sábado, 28 de maio de 2011

Aprendiz de equilibrista

É impossível falar de História do Brasil sem passar por ele. Getúlio Vargas conquistou um espaço considerável na memória de muitos brasileiros pelo seu carisma e por suas medidas. Realmente entrou para a História, como queria em sua carta-testamento, sendo até hoje uma figura discutida seja na academia quanto nas ruas.
Uma amiga minha dizia que Getúlio encanta as pessoas porque ele é ambíguo: conciliador, mas autoritário; populista, mas anti-comunista, etc. Já li em algum lugar que Getúlio era um caudilho político, uma vez que ele sabia manipular o jogo político e a propaganda para fortalecer sua imagem. Quem será realmente Getúlio?
Não tentarei aqui chegar a uma versão definitiva da verdade, apenas sigo uma visão que acredito ser mais corente. Vamos lá:
Getúlio Vargas nasceu no Rio Grande do Sul, em São Borja para ser mais específico. Uma região de grandes estancieiros, sendo o seu pai um deles. Uma região fronteiriça também, onde a ameaça dos argentinos e uruguaios invadirem foi alvo constante de preocupação desses estancieiros. Além desse sentimento de protecionismo é importante lembrarmos que como estava o Rio Grande do Sul alguns anos após a Proclamação da República.O ideal positivista tinha entrado no estado tempos antes da mudança de regime e encontrou no político Júlio de Castilhos seu maior defensor. No entanto, o positivismo de Castilhos era uma adaptação bem singular do positivismo de Comte. Enquanto Comte acreditava que a sociedade entraria na idade positiva, científica, através da ação dos intelectuais, principalmente os positivistas, Castilhos considerava que o meio para se chegar á essa época de maior esclarecimento seria através da ação de um Estado forte.

Júlio de Castilhos
Acontece que existia também aqueles que não acreditavam no autoritarismo de Castilhos. Seu ideal era mais liberal, desejavam mais autonomia para a elite regionais. Os federalistas, no entanto, eram perseguidos pelos seguidores de Castilhos. O senador Gaspar Silveira Martins era o seu líder e alvo dos ataques de Castilhos. Esse eterno ódio entre castilhistas e federalistas (ou entre chimangos e maragatos, como eram conhecidos) atingiu seu auge com a Revolta Federalista em 1894, quando Gumercindo Saraiva, um caudilho vindo do Uruguai, invadiu o Rio Grande do Sul com o apoio de Martins para derrotar Castilhos. O governador então pediu a ajuda do presidente Floriano Peixoto que já tinha problemas na capital com uma revolta de marinheiros (a Revolta da Armada) que mandou muitas tropas para acabar com os rebeldes. Saraiva foi capturado e degolado. Interessante que o pai de Getúlio, Manuel Vargas, lutou do lado dos republicanos enquanto seu tio por parte de mãe, Dinarte Dornelles, lutou pelos federalistas.

Tropas comandadas por Gumercindo Saraiva na Revolta Federalista de 1894.

Essa curiosidade serve apenas para demonstrar como o Rio Grande do Sul estava dividido politicamente. Essa divisão se fazia presente não só em algumas regiões, mas em todas. E nas famílias também. O historiador Bolívar Lamounier acredita que seu descontentamento em não poder reunir sua família, principalmente os parentes que mais gostava, por conta dessa luta política foio que motivou Vargas a ser uma grande conciliador.
Getúlio Vargas em sua foto de formatura, 1907.
Vargas começou seguindo os passos do pai: entrou para o Exército, mas por ser altamente desorganizado e nada acontecer onde ficou aquartelado (em Corumbá, Mato Grosso, por conta de uma possível ameaça de invasão da Bolívia) logo pediu para entrar na reserva e com o prestígio do pai conseguiu. Foi então cursar Direito na Faculdade Direito de Porto Alegre onde veio a se formar em 1907. Seus colegas de turma passaram a ser colegas de política também, caso de Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura, etc (mais tarde conheceria os cadetes Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro, outros amigos duradouros). Se tornaram conhecidos como Geração de 1907. Em comum tinham o ideal de que o Estado devia intervir na economia e disciplinar o povo - denunciando assim a sua influência castilhista.

Borges de Medeiros
Vargas se afiliou ao Partido Republicano Rio-Grandense, templo dos castilhistas, muito cedo. Desde que Castilhos veio a falecer, Borges de Medeiros veio a substituí-lo na presidência do PRR e no governo do Rio Grande do Sul. Vargas, contudo, não o seguia cegamente. Pelo contrário, muitas vezes o criticou por suas decisões arbitrárias como impedir vereadores da oposição ou dissidentes de assumirem seus cargos. Assis Brasil, descendente político de Silveira Martins, criticava o autoritarismo de Borges de Medeiros. A gota d'água para Assis veio com a reeleição fraudulenta de Borges em 1923. Começou assim uma nova guerra civil entre chimangos e maragatos. Ao saber dessa notícia, Getúlio Vargas, então deputado federal, quis viajar imediatamente do Rio de Janeiro para lutar no Rio Grande do Sul, mas recebeu uma ordem expressa de Borges para que ficasse lá. Na realidade, Vargas ajudou mais na capital federal que no seu estado, uma vez que ele conseguiu se aproximar de deputados da oposição e de políticos de outros estados para acabar logo com o conflito e evitar uma intervenção federal. Assim em 1923 é selado na fazenda de Assis Brasil o Acordo de Pedras Altas, onde fica definido que Borges de Medeiros não poderá mais se reeleger.

Getúlio Vargas lidera a Junta Revolucionária que chegou ao poder em 1930
Nas eleições para governador em 1926, Borges indicou Vargas. Reconhecido por sua atuação no Acordo de Pedras Altas, Vargas conseguiu ser eleito e conciliar chimangos e maragatos em seu governo. Pelo menos assim, o Rio Grande do Sul naõ sofreria mais com guerras civis. O objetivo de Vargas era justamente fortalecer o estado para, unido, reinvindicar um papel de maior importância na política nacional - temos que nos lembrar que nesse período, as oligarquias mineiras e cariocas dominavam a política federal. Castilhista que era, Vargas reprovava a Constituição republicana de 1891 pois construiu uma política federalista, onde cada estado tinha autonomia, sendo que isso possibilitava assim que os estados mais fortes se sobresaíssem e dominassem os demais, como de fato veio a ocorrer. Portanto, a política nacional precisava de um Estado forte que equilibrasse os poderes regionais. Vargas aprendeu com sua carreira política do Rio Grando do Sul que para conseguir esse objetivo algumas concessões precisariam ser feitas. Como um equilibrista, ele aprendeu a conciliar os interesses de duas correntes políticas rivais há décadas. Foi essa habilidade que conquistou no Acordo de Pedras Altas que lhe seria útil anos depois quando conseguiu chegar ao Palácio do Catete. Vargas construiu o que Boris Fausto chama de um Estado de Compromisso, ou seja, um governo que se compromete com vários grupos sociais para evitar conflitos e assim conseguir seu apoio para suas medidas. Isso explica como personagens tão diferentes se reuniam em torno e sua figura, como o liberal Oswaldo Aranha, o tenentista João Alberto Lins, o fascista Lourival Fontes, o líder industrial Roberto Simonsen e os líderes sindicais.

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