Ilustração de Alexandre Rodrigues Ferreira, Viagens Filosóficas ao Rio Negro.
Entre o século XVI e XVIII, somos visitados pelos cronistas, a maioria de ordem religiosa como os jesuítas João Daniel, Samuel Fritz, etc. Nesse período, embora seja conhecido como idade moderna, o homem ainda possue uma mentalidade religiosa. Assim, quando a Amazônia é descoberta ela é interpretada ora como paraíso ora como inferno.
Esse olhar religioso chega no homem amazônico, o indígena, e enxerga nele uma espécie de subhumanidade. O índio é marginalizado e perseguido por, segundo esta mentalidade, não possuir alma, ser ímpio. Aí temos uma justificativa para a escravização e genocídio da população local que seria amplamente utilizada pelos colonizadores.
O século XVIII pode ser entendido como a entrada da ciência na Amazônia através das expedições científicas. A pioneira foi a do cientista francês La Condamine, parte de um projeto que pretendia determinar onde passava exatamente a linha do Equador. Mesmo assim, La Condamine, apesar de seus objetivos e seus métodos, não estava isento ainda de um imaginário místico: em suas anotações percebemos sua preocupação em encontrar a tribo das amazonas, as mulheres guerreiras descritas pelo Frei Carvajal que tornaram a região famosa.
Anos depois chega á Amazônia o pesquisador baiano Alexandre Rodrigues Ferreira. Esse sim se despe de todo o imaginário anterior sobre a região. O resultado de sua pesquisa, Viagens Filosóficas ao Rio Negro, é muito exato, descritivo. O motivo é simples: intimamente ligado ao governo português, Alexandre foi mandado para a Amazônia justamente para investigar como a administração local estavam utilizando os recursos naturais, denunciando improbidades e propondo soluções. É exatamente o que Alexandre faz: primeiro, descreve cada ponto e depois sugere o que se pode aproveitar dele. Por exemplo, os índios: eivado ainda de um preconceito para esse povo que parece ser selvagem, Alexandre, contudo, vêe neles uma mão-de-obra em potencial, basta discipliná-los.
Ilustração de Spix em Viagem ao Brasil, Spix e Martius.
Quando chega o século XIX, a Amazônia está devidamente consolidada como local por excelência dos naturalistas, seja pelo que foi dito anteriormente ou pelo desenvolvimento das ciências na Europa. Inúmeras expedições são feitas: Alfred Wallace, Karl Von Martius, Henry Bates, casal Agassiz, dentre outros. Entre suas anotações científicas, estes homens deixam sempre pequenas observações sobre a sociedade local e são essas observações que Hideraldo analisará.Martius, por exemplo, considera o índio, assim como Bates, um povo destinado ao fracasso, seja pela sua apatia, seja pela miscigenação. No período, a população local é composta basicamente de índios, mas também existiam negros, europeus (principalmente portugueses) e os mestiços. Cametá, uma cert ailha no Pará, era onde mais essa miscigenação tornava-se aparente. Exatamente por isso Louis Agassiz ficou enojado com a ilha. A miscigenação acabava com a pureza da raça branca infectando ela com as características das outras raças, características não só físicas, mas, principalmente, morais e psicológicas. Explicava-se assim a pobreza e a promiscuidade da região com a miscigenação.
Alfred R. Wallace.
Dentre os naturalistas, apenas um dispensa aos nativos uma visão positiva: Alfred Russel Wallace, conhecido atualmente como precurssor da teoria da evolução das espécies. Wallace demonstrava imensa simpatia para com o indígena pelos conhecimentos que possuiam sobre a natureza e pela sua generosidade. Para ele, o índio fora condenado pela colonização, com a ajuda da Igreja Católica, á perder sua cultura e em breve a sua própria existência.Em suma, o homem amazônico era, por excelência, mestiço. A miscigenação era o que mais chamava a atenção desses homens que cresceram acreditando que a civilização européia era a única mais desenvolvida do mundo graças ás qualidades intrínsecas á sua própria raça. Essa era a mentalidade de então. O que podemos ver é que a mentalidade religiosa, movida pela teologia, sai de cena e entra uma mentalidade pautada pela razão, mas que o preconceito para com o homem amazônico continua o mesmo. Á essa persistência no olhar dos viajantes Hideraldo chama de "peversão da memória".
O discurso etnocêntrico agora é justificado por paradigmas científicos, como o evolucionismo, e se apropria até da mais moderna tecnologia: Agassiz, para provar ao mundo os males da miscigenação, tirou fotografias dos tipos locais para demonstrar quão feios e assimétricos os seres humanos podiam ficar uma vez que fosse mestiço.
A mensagem do artigo é clara: cuidado com a "peversão da memória"! Afinal, ela atravessou cinco séculos e, com certeza, ainda sobrevive hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário