segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A idéia das três raças

Nos livros didáticos isso é muito comum: a idéia de que o Brasil foi construído pela união de três raças, o negro, o branco e o índio.

Essa idéia nasceu com o botânico alemão Friederich Von Martius quando ele publicou um texto chamado Como se deve escrever a história do Brasil para um concurso do recém-criado IHGB em 1840 com o mesmo nome. Para o botânico, este país que ele percorreu com seu companheiro também botãnico Spiux foi criado com a ajuda do negro, do branco e do índio. Com o suor do rosto dos três, seja na lavoura, na mineração, na caçada, nas bandeiras, na navegação, etc.

Influenciado pela sugestão de Martius, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen ao escrever sua História Geral do Brasil, primeiro esforço de fazer uma sistematização da nossa trajetória histórica, utiliza a mesma imagem. Sendo, é claro, que não dispensa comentários preconceituosos contra os índios, negros e mulatos, muitos parte da mentalidade do século XIX. Muito embora, Varnhagen reconheça a crueldade da escravidão indígena e os abusos dos senhores de escravos.

Capistrano de Abreu, historiador cearense ex-pupilo de Varnhagen, distanciou-se de seu mestre ao conferir ao indígena um destaque maior. Capistrano pretendia fazer uma História do Brasil que focasse a três raças realmente, retirando da cultura indígena e negra a sua versão da história também. O historiador privilegiou o índio, tendo inclusive envolvendo-se em seu mundo, e em seus Capítulos de História Colonial, parte de um projeto inacabado de rescrever a história nacional, observarmos isso ao retratar com maior detalhismo as etnias presente no sertão brasileiro e suas técnicas de resistência e aculturação.

Reservava-se maior interesse ao índio por dois motivos: primeiro, por ser considerado, pelo ideal romântico e nacionalista, o verdadeiro brasileiro e, em segundo, por estar desaparecendo, principalmente no Sul do país por conta dos anos e anos de exploração colonial. O negro ainda era visto com uma certa reserva, pois ele confundia-se com a própria escravidão, instituição vista na época como principal entrave ao Brasil para se desenvolver como os países europeus. Não fosse pelo interesse de um Raimundo Nina Rodrigues, mesmo que cheio dos preconceitos pseudo-científicos de então, em sua cultura, teríamos pouco material sobre este personagem.

A reabilitação do negro na historiografia brasileira começou com a Abolição, finalmente estavam todos libertos da inconveniente escravidão, o que não quer dizer que com ela veio automaticamente a valorizaçaõ da cultura afro-brasileira. É muito comum se ver em jornais abolicionistas piadas e paródias criticando a obscenidade e preguiça do negro. A verdadeira reabilitação vem com Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, pois nesta obra ele defende a força da cultura negra - mesmo que proclame por um lado seu total desaparecimento por meio da miscigenação.

Fora abolida a escravidão, mas o Brasil ainda não se desenvolvera. A culpa estaria no seu povo mestiço, acreditavam então os pensadores da época. Assim, o caboclo une-se ao negro como elemento responsável pro nosso atraso social e econômico, por conta de sua "preguiça". Monteiro Lobato é o principal líder dessa corrente, mas que, diante da situação precária na saúde e na agricultura, reconhece o problema não no tipo físico, mas na nossa história, posteriormente.
O mestiço passa a ser reabilitado pelos regionalismos, São Paulo, por exemplo, exalta a figura do mameluco, fruto da união do índio, habitante natural desta terra, com o branco, o bandeirante que desbravou esse país. Pouco a pouco ele deixa de ser o problema para ser o orgulho. Aí entra, mais uma vez, Freyre e sua defesa da miscigenação como nossa característica original e benigna, o que nos diferenciava do resto do mundo.

Esse ideal será absorvido pelo Estado Novo, que fazia uso de um novo nacionalismo. Era preciso unir o Brasil inteiro sobre a figura do líder nacional, Getúlio Vargas, e aí temos a institucionalização á nível federal do ideal das três raças, principalmente com a instituição do Dia da Raça. Símbolos emblemáticos dessa época são os trabalhos dos antigos modernistas, como Cassiano Ricardo e seu Martin Cererê, onde mostra como o índio, o negro e o branco desbravaram e povoaram o sertão, ou mesmo de Juca Mulato de Menotti del Picchia, onde o poeta Juca Mulato, pela sua própria natureza mestiça, navega pelos diferentes tons da poesia e da inspiração.

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