terça-feira, 30 de julho de 2013

As pessoas na sala de estar

Não creio que suicídio seja a melhor solução, dizia o homem-sem-qualidades para o homem-passional. A luz dos carros lá fora ricocheteava pela janela em seus rostos. Os olhos resolutos mirando a cabeça angustiada do homem-passional. Não devia ter convidado-o para beber, pensava, mas pelo menos deram umas boas risadas antes.
Quanta inveja do homem-passional. Depressão nunca passou de um sonho para o homem-sem-qualidades. Dor de cotovelo, viver na fossa, arder de raiva, rir até chorar: pequenos e distantes prazeres.
Argumentos. O homem-sem-qualidades era bom em argumentos. Não faça isso, dizia, você tem uma vida toda pela frente. Encontrará outras musas, você verá, sem falar de aventuras. Morto, o que fará?
O homem-passional largou a arma. Seu colega admirava-se pelo seu grande poder de convencimento. Mas a admiração se transformou em triste constatação. O revólver no chão parecia atraente ao homem-sem-qualidades, mas então se lembrou de suas próprias palavras. Morto, o que fará? Não podia dar fim a sua vida, uma vez que ela não existia.
Ao lado, homem-passional chorava intensamente. Estava chegando a um momento de pura redenção, quando o homem-sem-qualidades o interrompeu. Depois do estampido, ambos estavam iguais: dois seres sem vida na sala de estar.

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