quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Período Populista: Amazonas I

No esquema de hoje vamos ver alguns desdobramentos do período no Amazonas:


Instabilidade
O Estado Novo acabou em 1945, mas as eleições para governador só viriam dois anos depois. Até 1946, o Amazonas esteve entregue aos interventores federais. O mais famoso foi o escritor Álvaro Maia (1898-1969), governando de 1935 a 1945. Em 1946, passaram pelo Palácio Rio Negro Julio José Nery, Raimundo Nicolau da Silva, João Nogueira da Mata e o tenente-coronel Siseno Sarmento, este foi um dos últimos interventores locais.

Siseno Sarmento (1906-1983). Fonte: Coronel Roberto Mendonça.
Por quê tantos nomes passaram pelo governo do Estado? Além das disputas políticas locais havia a preocupação de achar um interventor que fosse neutro (nem contra nem a favor das famílias tradicionais, nem contra nem a favor de Vargas). Daí surgir o nome do tenente-coronel Sarmento: como militar ele acataria as ordens do Exército de acabar com o Estado Novo, ou seja, ele passaria o poder sem nenhuma confusão pro próximo governador.

As primeiras eleições
No Senado, havia a Assembléia Constituinte. Como representantes do Amazonas na discussão estavam  Álvaro Maia, Leopoldo Neves, Cosme Ferreira Filho, Leopoldo Peres e Waldemar Pedrosa. A Constituição é finalmente concluída e outorgada em 1946. Ela deixa para o ano seguinte as eleições para governadores, senadores e deputados.
Em janeiro de 1947 temos as eleições. PTB-UDN lançam o nome de Leopoldo Neves (1898-1953), enquanto o PSD coloca Ruy Araújo como candidato. Neves obtém uma vitória esmagadora. São eleitos na mesma época como deputados os jovens Paulo Pinto Nery e Plínio Ramos Coelho, ambos advogados.

"Quase" inimigos
Como vimos nos esquemas anteriores, PTB e UDN eram arquinimigos, como puderam se unir então? A explicação está na formação dos partidos aqui no Amazonas: tanto o PTB quanto a UDN foram criados por homens públicos que tinham em comum sua insatisfação com o Estado Novo. Não havia uma ideologia trabalhista ou udenista no Amazonas, ao contrário do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais. A política no Amazonas, como em muitos lugares, era muito personalista. Álvaro Maia se tornou símbolo do Estado Novo, nele recaiu os descontentamentos com o regime e não em Vargas.
O governo de Álvaro Maia foi um fracasso. Embora fosse um político muito carismático, seu governo não conseguiu resolver o essencial, o que tinha proposto desde o início: reerguer a economia da borracha. Em 1942 com a Campanha da Borracha é o pico de sua popularidade, porém, quando os americanos abandonam a iniciativa com o fim da guerra, fica o ressentimento contra o político, muitos acharam que ele poderia ter feito mais.
Por isso, o partido de Maia, o PSD, foi isolado nas primeiras eleições. Além disso, existiam no PTB e na UDN local poucos membros que se identificavam mesmo com a ideologia dos seus respectivos partidos: a maioria dos membros eram de políticos tradicionais que gostavam mais ou menos de Vargas.

Fonte: Coronel Roberto Mendonça.

O eleito
Leopoldo Neves era um senhor que já tinha passado pela experiência de ser deputado federal e prefeito de Parintins, tendo assistido na época uma revolta militar conhecida como Batalha Naval de Itacotiara.
O que ele tinha que enfrentar era um estado em crise. A borracha já tinha deixado de ser lucrativa há muito tempo. Os Acordos de Washington ajudaram a melhorar um pouco a infra-estrutura de alguns pontos estratégicos da cidade, mas os serviços urbanos ainda estavam quase que abandonados. Neves tentou equilibrar as despesas do Estado com o custo de novas obras. Não conseguiu. O governo de Leopoldo Neves foi breve e com poucas realizações.
Aliás, no final de seu mandato ocorre uma certa instabilidade já que Neves decide se exonerar do cargo para se tornar senador. Assume como governador José Negreiros Ferreira e depois Francisco do Areal Souto e Julio Francisco de Carvalho Filho. A quantidade de governadores interinos pode ser explicada peas denúncias de corrupção e nepotismo enfrentadas pelos mesmos.

A volta do velho tuxaua
Álvaro Maia em 1950.
Em 1950, novas eleições. Surgem como candidatos Álvaro Maia pelo PSD e Severiano Nunes pela coligação PTB-UDN. O escritor amazonense é novamente eleito. Novamente temos a coligação dos arquiinimigos, só que Álvaro Maia, um político carismático, sai vencedor diante de um candidato quase inexpressivo (Nunes era conhecido mais pela sua atuação tímida de advogado).
Álvaro Maia não pode ser confundido com o político populista que predomina nesse período, porque ele representa as tradicionais e decadentes famílias que surgiram no boom da borracha e não tem a preocupação de manipular o povo para atingir a paz social, como os populistas faziam. Sua preocupação é reconstruir a Manaus da Belle Epoque.
Mesmo assim seus discursos eram muito eloquentes e conseguiam cativar o povo. Maia tinha lançado nos anos 30 um movimento cultural conhecido como glebarismo que pretendia defender a cultura regional e constantemente reafirmava sua origem ribeirinha, se tornando mais simpático á população local. Além disso, Maia conquistou o apoio dos ribeirinhos por meio das medidas para ajudar a desenvolver o interior aplicadas no seu governo (afinal, foi um dos primeiros a se preocupar com o interior do Amazonas, onde nasceu e foi criado).

Mais uma tentativa
No seu segundo governo, Álvaro Maia tenta aquilo que não conseguiu no primeiro: desenvolver a economia da Amazônia. Graças a sua influência consegue incentivar a criação da Superintendência de Valorização da Amazônia (SPVEA) em 1953. O objetivo do órgão era justamente de incentivar o desenvolvimento econômico local, no entanto, os recursos enviados pelo governo federal eram muito poucos e a experiência foi um fracasso, como admitiu seu superintendente, o Prof. Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1992).
Além disso, com os poucos recursos que chegaram o órgão apostou mais no extrativismo (não só da borracha, como do pau-rosa, da castanha, da juta e da balata) e não numa indústria que tornasse essas matérias primas produtos acabados. Na cidade, desde a década de 1940 existiam fábricas destinadas á beneficar esses produtos, como a Usina Triunfo dos irmãos Sabbá (dedicada a beneficiar pau-rosa). Estas pequenas fábricas não foram tão beneficiadas assim pela SPVEA.
Não pesquisamos ainda sobre o peso da notícia do suicídio de Vargas em Manaus, mas podemos dizer que ela não deve ter passado desapercebida.
É ainda nesse governo que se destaca o jovem Plínio Coelho (1920-2001) defendendo no tribunal processos sobre estivadores e funcionários públicos. Aos poucos, ele sai do Direito Trabalhista para a militância trabalhista propriamente dita. Coelho se torna popular e o PTB lança seu nome para as eleições de 1995. O candidato do PSD, Paulo Nery (1915-1995), perde para o seu colega advogado.

Plínio Ramos Coelho. Fonte: Cel. R.M.
"Sangue novo"
Com Plínio Coelho saímos do período amorfo da política amazônica, onde os partidos eram escolhidos não segundo a ideologia, mas segundo o peso da legenda. A política se radicaliza. O trabalhismo se torna um fenômeno no Amazonas e a sua simples presença faz com que a batalha ideológica se acentue. Aos poucos os elementos das classes tradicionais se debandam para a UDN onde o que guia suas ações é mais o conservadorismo. Até então existiam apenas dois partidos fortes no Estado: o PSD, aparelhado pelos interventores e sua corte pessoal, e a UDN, onde pousaram os críticos ferrenhos do Estado Novo. Agora o PTB ganha força e apoio popular, diferente dos demais onde prevalecia o personalismo (o culto ou ódio á Álvaro Maia, por exemplo).
Os liberais enxergavam no trabalhismo uma alienação em larga escala, como é o caso do então advogado Oyama Ituassu (1926-2009). Os conservadores acreditavam que o trabalhismo não tentava ensinar liões valiosas sobre a moral e os bons costumes á população, mas apenas satisfazer o desejo das massas em troca de seus votos. Era o que pensava Arthur Reis.
E o que pensava o povo?
Plínio tinha um discurso novo e a fama de trabalhar pelo povo conquistada dos tempos em que advogou Direito Trabalhista. O político direcionava o seu discurso ao trabalhador amazonense, prometendo melhorar sua vida, ainda que com medidas paliativas como conceder terrenos, material de construção ou cestas básicas. Plínio também era próximo de muitas lideranças sindicais como o presidente do sindicato dos estivadores Antogildo Paiva e até de líderes comunistas como Aldo Moraes.

Cidade Flutuante. Fonte: Cel. R.M.
Trabalhismo no Amazonas: algumas considerações

Antes mesmo da queda da borracha, Manaus era uma cidade altamente desigual, onde o centro foi gradativamente se tornando espaço exclusivo da elite amazonense. A população trabalhadora tinha péssimas condições de trabalho, principalmente os estivadores que literalmente, na feliz expressão de Maria Luiza Ugarte, carregavam a cidade sobre os ombros. Essa categoria, por exemplo, fez inúmeras greves até conseguir condições melhores, mesmo assim perdeu o espaço por conta da mecanização do porto. Os carroceiros também faziam greves contra o pequeno salário e a alta dos preços dos alimentos. Isso tudo antes da queda da economia gomífera.
Com a crise dos anos 20, a cidade quase pára: a maioria dos serviços urbanos era feita por empresas estrangeiras, o comércio da borracha que movimentava a economia local, os seringais foram sendo esvaziados e a cidade inchando. É nessa época que surge os primeiros barracões que darão origem a Cidade Flutuante. Nos anos 50 e 60, as invasões de terrenos e a construção de casas na periferia da cidade, por conta dessa onda de trabalhadores desempregados, é responsável pela criação de muitos bairros até hoje populosos como Santa Luzia, São Jorge, Morro da Liberdade, etc.
O trabalhador urbano não era contemplado na maioria das medidas dos últimos governantes. Quando eles vêem um político concedendo terras e cestas básicas logo percebem que esse pode ser o seu "Pai dos Pobres". Por isso o fenômeno do trabalhismo foi tão forte no Amazonas, porque havia uma massa de trabalhadores marginalizados que passaram a ver em Plínio uma chance de serem atendidos.

Mais tentativas
As políticas assistencialistas de Plínio, no entanto, se restringem á cidade, uma vez que dizem respeito ao trabalhador urbano. No período em que o trabalhismo foi poderoso no Amazonas (1955-1963), o interior ficou meio que á deriva. Outro lado curioso do movimento era a sua ânsia de reconstruir a Manaus da Belle Epoque, tal qual Álvaro Maia pretendia. Como forma de demonstrar a conquista desse objetivo iniciou um projeto urbanístico que lembrava e muito a arquitetura da Belle Epoque. É o projeto da Nova Manaus.
No campo da economia, pensou-se que a descoberta de petróleo em Nova Olinda do Norte em 1955 pela Petrobras seria a solução para o problema da crise. No entanto, a Petrobras não levou adiante o projeto. Esperava-se que as rodovias Belém-Brasília e Manaus-Santarém ajudassem a conectar o Estado á futura capital do país e com isso melhorar a circulação de mercadorias, mas só a primeira foi construída e inaugurada somente no final do governo de Juscelino Kubitschek. O governo JK é lembrado como um período de prosperidade, mas esta não chega ao Norte e Nordeste (este último teve uma das piores secas do século XX em 1956).
Em 1957, um obscuro deputado local, Francisco Pereira, propõe uma iniciativa que transforme Manaus em uma espécie de entreposto de produtos vindo tanto do próprio país como dos demais países amazônicos como Equador, Venezuela e Colômbia. O projeto do Porto Franco é aprovado por JK, mas a datade sua aplicação fica indefinida.


Aprendiz de feiticeiro
No governo de Plínio surgem importantes lideranças trabalhistas e sindicalistas. O jornalista Arlindo Porto, por exemplo, começa a ganhar destaque aqui. Mas uma das mais importantes lideranças do período é o jovem Gilberto Mestrinho, até então um jovem funcionário da Receita Federal que é alçado por Plínio á candidato á prefeito.
Plínio percebe que não conseguirá continuar seu projeto trabalhista, porque não tem sucessor e não pode se reeleger. A solução é fazer o seu sucessor. E Plínio pega Gilberto Mestrinho para ser seu filho político, para receber toda sua herança política. Além de levá-los nos comícios, para acostumá-lo com a lógica populista, Plínio começa a abrir para o jovem funcionário público cargos cada vez mais importantes no PTB. Outros membros do partido ficaram desconfiados da competência do jovem aprendiz, mas não contestaram a idéia de Plínio.
Essa preparação começa ainda nos três últimos anos de seu governo e rende bons frutos. Mestrinho se torna prefeito em 1955, simplesmente por ser o candidato indicado pelo "Ganso do Capitólio".  Já nas eleições para governador, já possui a sua própria fama de defensor dos desvalidos. Na campanha de 1958, Mestrinho é eleito governador, vencendo Paulo Pinto Nery, o eterno candidato do PSD.
______________
Continuaremos a falar do Amazonas no próximo post.
Esquemas anteriores:
Período populista - introdução
Período populista - crises

2 comentários:

  1. Amei saber um pouco mais da historia que meu bisavó
    José Negreiros Ferreira viveu.

    ResponderExcluir
  2. Amei em saber mais sobre a historia em que meu Bisavô Jose Negreiros Ferreira viveu.

    ResponderExcluir