sábado, 2 de julho de 2011

O vice que foi titular

Itamar Franco em 2008. Fonte: Abril.
Hoje recebi a notícia de que Itamar Franco havia falecido. Faleceu na madrugada de ontem no Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, aos 81 anos. Itamar foi um personagem muito importante na História do Brasil. Como vocês sabem, os vice-presidentes são figuras quase sempre ofuscadas pelos presidenciáveis. Vez ou outra alguém se destaca por algum motivo especial. Foi o caso de Jango Goulart na década de 1960 que teve que assumir após a renúncia de Jânio Quadros, fato que culminaria no golpe de 1964. Itamar, por sua vez, chegou ao poder anos depois da ditadura (no período que ficou conhecido como Nova República), com o impeachment de Fernando Collor em 1992.
Itamar fazia parte da tradição da política mineira, uma tradição muito forte na política nacional aliás. Coisa que ele fazia questão de ressaltar, seja valorizando as "montanhas de Minas" ou o "pão de queijo mineiro". Que tradição é essa? A política da conciliação.

Juiz de Fora, MG: onde Itamar começou sua carreira política como vereador.
Falamos aqui, em outra oportunidade, sobre a situação do Rio Grande do Sul antes dos anos 1930: a luta fraticida e radical entre as facções políticas que Vargas soube conciliar por um tempo. Em Minas, como no Rio Grande do Sul, também existiam facções políticas e famílias tradicionais e poderosas, mas a violência era menos aparente. Haviam acordos, cada uma fazia sua concessão, em troca o estado continuaria coeso para continuar influenciando os rumos da política brasileira, como o fez no famoso "café-com-leite" ao lado de São Paulo.

Tancredo Neves
Tancredo era mineiro e sua indicação como presidente era uma forma de conciliar o passado da ditadura com o presente da democracia, afinal Tancredo não era tão radical nem tão conservador. Itamar Franco foi indicado como vice porque possuia quase a mesma característica - apesar de ter alguns surtos de fúria. Aliás, outra figura conciliadora importante também vinda de Minas foi o vice de Lula, José Alencar, que infelizmente veio a falecer em março desse ano.

José Alencar
Alencar era um bem sucedido empresário, dono de umas das maiores fábricas téxteis do país (a Cotenminas), representando o grande empresariado brasileiro. Alencar, contudo, era um homem que cultivava a imagem de ser aberto ao diálogo. Por isso foi indicado na chapa de Lula: era o símbolo da união entre proletariado, sendo que esse liderava a coligação na figura de Lula, e a burguesia.

Fernando Collor e a primeira-dama Roseane no dia da posse em 1990.
Itamar tinha sido indicado na chapa de Collor porque ele representava um político com mais experiência e de maior confiança, pertencendo ao PMDB desde os anos 60 (embora tenha começado no PTB em Juiz de Fora), ao contrário do obscuro e jovem Fernando Collor de Melo do recém-criado Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Itamar, no entanto, entrou em atrito com Collor diversas vezes e dizem que o candidato á presidente chegou a consultar o Tribunal Superior Eleitoral para saber se poderia mudar de vice no meio da campanha por causa disso.
Embora não tenha sido beneficiado pelo esquema de Collor e companhia, havia sempre a suspeita de que ele também fizesse parte do grupo. O impeachmment de Collor foi um dos momentos em que houve uma forte pressão popular, mas que novamente as elites políticas conseguiram dar a volta por cima. O antigo PFL, um dos maiores apoiadores de Collor, foi um dos responsáveis por encetar os inquéritos como forma de se esquivar de metade da responsabilidade. Collor deposto, Itamar assume e tem de enfrentar a pressão popular e a crise financeira que vinha desde os anos finais da ditadura militar.

Fernando Henrique Cardoso
A inflação era alta e vários foram os ministros da Fazenda que tentaram resolvê-la. O mais bem-sucedido foi o antes sociólogo Fernando Henrique Cardoso, adotando um projeto do economista Edmar Bacha: o Plano Real. Basicamente, o Plano Real equiparava a nossa moeda com o dólar. Isso conseguiu estabilizar a economia nacional pela primeira vez em 10 anos. O sucesso com o Plano Real e a ausência de escandâlos por corrupção durante os três anos em que foi presidente pode nos responder porque Itamar conseguiu que o povo elegesse como presidente seu sucessor FHC. No entanto, criador e criatura se desentenderiam anos depois, quando Itamar pretendeu disputar a presidência. Fernando Henrique pediu que a cúpula do partido não apoiasse a intenção de Itamar, uma que vez que ele própria pretendia se reeleger (através de uma mudança constitucional que previa como limite de reeleição dois mandatos). A privatização de empresas estatais também desagradou ao político que, segundo Tancredo, guardava o ódio na geladeira.

Mas Itamar continuou na vida política, embora com menos visibilidade, seja como governador de Minas, como candidato á presidência ou como senador, cargo no qual estava quando veio a ser internado. Apesar de muitas excentricidades (o cuidado excessivo como topete ou a preferência por sair com lindas modelos, por exemplo), Itamar, até onde eu sei, era um homem ético e representou um período vital para se entender o Brasil de hoje.

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