sábado, 2 de julho de 2011

Apocalipse (almost) now

A Crise dos Mísseis de 1962 foi o ponto mais quente da Guerra Fria. Por quê? Primeiro temos que entender o que significa Guerra Fria.
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo foi dividido por duas grandes potências: os EUA e a União Soviética ou URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). A URSS surgiu em 1924 quando Ivan Lênin conseguiu unificar a Rússia após uma guerra civil com os monarquistas e mencheviques e desde o começo provocou um certo mal-estar na Europa. A Europa vivia o tempo do liberalismo, enriquecida pelo neo-colonialismo que produziu assim a sua Bele Epóque, e o comunismo era uma ideologia subversiva.
Os Estados Unidos, por sua vez, nasceram ainda no século XVIII numa luta anti-colonialista e se tornaram em pouco tempo um dos maiores defensores do liberalismo. Contudo, no século XIX, o país veio a se tornar uma potência militar, influenciando os rumos da política em boa parte da América Latina e, depois da Primeira Guerra Mundial, no mundo inteiro.

Muro de Berlim: símbolo da Guerra Fria.
O nazi-fascismo surgiu e cresceu em boa parte pelo medo que boa parte do mundo nutria pelo comunismo (só pra relembar: o fascismo é altamente anti-comunista). No entanto, quando ficou claro que o fascismo tinha seus próprios planos de expansão também não restou outra saída senão combatê-lo. E assim surge a Segunda Guerra Mundial. Os Aliados (liderados pelos EUA, Inglaterra, França e URSS) ganham a batalha, mas a tensão continua: metade da Europa está sob o que Churchill chamou de "cortina de ferro", ou seja, está sob o domínio comunista. EUA decidem mostrar o seu poder ao mundo através das bombas de Hiroshima e Nagasaki (oficialmente o Japão já havia se rendido quando elas foram jogadas).

Foto da explosão da bomba nuclear em Hiroshima, 1945.
No entanto, a Segunda Guerra Mundial havia traumatizado todo o mundo. Ninguém queria uma nova guerra mundial, por isso a saída foi agir como se as duas potências militares estivessem jogando xadrez e o mundo fosse seu tabuleiro. Poucas vezes houve enfrentamentos diretos, a maior parte se resumia á troca de ameaças.
A lógica da Guerra Fria é muito simples: eu evito que você me ataque lhe provando que sou mais forte. Isso explica a corrida espacial e a corrida armamentista. Nenhuma das duas potências queria ficar atrás da outra, seja no que for. Um dos maiores medos da população mundial era que nessa corrida o mundo chegasse á um impasse incontornável. A energia nuclear foi uma das maiores forças criadas pelo homem até então, fora a explosão de duas bombas atômicas que inaugurou a Guerra Fria, e era o medo de um apocalipse nuclear que pairava na mente de muitas pessoas.

Para entender a Guerra Fria recomendo um filme de Stanley Kubrick que consegue ser genial e irritante ao mesmo tempo: Dr. Fantástico ou Como Eu Parei de Me Preocupar e Aprendi a Amar a Bomba (1964). O filme basicamente fala de uma operação de segurança criada pelos EUA ativada por um general louco desde que ficou impotente para atacar a URSS. Se essa operação for concluída, o sistema de defesa da URSS será ativado e esse sistema nada mais é do que a Máquina do Juízo Final: uma série de bombas que serão explodidas por computadores, destruindo a vida na Terra. Diante de tal ameaça, os próprios norte-americanos tentam impedir que seus homens levem o plano adiante.

Dr. Fantástico (Peter Sellers): o bizarro conselheiro do presidente, inspirado nos cientistas alemães Werner von Braun e Herman Kahn.
O filme foi inspirado num livro de um oficial militar norte-americano especialista em sistema de segurança e revela justamente a loucura por trás desses planos. Planos tão intricados e ameaçadores que podem ser simplesmente ativados por algum louco e deflagrar a Terceira Guerra Mundial ou o fim dos tempos assim sem mais, nem menos. Qual o objetivo de se criar um dispositivo extremamente mortal que não pode ser impedido? Simples, como explica o bizarro conselheiro do presidente Dr. Fantástico (interpretado por Peter Sellers), a idéia é incutir medo na cabeça do inimigo, é o medo de nos atacar que impede a guerra. Assim, a paz é assegurada pelo medo. Ele está decifrando um princípio que por muito tempo norteou a política dessas duas potências: a Destruição Mútua Assegurada. Significa que a possibilidade de destruição de ambos os jogadores por suas armas era o que trazia á relativa "estabilidade".
Essa estabilidade foi ameaçada em 1962, quando os EUA instalaram uma base de mísseis na Turquia (apontadas justamente para a URSS). O premiê soviético Nikita Kruschev demonstrou seu descontentamento com a medida, mas pensou em uma jogada igualmente provocadora.

John Kennedy dá o seu ultimato na TV.
A ilha de Cuba havia pouco se liberto do ditador Fulgêncio Batista que a usava como uma espécie de cassino, com o consentimento dos EUA. Ele fora deposto por uma revolta popular, baseada no sistema de guerrilhas, liderada por Che Guevara e Fidel Castro. A guerrilha conquistou o apoio dos camponeses e foi invadido o centro do país a partir da região rural de Sierra Madre. Em 1959, os rebeldes expulsaram Batista e seus homens do poder. O governo provisório, contudo, encontrava problemas sérios, principalmente na infra-estrutura, uma vez que os dez anos de governo de Batista tinham debilitado o país. Os rebeldes eram inspirados por um sentimento de luta anti-colonialista, dirigido principalmente aos EUA, que sabendo da deficiência do governo provisório esperava apenas o momento deles cairem em descrédito, por isso lhe impôs um embargo econômico (que continua até hoje).

Fidel Castro faz um discurso em Havana em 1959.
Os rebeldes cubanos foram buscar ajuda então com quem se dispussesse e encontraram a URSS altamente interessada nisso. Kruschev propôs um acordo: produtos industrializados e armas por produtos tropicais e apoio político. Assim Fidel substituiu José Martí, defensor da independência cubana, por Josef Stálin, fortalecedor do poder da URSS. Cuba se tornaria socialista, aos moldes da direção soviética.

Fidel Castro abraça Nikita Kruschev em 1961.
Essa aliança preocupou e muito os norte-americanos, uma vez que Cuba está apenas a 150 quilômetros de seu país. A CIA, com o consentimento do presidente John Kennedy, preparou uma tentativa para tirar Fidel do poder em 1961: chamou os dissidentes do novo regime, aqueles fiéis á Batista, e lhes forneceu treinamento militar para um ataque á ilha. No entanto, assim que chegaram á Baía dos Porcos em 17 de abril de 1961, as forças militares cubanas responderam com força, os derrotando.

Fotos tiradas pelo caça em 1962.
Quando os americanos instalaram os mísseis na Turquia, Kruschev já sabia onde instalaria os seus para provocar seus adversários. A instalação foi descoberta por fotos tiradas de um caça norte-americano em 14 de outubro de 1962. Kruschev dizia que os mísseis tinham apenas função defensiva, o objetivo era impedir um outro ataque á Cuba, segundo ele. Kennedy disse que se não retirassem os mísseis os EUA responderiam com um ataque nuclear. Por treze dias, o mundo esperou que uma nova guerra acontecesse: Kruschev se mostrava irredutível, assim como Kennedy. Parecia que ninguém recuaria. Nos Estados Unidos, muitos construíram abrigos anti-nucleares esperando pelo pior. Mas em 28 de outubro do mesmo ano, Kruschev voltou atrás, após Kennedy ordenar secretamente a retirada dos mísseis da Turquia.

Charge sobre o episódio, 1963.
O fato é que esse foi um episódio marcante da história mundial. Não por acaso o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares seria assinado por ambas potências em 1968, tentando conter a corrida armamentista e uma possível Máquina do Juízo Final.

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