos que se instalaram em Porto Alegre no começo da década de 30, mas mesmo assim sua mãe fazia questão de que seus filhos não fossem analfabetos e com isso estimulou o gosto pela leitura das crianças. Tenho uma coleção já de entrevistas de Scliar sobre livros (algumas até dando dicas de achar um bom sebo) e nelas a gente percebe a paixão desse homem pela literatura. Ele podia até ter dito aquela famosa frase de Lobato: "um país é feito com homens e livros!'
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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Documento e Monumento

Estátua de Tenreiro Aranha, Praça da Saudade, Manaus.
Jacques LeGoff, em sua série de artigos sobre a história e a História Nova, discorre sobre a relação documento/monumento.
O que temos por monumento é todo aquele objeto construído por determinada autoridade para que seja lembrado para a psoterioridade. O monumento geralmente exalta alguém ou algum ato.
Contra á noção de monumento, criou-se a noção de documento como aquele objeto que contém a verdade, que não tem a preocupação em exaltar algo. Não preciso dizer que essa noção de documento nos foi legada pelos historiadores positivistas que consideravam as fontes principalmente escritas e oficiais como objeto privilegiado da pesquisa histórica. Nestes documentos estava o fato tal qual aconteceu.
LeGoff lembra que com os Annales essa visão positivista começou a cair e alargamos nosso rol de fontes para além da fonte escrita e oficial. Isso só foi possível com uma análise mais crítica e menos dogmática da pesquisa histórica.
O documento não diz toda a verdade, até porque quem o escreveu não estava totalmente neutro. Muitas vezes o documento é produzido, como o monumento, com o objetivo de exaltar alguém, principalmente as fontes oficiais em que tanto os positivistas se deteram.
Assim sendo, o monumento também pode ser uma fonte. Só que temos a fazer é medir bem o seu grau de parcialidade, como devemos fazer com qualquer fonte. Toda fonte tem sua subjetividade, afinal ela é produzida, em sua maioria, por seres humanos e ser mais subjetivo que nós impossível.
Concluindo, documento e monumento não estão assim tão distantes. São fontes históricas e devem ser tratadas como tal: com uma análise crítica e uma boa interpretação.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um passeio pelo Vale antigo com Sérgio Buarque

Foi relançado em fins de 2010, mas só tomei conhecimento agora o livro Vale do Paraíba - Velhas Fazendas, produzido pelo historiador Sérgio Buarque de Hollanda em 1975 para o prefácio de um álbum de desenhos feitos com  bico de pena pelo pesquisador vale-paraibano Tom Maia.

Fazenda Pau D'Alho, em São José do Barreiro, conhecida por ter hospedado o Imperador D. Pedro II, no traço de Tom Maia.
É o encontro de dois monstros da historiografia do Vale: embora Sérgio Buarque seja mais conhecido por sua produção ensaística (Raízes do Brasil, Visões do Paraíso), em suas últimas obras (Caminhos e Fronteiras, Monções) se preocupou com seu estado-natal, São Paulo, e não somente com São Paulo capital. Nestes livros estão informações e considerações que ainda são essenciais para qualquer pesquisador do Vale, principalmente no contexto de seu povoamento. Tom Maia, junto com sua esposa Thereza Camargo Maia, já vem produzindo desde o final dos anos 60, por sua vez, importantes estudos sobre o folclore local e sobre a cultura dos tropeiros, por exemplo.
Nesse livro, Sérgio Buarque explicará o contexto da construção das fazendas retratadas por Tom Maia, as fazendas do barões do café, mas também dos antigos senhores de engenho. Assim, antes de chegarmos ao período da economia cafeeira temos um rico painel da colonização do Vale e dos efeitos do bandeirismo e da mineração na região. Quanto á abordagem sobre o período em questão, Sérgio não deixa a deseja, fazendo de sua explanação quase um trabalho literário, tamanha a erudição e o conhecimento sobre o assunto.
Para todos interessados no Vale do Paraíba ou mesmo em Taubaté, aqui fica a dica.

Da série sínteses numa mesa de bar: Marxismo

Karl Marx, segundo Ricardo Musse, fez uma crítica á filosofia (romântica), á economia (liberal) e á história (positivista) que vinha se produzindo na sua época, mas principalmente á filosofia.

Marx era um seguidor de Hegel, o grande papa do idealismo. Para ele, as idéias vinham antes das ações e a Humanidade era guiada por uma força superior, chamada Espírito do Mundo, para uma humanidade mais racional e "mais humana". Marx critica seu mestres depois de um tempo: as condições materiais de existência geram as idéias e as ações e o homem é guiado através da história pelas suas próprias ações. Daí o nome de sua filosofia ser no início materialismo.

Assim sendo, a ação humana (principalmente o trabalho) está no centro de tudo. O grande tema de Marx é o capitalismo, ele só se envolve na História na tentativa de entender como o capitalismo surgiu. Aí ele vai lá na época do comunitivismo primitivo, onde não existia propriedade nem Estado, passa pela escravidão, feudalismo, mercantilismo e, enfim, o capitalismo. Marx usa para classificar as sociedades desses períodos dois conceitos: a idéia de que uma sociedade tem níveis e o modo de produção (o trabalho onde a sociedade se baseia, pra simplificar) é o principal deles e a dialética, que é mais um método filosófico que um conceito. A dialética busca achar as contradições nas sociedades, confrontá-las e tirar disso uma conclusão, pra deixar bem resumido (outro dia falo aqui da dialética, ok?)

Chegando no capitalismo, o que Marx vê? Ele vê a exploração do homem pelo homem, mas uma exploração muito mais poderosa e escancarada que antes. Agora você tem um cara que controla os meios de produção e um cara que tem a força de trabalho, ambos fazem um contrato. Um trabalha e em troca ganha uma remuneração, o outro ganha um produto manufaturado para vender no mercado. Pronto: taí o patrão, o trabalhador, a mais-valia e o salário. Com o capitalismo você tem a luta de classes, onde cada um desses personagens luta pelos seus interesses.

O capitalismo reproduz desigualdade, aliena e tudo mais. Como escapar dele? Marx acreditava que a única pessoa que poderia mudar o status quo era a classe operária, uma vez que ela numerosa e se desenvolvesse uma consciência de classe poderia facilmente derrubar o capitalista, assim como os burgueses fizeram com o absolutismo. Seu trabalho seria, portanto, ajudar a classe operária tomar consciência através da política e aí temos o nascimento do comunismo. O comunismo tenciona mudar o regime para o socialismo, onde teremos uma sociedade menos desigual e "mais humana". Marx, deixa escapar em alguns momentos, que o capitalismo poderia cair por suas próprias mãos, assim como aconteceu com os outros regimes (escravidão, feudalismo, mercantilismo). O socialismo seria, é o que muitos interpretam, inevitável - repetindo assim a idéia de história como uma evolução linear que Hegel tinha.

Como vocês podem ver, Marx foi importante em muitos ramos do que hoje chamamos ciências humanas: filosofia, política, economia, história, sociologia, etc. Mas durante os séculos seguintes á sua morte, muitos pensadores fizeram suas próprias interpretaçãos de suas idéias e, assim, chegamos ao dia de hoje passando por vários "marxismos", mas isso é assunto pra outro post.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Olhares

Amazônia, Paraíso dos Naturalistas é um artigo do Prof. Hideraldo Costa Lima que se debruça sobre o rico acervo dos viajantes, nacionais e internacionais que passaram pela Amazônia nos últimos séculos.
Ilustração de Alexandre Rodrigues Ferreira, Viagens Filosóficas ao Rio Negro.

Hideraldo privilegia os viajantes estrangeiros porque seu objetivo, afinal, é analisar o olhar dos europeus sobre a região amazônica.
Entre o século XVI e XVIII, somos visitados pelos cronistas, a maioria de ordem religiosa como os jesuítas João Daniel, Samuel Fritz, etc. Nesse período, embora seja conhecido como idade moderna, o homem ainda possue uma mentalidade religiosa. Assim, quando a Amazônia é descoberta ela é interpretada ora como paraíso ora como inferno.
Esse olhar religioso chega no homem amazônico, o indígena, e enxerga nele uma espécie de subhumanidade. O índio é marginalizado e perseguido por, segundo esta mentalidade, não possuir alma, ser ímpio. Aí temos uma justificativa para a escravização e genocídio da população local que seria amplamente utilizada pelos colonizadores.
O século XVIII pode ser entendido como a entrada da ciência na Amazônia através das expedições científicas. A pioneira foi a do cientista francês La Condamine, parte de um projeto que pretendia determinar onde passava exatamente a linha do Equador. Mesmo assim, La Condamine, apesar de seus objetivos e seus métodos, não estava isento ainda de um imaginário místico: em suas anotações percebemos sua preocupação em encontrar a tribo das amazonas, as mulheres guerreiras descritas pelo Frei Carvajal que tornaram a região famosa.
Anos depois chega á Amazônia o pesquisador baiano Alexandre Rodrigues Ferreira. Esse sim se despe de todo o imaginário anterior sobre a região. O resultado de sua pesquisa, Viagens Filosóficas ao Rio Negro, é muito exato, descritivo. O motivo é simples: intimamente ligado ao governo português, Alexandre foi mandado para a Amazônia justamente para investigar como a administração local estavam utilizando os recursos naturais, denunciando improbidades e propondo soluções. É exatamente o que Alexandre faz: primeiro, descreve cada ponto e depois sugere o que se pode aproveitar dele. Por exemplo, os índios: eivado ainda de um preconceito para esse povo que parece ser selvagem, Alexandre, contudo, vêe neles uma mão-de-obra em potencial, basta discipliná-los.

Ilustração de Spix em Viagem ao Brasil, Spix e Martius.
Quando chega o século XIX, a Amazônia está devidamente consolidada como local por excelência dos naturalistas, seja pelo que foi dito anteriormente ou pelo desenvolvimento das ciências na Europa. Inúmeras expedições são feitas: Alfred Wallace, Karl Von Martius, Henry Bates, casal Agassiz, dentre outros. Entre suas anotações científicas, estes homens deixam sempre pequenas observações sobre a sociedade local e são essas observações que Hideraldo analisará.
Martius, por exemplo, considera o índio, assim como Bates, um povo destinado ao fracasso, seja pela sua apatia, seja pela miscigenação. No período, a população local é composta basicamente de índios, mas também existiam negros, europeus (principalmente portugueses) e os mestiços. Cametá, uma cert ailha no Pará, era onde mais essa miscigenação tornava-se aparente. Exatamente por isso Louis Agassiz ficou enojado com a ilha. A miscigenação acabava com a pureza da raça branca infectando ela com as características das outras raças, características não só físicas, mas, principalmente, morais e psicológicas. Explicava-se assim a pobreza e a promiscuidade da região com a miscigenação.

Alfred R. Wallace.
Dentre os naturalistas, apenas um dispensa aos nativos uma visão positiva: Alfred Russel Wallace, conhecido atualmente como precurssor da teoria da evolução das espécies. Wallace demonstrava imensa simpatia para com o indígena pelos conhecimentos que possuiam sobre a natureza e pela sua generosidade. Para ele, o índio fora condenado pela colonização, com a ajuda da Igreja Católica, á perder sua cultura e em breve a sua própria existência.
Em suma, o homem amazônico era, por excelência, mestiço. A miscigenação era o que mais chamava a atenção desses homens que cresceram acreditando que a civilização européia era a única mais desenvolvida do mundo graças ás qualidades intrínsecas á sua própria raça. Essa era a mentalidade de então. O que podemos ver é que a mentalidade religiosa, movida pela teologia, sai de cena e entra uma mentalidade pautada pela razão, mas que o preconceito para com o homem amazônico continua o mesmo. Á essa persistência no olhar dos viajantes Hideraldo chama de "peversão da memória".
O discurso etnocêntrico agora é justificado por paradigmas científicos, como o evolucionismo, e se apropria até da mais moderna tecnologia: Agassiz, para provar ao mundo os males da miscigenação, tirou fotografias dos tipos locais para demonstrar quão feios e assimétricos os seres humanos podiam ficar uma vez que fosse mestiço.
A mensagem do artigo é clara: cuidado com a "peversão da memória"! Afinal, ela atravessou cinco séculos e, com certeza, ainda sobrevive hoje.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A cidade

Apresento á vocês uma poesia do mineiro Deivid Júnior de seu blog Paralelepipedopoema:

a cidade; minha idade

como se nunca efêmera, a cidade estará, enfim, projetada em meu rosto. o traçado de suas vielas, seus relevos, anjos, torres, esteios tortos. pensamentos. janelas, olhos das casas. tudo desenhando minha pele, definitivamente. outros rostos: de infantis a velhos, pombos e cachorros. estarão gravados todos os trajetos, cada passo nestas ruas de pedra nas rugas mesmas da minha cara. e tal como ela, pó seremos uma dia, na mesma terra. da que nada passa, meus duelos. também meus cabelos e o éden e a via láctea.

Certos e Errados

Na segunda-feira, dia 21, o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, foi visitar o bairro de Santa Marta onde ocorreu no final de semana um deslizamento que resultou na morte de duas crianças. Ouvindo os moradores locais, Amazonino começou a pedir para que eles se mudasse, procurassem um lugar seguro para morar. Uma moradora retrucou que não tinha condições e ele respondeu com a frase que tornou-se célebre: "Minha filha, então morra!" Logo depois pergunta de onde ela vem e ao ouvir a resposta ("do Pará"), desabafa com um "Pronto. Tá explicado."

O caso repercutiu por todo o Brasil e, principalmente, na faculdade entre os colegas. A entrevista virou símbolo do desrespeito do prefeito com os moradores de área de risco e do seu preconceito para com os paraenses. Agora, vamos analisar o caso com um pouco mais de precisão.

A situação: as mortes provocadas pelas chuvas são mais um episódio da velha história da má ocupação das cidades e da falta de fiscalização urbana. Amazonino tenta explicar como evitar uma nova tragédia para os moradores, mas esbarra na resposta da moradora de que eles não tem condição de se mudar. Acho que o sociólogo Luiz Nascimento comentou que os moradores que ocupam área de risco o fazem não por opção, mas por falta de opção. Concordo em partes, também existem aqueles que se aproveitam da situação e fazem uma espécie de especulação imobiliária informal, ocupando apenas para vender terrenos. De qualquer forma, a má ocupação é errada.

Quais as causas da má ocupação? Inchaço urbano. A cidade cresce cada dia, pelos mais variados motivos: falta de planejamento familiar e a migração (seja rural ou mesmo de outro estado, como acontece no Amazonas) são os principais. Assim temos uma ocupação desordenada. Solucionar esse problema passa sim, como tentou fazer o prefeito antes de perder a cabeça, por conscientizar a população, mas não pode parar só nisso; tem que vir coordenada com a fiscalização e maior infra-estrutura no interior e no Estado vizinho, se for possível fazer um plano conjunto.

Os personagens: o outro lado da moeda é que o governo tem responsabilidade no problema por não resolvê-lo com fiscalização e terrenos próprios para a habitação disponíveis aos cidadãos. Amazonino, já conhecido da população local pela sua passagem no senado, governo do Estado e prefeitura nos últimos anos, também é conhecido pela população nacional como um dos principais nomes do mapa da corrupção no Amazonas em reportagens feitas anos atrás. Aliás, durante o período em que foi governador do Estado incentivara a imigração para o Amazonas e o desmatamento da floresta como forma de solucionar o inchaço urbano.Pode até ser que ele tenha sentido os efeitos de sua campanha no passado cairem sobre suas costas agora e esteja realmente tentando mudar o problema.

Quanto ás palavras finais do prefeito, está claro que se trata de preconceito. O velho preconceito do amazonense para com seu vizinho do Pará. Embora sua assessoria tente se retratar dizendo que Amazonino se referia aos imigrantes de uma maneira geral, sabemos que o buraco é mais embaixo. Longe de tentar aqui fazer um tratado sociólogico do preconceito amazonense, isso é fruto de uma longa história de submissão ao Pará, politíca e economicamente, durante seus primeiros anos de existência. Mesmo assim, esse preconceito, pelo que conheço da cidade, está sumindo ou se disfarçando muito bem, aflorando somente em situações intensas, como essa. Ainda não sei qual dos casos é, mas é por aí mesmo.

Conclusão: quem está certo aí e quem está errado? Curiosamente, ambos estão certos e errados: a moradora está errada por ocupar uma área de risco, certa por (talvez) não ter opção de moradia; Amazonino está certo tentando conscientizá-la e errado por perder as estribeiras e cair em contradição com suas gestões anteriores e a atual. Ninguém tem culpa da situação estar assim, é algo mais profundo e histórico, algo que vem antes de nascermos, mas está aí, na nossa frente. Estaremos errados em não tentar solucionar a situação, fazermos o possível, entrarmos na luta com força e bom senso.