sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Anacronismo: o oitavo pecado capital

Antes de tudo o historiador é humano e está vulnerável a todos os pecados capitais, mas existe um que é próprio de seu ofício, o que não o torna menos capital, por assim dizer.
É o anacronismo, ou seja, determinar á certos aspectos do passado significados do presentes. Podemos achar um bom exemplo no post anterior sobre a Cabanagem: enquanto os nacionalistas vinham os cabanos como precursores do sentimento nacionalista, os estudiosos marxistas os vinham, por outro lado, como defensores de um projeto revolucionário socialista. Apesar de ser possível que os ideais lusofóbos e até iluministas tenham entrado na Amazônia, é muito discutível que estas idéias não tenham sofrido alguma alteração (tanto geográfica, como temporal), afinal, o que hoje chamamos de nacionalismo não é bem o que sentiam os habitantes da então colônia (ou ex-colônia a partir de 1808), assim como nem todo ideal que prega o fim da exploração seja necessariamente socialista.
Geralmente, o anacronismo vem acompanhado de um outro pecado do historiador: a mania de julgamento, segundo Marc Bloch. Julgar as ações do passado quer dizer esquecer do contexto e utilizar critérios do presente para avaliá-los (afinal, nem todos tem noção do que seu tempo carrega com si). Um bom exemplo: quando a Inglaterra passa pela primeira Revolução Industrial e começa a nascer uma classe operária, muitos trabalhadores irão se vincular á sociedades pequenas, conservadoras e religiosas, contra os insipientes sindicatos e greves. Muitos historiadores criticaram essas associações e decidiram estudar apenas os sindicatos e as greves, ao invés de entenderem porque as sociedades reformistas foram tão numerosas e poderosas. É sempre bom lembrar sobre os homens do passado, como nos fala Thompson, que eles viveram aquele tempo e nós não, por isso merecem respeito.
Não quer dizer com isso que o historiador não deve se posicionar contra acontecimentos e processos históricos, mas que seu posicionamento não deva interferir com a verdade, ainda que parcial, que se procura extrair do passado. Foi exatamente essa atitude que levou Edward Palmer Thompson a analisar os primórdios da formação operária inglesa, levando em conta esses grupos conservadores, criando um dos trabalhos mais completos de história social da atualidade.
Bem, muitos já nos alertaram sobre o anacronismo, desde Ranke até Certeau, mas, como diria minha avó, prudência e canja de galinha nunca é demais.

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