A Crise dos Mísseis de 1962 foi o ponto mais quente da Guerra Fria. Por quê? Primeiro temos que entender o que significa Guerra Fria.
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo foi dividido por duas grandes potências: os EUA e a União Soviética ou URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). A URSS surgiu em 1924 quando Ivan Lênin conseguiu unificar a Rússia após uma guerra civil com os monarquistas e mencheviques e desde o começo provocou um certo mal-estar na Europa. A Europa vivia o tempo do liberalismo, enriquecida pelo neo-colonialismo que produziu assim a sua Bele Epóque, e o comunismo era uma ideologia subversiva.
Os Estados Unidos, por sua vez, nasceram ainda no século XVIII numa luta anti-colonialista e se tornaram em pouco tempo um dos maiores defensores do liberalismo. Contudo, no século XIX, o país veio a se tornar uma potência militar, influenciando os rumos da política em boa parte da América Latina e, depois da Primeira Guerra Mundial, no mundo inteiro.
| Muro de Berlim: símbolo da Guerra Fria. |
O nazi-fascismo surgiu e cresceu em boa parte pelo medo que boa parte do mundo nutria pelo comunismo (só pra relembar: o fascismo é altamente anti-comunista). No entanto, quando ficou claro que o fascismo tinha seus próprios planos de expansão também não restou outra saída senão combatê-lo. E assim surge a Segunda Guerra Mundial. Os Aliados (liderados pelos EUA, Inglaterra, França e URSS) ganham a batalha, mas a tensão continua: metade da Europa está sob o que Churchill chamou de "cortina de ferro", ou seja, está sob o domínio comunista. EUA decidem mostrar o seu poder ao mundo através das bombas de Hiroshima e Nagasaki (oficialmente o Japão já havia se rendido quando elas foram jogadas).
| Foto da explosão da bomba nuclear em Hiroshima, 1945. |
No entanto, a Segunda Guerra Mundial havia traumatizado todo o mundo. Ninguém queria uma nova guerra mundial, por isso a saída foi agir como se as duas potências militares estivessem jogando xadrez e o mundo fosse seu tabuleiro. Poucas vezes houve enfrentamentos diretos, a maior parte se resumia á troca de ameaças.
A lógica da Guerra Fria é muito simples: eu evito que você me ataque lhe provando que sou mais forte. Isso explica a corrida espacial e a corrida armamentista. Nenhuma das duas potências queria ficar atrás da outra, seja no que for. Um dos maiores medos da população mundial era que nessa corrida o mundo chegasse á um impasse incontornável. A energia nuclear foi uma das maiores forças criadas pelo homem até então, fora a explosão de duas bombas atômicas que inaugurou a Guerra Fria, e era o medo de um apocalipse nuclear que pairava na mente de muitas pessoas.
Para entender a Guerra Fria recomendo um filme de Stanley Kubrick que consegue ser genial e irritante ao mesmo tempo: Dr. Fantástico ou Como Eu Parei de Me Preocupar e Aprendi a Amar a Bomba (1964). O filme basicamente fala de uma operação de segurança criada pelos EUA ativada por um general louco desde que ficou impotente para atacar a URSS. Se essa operação for concluída, o sistema de defesa da URSS será ativado e esse sistema nada mais é do que a Máquina do Juízo Final: uma série de bombas que serão explodidas por computadores, destruindo a vida na Terra. Diante de tal ameaça, os próprios norte-americanos tentam impedir que seus homens levem o plano adiante.
| Dr. Fantástico (Peter Sellers): o bizarro conselheiro do presidente, inspirado nos cientistas alemães Werner von Braun e Herman Kahn. |
O filme foi inspirado num livro de um oficial militar norte-americano especialista em sistema de segurança e revela justamente a loucura por trás desses planos. Planos tão intricados e ameaçadores que podem ser simplesmente ativados por algum louco e deflagrar a Terceira Guerra Mundial ou o fim dos tempos assim sem mais, nem menos. Qual o objetivo de se criar um dispositivo extremamente mortal que não pode ser impedido? Simples, como explica o bizarro conselheiro do presidente Dr. Fantástico (interpretado por Peter Sellers), a idéia é incutir medo na cabeça do inimigo, é o medo de nos atacar que impede a guerra. Assim, a paz é assegurada pelo medo. Ele está decifrando um princípio que por muito tempo norteou a política dessas duas potências: a Destruição Mútua Assegurada. Significa que a possibilidade de destruição de ambos os jogadores por suas armas era o que trazia á relativa "estabilidade".
Essa estabilidade foi ameaçada em 1962, quando os EUA instalaram uma base de mísseis na Turquia (apontadas justamente para a URSS). O premiê soviético Nikita Kruschev demonstrou seu descontentamento com a medida, mas pensou em uma jogada igualmente provocadora.
| John Kennedy dá o seu ultimato na TV. |
A ilha de Cuba havia pouco se liberto do ditador Fulgêncio Batista que a usava como uma espécie de cassino, com o consentimento dos EUA. Ele fora deposto por uma revolta popular, baseada no sistema de guerrilhas, liderada por Che Guevara e Fidel Castro. A guerrilha conquistou o apoio dos camponeses e foi invadido o centro do país a partir da região rural de Sierra Madre. Em 1959, os rebeldes expulsaram Batista e seus homens do poder. O governo provisório, contudo, encontrava problemas sérios, principalmente na infra-estrutura, uma vez que os dez anos de governo de Batista tinham debilitado o país. Os rebeldes eram inspirados por um sentimento de luta anti-colonialista, dirigido principalmente aos EUA, que sabendo da deficiência do governo provisório esperava apenas o momento deles cairem em descrédito, por isso lhe impôs um embargo econômico (que continua até hoje).
| Fidel Castro faz um discurso em Havana em 1959. |
Os rebeldes cubanos foram buscar ajuda então com quem se dispussesse e encontraram a URSS altamente interessada nisso. Kruschev propôs um acordo: produtos industrializados e armas por produtos tropicais e apoio político. Assim Fidel substituiu José Martí, defensor da independência cubana, por Josef Stálin, fortalecedor do poder da URSS. Cuba se tornaria socialista, aos moldes da direção soviética.
| Fidel Castro abraça Nikita Kruschev em 1961. |
Essa aliança preocupou e muito os norte-americanos, uma vez que Cuba está apenas a 150 quilômetros de seu país. A CIA, com o consentimento do presidente John Kennedy, preparou uma tentativa para tirar Fidel do poder em 1961: chamou os dissidentes do novo regime, aqueles fiéis á Batista, e lhes forneceu treinamento militar para um ataque á ilha. No entanto, assim que chegaram á Baía dos Porcos em 17 de abril de 1961, as forças militares cubanas responderam com força, os derrotando.
| Fotos tiradas pelo caça em 1962. |
Quando os americanos instalaram os mísseis na Turquia, Kruschev já sabia onde instalaria os seus para provocar seus adversários. A instalação foi descoberta por fotos tiradas de um caça norte-americano em 14 de outubro de 1962. Kruschev dizia que os mísseis tinham apenas função defensiva, o objetivo era impedir um outro ataque á Cuba, segundo ele. Kennedy disse que se não retirassem os mísseis os EUA responderiam com um ataque nuclear. Por treze dias, o mundo esperou que uma nova guerra acontecesse: Kruschev se mostrava irredutível, assim como Kennedy. Parecia que ninguém recuaria. Nos Estados Unidos, muitos construíram abrigos anti-nucleares esperando pelo pior. Mas em 28 de outubro do mesmo ano, Kruschev voltou atrás, após Kennedy ordenar secretamente a retirada dos mísseis da Turquia.
| Charge sobre o episódio, 1963. |
O fato é que esse foi um episódio marcante da história mundial. Não por acaso o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares seria assinado por ambas potências em 1968, tentando conter a corrida armamentista e uma possível Máquina do Juízo Final.
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