sábado, 22 de outubro de 2011

Período Populista: Crises

Continuando aquele nosso esquema sobre o Período Populista ou Democrático (1945-1964), hoje vamos falar um pouco sobre as crises que afetaram a época, além de falarmos de alguns pontos interessantes:


Getúlio Vargas
Acho que já deu para perceber no esquema anterior que Vargas continuou atuando na política mesmo depois de ter acabado com o Estado Novo em 1945. O PTB e o PSD são dois partidos criados por ele que se complementam: o primeiro tem um apelo mais popular e o segundo uma ligação mais forte com a classe política e administrativa estaduais. O partido do "povo" e o partido do "poder".
Vargas sabia muito bem como manipular as regras do jogo político. A criação dos dois partidos é uma prova disso. Tanto que é ele que inicia o populismo no Brasil quando se candidata á presidência em 1950. Não é mais o Vargas autoritário do Estado Novo, mas o Vargas populista, que sabe como conquistar o apoio do povo através de medidas em seu favor e de discursos que atacavam os interesses "anti-nacionalistas".Muitos acreditam que a figura de Vargas definiu esse breve período democrático. Enxergam até o Golpe de 1964 como uma tentativa de apagar essa influência varguista, que sobreviveu em seu afilhado político João Goulart.

"Mar de lama"
Vargas foi eleito em 1950, para desgosto da UDN, que suspeitava que a qualquer momento o "Pai dos Pobres" realizasse um novo golpe, como o de 1937. A luta entre getulistas e anti-getulistas acontecia não só nas tribunas, mas, principalmente na imprensa: A Última Hora, jornal de Samuel Wainer, defendia Getúlio, enquanto A Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, o atacava. As principais denúncias eram sobre corrupção por parte da bancada trabalhista.
Quando o Ministro do Trabalho, João Goulart, anunciou um aumento do salário mínimo em 100% em 1954, a UDN e todos os oposicionistas encararam a medida como uma forma de levar o país á crise e assim justificar um golpe. É lançado o Manifesto dos Coronéis, onde estes oficiais do Exército pedem a demissão de Goulart ou se revoltarão. Goulart é demitido.
A crise se aprofundaria em agosto quando Lacerda foi alvo de um atentado a caminho de sua casa (ficou conhecido como Atentado da Rua Toneleros). O jornalista foi atingido no pé, mas seu amigo, o major da Aeronáutica Rubem Vaz, foi morto. Os criminosos são presos e a UDN e as Forças Armadas pedem uma investigação profunda sobre o caso. Os inquéritos revelaram que o atentado foi encomendado pelo guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato. Os jornais afirmam que Vargas está envolto por um "mar de lama", pedindo a sua renúncia.


O suícidio
Em 25 de agosto de 1954, Vargas encontrou uma forma dramática de escapar da vergonha de renunciar: o suicídio. Quando souberam da notícia, muitos acreditaram que ele teria sido morto pelos seus inimigos. Um ataque foi feito á casa de Carlos Lacerda e outro á seu jornal, Tribuna da Imprensa. Sem falar das manifestações contra outros membros da UDN.
Era esse o efeito que Getúlio esperava: que seus adversários saíssem como culpados de sua morte. Não que ele tentasse incriminá-los, mas que eles o levaram a tomar uma atitude extrema. É isso que diz mais ou menos a Carta-Testamento. Ela  é enderaçada ao povo, falando do martírio que o presidente passou nos últimos anos tentando ajudar o povo a lutar contras os trustes (empresas estrangeiras). E conclui que Vargas "saiu da vida para entrar na História".

Marechal Lott passa em revista pela sua tropa.

Novembrada
Quem assumi a presidência é o vice de Getúlio, Café Filho, de um obscuro partido potiguar. Após as agitações populares, Café Filho inicia uma política econômica mais liberal, diferente do protecionismo de Vargas. O presidente por causa de uma doença tem de passar o cargo para o presidente do Congresso, Carlos Luz. Ao saber que Juscelino Kubistchek de Oliveira, membro do PSD jovem e próximo de Vargas, e Jango Goulart, amigo íntimo de Getúlio, disputarão as próximas eleições Luz e a UDN ficam preocupados. O resultado das eleições favorecem o PSD e o PTB e seus adversários pólíticos, ao redor de Luz, o convence de que é preciso dar um golpe para evitar a posse dos dois.
O Marechal Henrique Lott é convidado a participar do golpe, mas recusa por achar um crime anti-consitutcional. Ele passa a mobilizar as bases militares do Rio de Janeiro para impedirem os golpistas. Sabendo que serão presos por Lott, os golpistas (dentre eles, Lacerda, Almirante Pena Boto, coronel Jurandi Mamede) entram em um navio. Pretendem navegar até Santos e lá montar uma espécie de governo rebelde. Próximos do seu destino são detidos por outros navios da Marinha. Os golpistas foram presos,mas seriam anistiados por JK, após ser empossado presidente.


Revoltosos de Aragarças rendidos.
Aragarças e Jacareacanga
O governo JK teve poucas crises políticas, por isso é tido como um dos melhores governos dos últimos anos. Na realidade, devemos essa estabilidade á figura moderada de JK (embora ele tivesse alguns surtos de autoritarismo), o bom momento econômico que propiciou seu Plano de Metas e a legitimidade, do ponto de vista militar, que ele detinha por conta do apoio de um personagem tão prestigiado nas Forças Armadas quanto o Marechal Lott.
Mesmo assim, em todo governo até 1990, houve no mínimo alguma revolta militar, geralmente de oficiais inferiores, contra alguma medida (como o ritmo das promoções ou a marginalização do cargo). Acabar com esse medida significa, para muitas dessas revoltas, acabar com o governo que a produziu. Alguns oficiais da Aeronáutica insastifeitos com a posse de JK e com a corrupção nas Forças Armadas e no governo partiram para montar suas bases "revolucionárias" no sertão, entre os estados de Goiás e Pará, em 1956. O plano era partir da região em direção ao Rio de Janeiro, em alguns aviões sequestrados, e bombardear o Palácio das Laranjeiras (sede do governo) e do Catete (residência do presidente). A Revolta de Aragarças, nome da cidadezinha onde ficava uma das bases, foi rapidamente dominada pelo governo. Os tenentes e capitães envolvidos na revolta, contudo, foram anistiados.
Em 1959, planejaram uma nova revolta com a mesma tática. Eram os mesmos nomes: Haroldo Veloso, João Paulo Burnier, dentre outros. E até a cidade escolhida, Jacareacanga, ficava próxima da antiga. Novamente a revolta não ocorreu, mas dessa vez os envolvidos conseguiram fugir antes de serem presos, se refugiando na Bolívia.


A renúncia misteriosa
Jânio Quadros, um político com um discurso moralista, mas ao mesmo tempo populista, foi procurado por membros da UDN para se tornar o candidato do partido para as eleições de 1960. Ele aceita e inicia uma campanha que o tornou conhecido no Brasil inteiro e não mais apenas no estado de São Paulo. Do outro lado está a aliança PTB-PSD com a candidatura de Marechal Lott como presidente e Jango mais uma vez como vice. Lott não era tão popular assim quanto Jânio Quadros ou Jango.
Nessa época, havia o que se conhecia como voto desvinculado: você poderia votar numa pessoa para presidente e em outra, de outro partido até, para vice. Você votava na pessoa e não na legenda (partido). Isso permitiu que Jânio Quadros fosse eleito presidente e tivesse como vice o inimigo visceral da UDN, João Goulart.
Jânio tinha começado seu governo tentando domesticar a crise econômica que teria se aprofundado com o Plano de Metas de JK, fazendo o Brasil contrair mais dívidas. Além disso tinha baixado uma série de medidas, um tanto moralistas, como proibir o uso de biquini nas praias, o uso de lança-perfume nos carnavais, etc. Até aí já era de esperar algo assim vindo de Jânio. No entanto, na política externa é que esse homem conservador tomou medidas um tanto revolucionárias, para desagrado da UDN.
O paulistano era fã do presidente do Egito da época, Gamal Nasser, que defendia uma política externa de não-alinhamento nem com o EUA nem com a URSS (vivíamos então a Guerra Fria, momento em que estas duas potências manipulavam os demais países para assegurar seu domínio). Jânio queria fazer isso no Brasil e junto com Afonso Arinos criou a Política Externa Independente (PEI). O governo de Quadros cultivava relações com países do Oriente Médio, da África, da Europa e até com a China comunista de Mao Zedong.
A UDN pensou que Quadros estava saindo do seu controle. A gota d'água veio quando o presidente condecorou o guerrilheiro cubano Che Guevara em 1961 por, á seu pedido, ter salvo a vida de sacerdotes católicos na ilha de Fidel Castro. Seu partido e os militares não deram atenção para este último fato e trataram de crucificar o presidente, atacando-o de comunista. Assim, alguns meses depois Jânio envia uma carta de renúncia ao Congresso.
Na carta, Jânio diz que "forças ocultas" o fizeram renunciar. A carta, um tanto ambígua, foi aceita pelo Congresso e Quadros deixou de ser presidente. Muitos se perguntam porque Jânio teria renunciado. Está claro que a pressão da opinião pública e de seu próprio partido era grande, mas ele também tinha uma série de admiradores, igualmente fortes. Ele poderia ter insistido um pouco mais para continuar no governo.
Alguns acreditam que Jânio não aguentou a pressão, outros que ele fez um blefe. Talvez Jânio acreditasse que todos deixariam de atacá-lo se soubessem que se ele renunciasse Jango, chamado de comunista pela UDN, seria o novo presidente. Mas o Congresso aceitou a carta e só restou a ele sair da presidência.


João Goulart em 1962.
Parlamentarismo
Jango estava em visita á China quando o episódio da renúncia aconteceu. Os ministros militares se preveniram e formaram uma junta militar que governaria o país para impedir que Jango assumisse. Eles empossam o presidente do Congresso, Ranieri Mazzili, como novo presidente. Chegaram até a mobilizar tropas para prenderem o futuro presidente quando ele chegasse. Muitos defensores de Jânio e de Jango foram presos. Voltava o caos.
A direção do PSD passa a negociar com os militares uma forma de fazer Jango voltar e ao mesmo tempo impedir uma guerra civil. Eles chegam a um acordo: o Jango só será empossado presidente se o Executivo perder um pouco de seu poder. E é assim que é outorgado o Ato Adicional N.5 que basicamente institui o parlamentarismo no Brasil. Os primeiro-ministros eram eleitos pelo Congresso e, com a exceção de Hermes Lima (que tinha simpatia pela esquerda), eram sempre políticos liberais, moderados, de centro-esquerda ou centro-direita. Um dos primeiro-ministros mais famosos foi Tancredo Neves.
O parlamentarismo tirava o poder do presidente e isso frustou os planos de líderes, tanto da esquerda como da direita, de se tornarem presidentes. Nessa causa se uniu boa parte da UDN, sob orientação de Carlos Lacerda, do PTB e do PSD. Assim, em 1963, é feito um plebiscito para saber se o povo realmente quer continuar no parlamentarismo. O resultado é a vitória esmagadora do presidencialismo. Jango se torna finalmente um presidente com poderes e não meramente decorativo.

Jango no comício-monstro de 1964.


República Sindical
Jango sabia que seu governo era muito frágil, por isso buscou construir alianças em todos os lugares possíveis. Havia uma ligação com a esquerda através da figura do secretário-geral do PCB, Luís Carlos Prestes. Leonel Brizola, seu cunhado, representava um setor mais radical do trabalhismo que se aproximava um pouco do comunismo no campo ideológico. Goulart se apoiou também nas lideranças sindicais, sejam elas da Confederação Geral dos Trabalhadores ou do Sindicato dos Metalúrgicos. Por isso esse momento também é conhecido como República Sindical.
Outra base de apoio de Goulart passou a ser os oficiais inferiores das Forças Armadas como os majores e sargentos, uma vez que eles revindicavam melhores condições para seus cargos e promoções mais rápidas. Os oficiais superiores, muitos deles de inspiração golpista, foram afastados de cargos de considerável importância para cargos burocráticos. Essa estratégia desenvolvida pelo general Assis Brasil, amigo de Jango, ficou conhecida como "dispositivo militar".
Outra tática que fez Jango conseguir mais apoio foi a defesa das reformas de base, ou seja, medidas para desenvolver o Brasil industrialmente, efetivar a reforma agrária e a distribuição de renda. Os projetos eram enviados ao Congresso, cuja maioria era da UDN e do PSD, que rejeitava. Goulart passou a atiçar em seus comícios o povo contra o Congresso conservador e aventar a idéia de se reeleger (como uma reeleição consecutiva era proibida pela Constituição de 1946, o único jeito dele fazer isso seria fazer uma nova Constituição). Isso era o bastante para deixar a UDN e os setores mais conservadores das Forças Armadas certos de que Jango daria um golpe.
A situação não era favorável á Jango: ele tinha de solucionar uma crise inflacionária que Jânio não conseguiu diminuir e, além disso, pagar a dívida externa aumentada por JK. Várias greves eram feitas contra a inflação e contra os trustes. O Brasil estava passando por um momento muito delicado que para á classe média, fortalecida nos otimistas anos JK, significava um caos total. No campo a situação não mudara muito, a não ser pelo surgimento das Ligas Camponesas que pregavam a reforma agrária "na marra", para raiva e susto dos latifundiários.  Assim, existiam muito mais elementos descontentes com o governo de Jango que alguns setores das Forças Armadas e a UDN.


Tanques vindos de Minas chegam no centro do Rio de Janeiro em 1964.
O golpe
Em março, Jango organiza um comício-monstro onde comparece em peso no centro do Rio de Janeiro todas as categorias de trabalhadores da cidade. Subiram no palanque Tancredo Neves, seu assessor, lideranças sindicais e o próprio presidente que faz um discurso eloquente sobre as forças reacionárias que pretendem derrubá-lo, mas que serão impedidas pelo povo. No final do mesmo mês uma crise na Marinha: marinheiros que desejavam fazer seu próprio sindicato tem voz de prisão decretada pelo Ministro da Marinha, mas se refugiam no Sindicato dos Metalúrgicos. Os homens mandados para os prenderem aderem á revolta, liderada pelo Cabo Anselmo. Jango manda seus representantes negociarem com os marinheiros. Eles saem e são presos, mas alguns minutos depois são soltos, sem que o Ministro da Marinha saiba disso, e organizam uma passeata pelo centro da capital comemorando a sua liberdade. O caso foi visto como quebra da hierarquia, um dos pontos mais sagrados da instituição militar, o que fez com que muitos oficiais se unissem aos conspiradores de plantão.
Em 31 de março, Jango faz um discurso no Automóvel Clube para os sargentos e marinheiros dizendo que não se tratou de quebra da hierarquia, mas de justiça e retorna á velha promessa de que as reformas de base serão feitas, com ou sem a ajuda do Congresso. É o bastante para os conspiradores organizarem a deposição do presidente. As tropas do general Mourão Filho partem do interior de Minas Gerais com o apoio do governador desse estado, Magalhães Pinto (udenista convicto) e chegam até o Rio de Janeiro ganhando adesões inesperadas das tropas enviadas para impedi-las de chegar á capital. Assim, em 1 de abril de 1964 Jango é deposto por um golpe cívil-militar, dando fim ao breve período democrático em que o Brasil entrou em 1945.

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