quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Quem tem medo de Arthur Reis?

Por Hélio Dantas e Vinicius Alves do Amaral
Acervo Jornal do Brasil.


Há exatos 20 anos, falecia no Rio de Janeiro, aos 87 anos, o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. Ao longo de quase nove décadas de existência, Reis exerceu uma considerável atuação como historiador, professor, político e homem público, não só no Amazonas como no restante do Brasil. Até meados da década de 1970, seus livros foram referência básica e obrigatória a quem se interessava pela História da Amazônia. Sua obra é vasta, pois, desde 1930 aos anos 1980 teve livros de sua autoria publicados regularmente, além de inúmeras matérias de jornais, palestras, cursos, artigos e prefácios.
Estudos acadêmicos abordando especificamente sua trajetória e sua obra são recentes e começaram a surgir somente na última década. Em 2001, Sidney Lobato, estudante de História na Universidade Federal do Amapá, abordou a obra de Arthur Reis na monografia “Bricolage da formação nacional: a obra de Arthur Cézar Ferreira Reis (1939-1966)”. O professor Alexandre Pacheco, da Universidade Federal de Rondônia, desenvolveu entre 2008 e 2010 o projeto de pesquisa “Arthur Reis: História, Literatura e Poder (década de 1960)”, que rendeu diversos artigos científicos. Em 2009, surgem mais duas pesquisas: a dissertação de Lademe Correia de Souza “Arthur Reis e a História do Amazonas: um início em grande estilo” e a de Leila Margareth Rodrigues Gomes, “Movimentos Sociais na obra de Arthur Reis”, ambas desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM. Nesse mesmo Programa de Pós-Graduação, foi defendida em 2011 a dissertação “Colonização e Civilização na Amazônia: Escrita da História e Construção do Regional na obra de Arthur Reis (1931-1966)”, de Hélio Dantas. Mais recentemente, em 2012, Vinícius Alves do Amaral, defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O Seringal e o Seringueiro: a ‘epopeia amazônica’ em Arthur Reis” no curso de História da UNINORTE. Vale lembrar que, em 2006, ano do centenário do nascimento de Arthur Reis, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas realizou o seminário “Arthur Reis: o intelectual e o homem de ação”.
Nascido em Manaus, em uma família tradicional, Arthur Reis obteve o título de bacharel em Direito no Rio de Janeiro, mas, ao retornar ao Amazonas em 1928, optou por ser professor de História, uma disciplina que, segundo ele, o atraía desde os tempos de ginásio. Entre as aulas de História nos tradicionais colégios locais e a atuação como editor do Jornal do Comércio (sendo este propriedade de seu pai), Reis começou a desenvolver suas pesquisas em História. O primeiro fruto foi seu livro de estreia, História do Amazonas, publicado em 1931.
Arthur Reis orgulhava-se de ter uma vida discreta, mas ainda assim era considerado uma personagem polêmica. Deve-se esse fato tanto à sua carreira enquanto pesquisador da História da Amazônia quanto à sua breve passagem pelo Governo do Estado do Amazonas entre 1964 e 1967.
Em seus escritos percebe-se claramente uma exaltação do caráter civilizatório da ação portuguesa. Para Arthur Reis, a colonização lusitana na Amazônia foi, definitivamente, bem-sucedida. Ao chegar à região, no século XVII, Portugal já teria acumulado a experiência aprendida nas colônias da África, da Ásia e do próprio litoral brasileiro, e, segundo o historiador, serviu de guia tanto para a ação do Estado quanto da “iniciativa privada” do colonizador. No entanto, mesmo com esse cabedal de experiência acumulado, a Amazônia se mostraria peculiar e diferente das outras conquistas coloniais de Portugal. O êxito dos colonizadores só foi possível porque, partindo dessa experiência prévia, não teriam se negado a realizar na região uma conquista que procurou adaptar-se às suas contingências.
Na narrativa histórica de Arthur Reis, a colonização na Amazônia segue sempre essa dupla via do ímpeto conquistador lusitano e de sua experiência adaptativa, uma alimentando a outra. É o que Arthur Reis chama de “realismo português”: o êxtase ante a grandiosidade do quadro físico, que impelem à conquista, logo dão lugar a uma “ação realística”, marcada por disposição, impetuosidade, constância e capacidade realizadora.
Toda a legislação expedida da Corte em relação à Amazônia é utilizada por Arthur Reis para servir de base a tais argumentações. Havendo necessariamente a preocupação geopolítica, que visava proteger a conquista territorial da cobiça de outros povos – preocupação essa demonstrada no aparato militar das fortificações ao longo da fronteira –, não seria somente com essa demonstração de força que Portugal iria impor a legitimidade de sua conquista na região. Para o autor, seria necessário gerir uma sociedade “ativa e modelar”, construída com incentivo à imigração e posteriormente à miscigenação, à fundação de núcleos urbanos, à tentativa de integração do indígena à nova sociedade – e uma política econômica de incentivo à agricultura, a defesa da fauna e da flora contra a atividade predatória excessiva que caracterizava a atividade extrativista, a organização do sistema de trabalho, comércio e exportação. Dessa forma, tinha um caráter de ocupação, de criação de uma “área humanizada” na região: o desenvolvimento de um processo colonizador que não visava unicamente à exploração de suas riquezas.
O esforço teórico de Arthur Reis buscava demandar uma política federal mais atuante, embasada na ciência, que analisasse as possibilidades de desenvolvimento para a região. Para tanto, empenhou-se em demonstrar que os trópicos eram habitáveis, e a possibilidade de desenvolvimento e de civilização na Amazônia, era aceitável: o problema encontrava-se não na natureza, mas na forma como a região era administrada e estudada. Inclusive, para o autor, a própria inércia e desinteresse do Estado brasileiro pela região, deviam-se, em grande parte, à visão distorcida ou idealizada que se tinha dela, que findava por condená-la ao primitivismo.
Para Arthur Reis, se no passado a conquista da região foi efetivada a contento, como um ato de coragem dos colonizadores, no presente, seria o rigor da pesquisa técnico-científica que permitiria um conhecimento exato e minucioso do território. Era preciso, no presente, retomar e plenificar a obra iniciada pelo colonizador lusitano.
A par desse pequeno resumo de sua obra, podemos entender melhor a participação de Arthur Reis em programas governamentais como a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) na década de 1950, que tinham por principal objetivo propor e executar projetos para retirar a região da crise em que se encontrava após o fim do boom da borracha. Mas a morosidade da máquina pública e as poucas verbas concedidas fizeram da SPVEA uma experiência frustrada.
Então em 31 de Março de 1964, com o golpe de Estado que implanta a ditadura civil-militar no Brasil, um novo regime se instala, prometendo moralizar a política e desenvolver o país. Parece que a promessa será cumprida uma vez que a Amazônia é encarada como região-problema dentro da Ideologia da Segurança Nacional – muito espaço, pouco ocupado, na visão dos militares corria o risco de servir de abrigo a guerrilheiros. Mais uma vez, a condição de “especialista em Amazônia” o torna um forte candidato a um cargo público, dessa vez, o de governador do Amazonas.
Mas para Arthur Reis, que assume o cargo de 1964 a 1967, guerrilheiros não eram a única ameaça à integridade da Amazônia. Em 1965, inicia uma campanha na imprensa contra a presença de instituições de pesquisa estrangeiras, instaladas na Amazônia com a conivência do Governo Federal. Entendia tais ações como um atentado à soberania nacional. Não por acaso, havia publicado em 1960 o livro A Amazônia e a Cobiça Internacional, considerado por muitos como sua obra-prima. Nele apresenta o imperialismo sondando a Amazônia desde os tempos coloniais. Isso fez dele um livro aplaudido tanto por nacionalistas conservadores como por militantes da esquerda, tendo sido alvo de sucessivas reedições ao longo dos anos 1960, 1970 e 1980.
Seu governo foi ambíguo: colecionou crises e patrocinou iniciativas ousadas, sendo taxado, paradoxalmente de “autoritário” e “inovador”. Quanto ás crises, estas foram basicamente duas: primeiramente, um atrito com a Assembleia Legislativa e logo em seguida um desentendimento com o Judiciário. A mesma Assembleia que em junho de 1964 tinha aplaudido – com a exceção do então deputado Bernardo Cabral – a posse do novo governador, em agosto o amaldiçoava por ter encerrado uma sessão e ordenado que tropas da polícia cercassem o prédio. O caso estampou as manchetes dos jornais nacionais quando o senador Desiré Guarani o relatou em Brasília. Após uma ameaça de intervenção federal e uma tentativa de renúncia, optou-se pelo “esquecimento” entre ambas as partes.
Em fins do mesmo ano, o juiz Oswaldo Salignac foi aposentado compulsoriamente pelo governador, gerando contenda entre os desembargadores sobre a constitucionalidade dessa medida. A solução? Reis invalidou sua ação e Salignac aposentou-se voluntariamente. O que estava por trás das duas contendas? No primeiro caso, os entraves dos deputados em relação às medidas que Reis propunha, enquanto que no segundo, a absolvição de um destacado membro da administração anterior, Jaime Araújo, pelo juiz em questão, gerou a exoneração de Salignac.
Em sua defesa, o historiador-governador alegava que procurava apenas aprofundar o ideal da “Revolução”, expurgando os elementos corruptos e subversivos do cenário político. No meio do caminho encontrou a resistência dos deputados e dos desembargadores. Antes mesmo de aplicar tais medidas, Reis já era visto pela oposição como uma má escolha por sua inexperiência política. Até então havia se envolvido apenas em cargos de menor teor partidário. Mas agora era diferente, agora ele se encontrava no “olho do furacão” – entre as ordens de um novo regime e os interesses dos políticos regionais. Jornais o comparavam a um macaco em uma sala de porcelana. Não tinha tato político nem popularidade, diziam.
Em seu livro Dois Anos de Governo afirma: “O poder não pode ser exercido com hesitações, fraquezas, medo de agir. Quando ele nos é confiado temos de despir-nos do que nos é o prazer da vida para, no peso do dever, decidir com energia e segurança”. Em outras palavras, estava apenas obedecendo a ordens. Mas talvez suas ações fossem uma resposta a esta descrença na sua habilidade política.
Em compensação, suas obras de infraestrutura refletem um impulso de modernização: a reforma no Porto de Manaus, a batalha pela instalação da Zona Franca de Manaus e a construção da Rodovia Manaus-Itacoatiara, dentre outras. No campo cultural, a promoção de concursos literários, a publicação de obras de autores locais através da volumosa coleção das “Edições do Governo do Estado”, a fundação da Universidade do Amazonas e a realização de festivais de cinema e teatro. Inclusive Glauber Rocha passou por aqui para produzir um vídeo promocional do Estado chamado Amazonas, Amazonas em 1966, quando o diretor ainda estava reunindo recursos para produzir Terra em Transe.
Por sua obra e sua atuação política, encontramos posições diferentes sobre o Arthur Cézar Ferreira Reis. Enquanto o cineasta Aurélio Michiles o aplaude por sua “renascença cultural”, Narciso Lobo, à época jornalista de um dos periódicos empastelados pelo governador, ressalta seu “falso liberalismo”. Celebrado em instituições tradicionais como a Academia Amazonense de Letras ou o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, criticado nas universidades.
Considerado por mais de uma geração de pesquisadores como um pioneiro e um importante sistematizador do conhecimento sobre a Amazônia, é taxado também como um historiador “positivista”, “conservador”, “autoritário” ou “superado” como se estas categorias fossem o suficiente para defini-lo. Na maioria das vezes, como diria o antropólogo Luiz de Castro Faria, sua obra é mais alvo de reverência do que de referência, sendo mais reconhecida do que efetivamente conhecida. Entretanto, há muito que ser dito, ainda, não só sobre este historiador, mas também sobre o período em que viveu. E este é o momento mais que oportuno para isso. Então, falemos de Arthur Reis!

Hélio Dantas

Mestre em História (PPGH/UFAM) e professor de História da Rede Pública Estadual e Municipal. É autor da Dissertação de Mestrado “Colonização e Civilização na Amazônia: Escrita da História e Construção do Regional na obra de Arthur Reis (1931-1966)”.

Vinicius Alves do Amaral

Licenciado em História pela UNINORTE e Mestrando em História Social (PPGH/UFAM). É autor do artigo “O Seringal e o Seringueiro: a ‘epopeia amazônica’ em Arthur Reis”, defendido como seu Trabalho de Conclusão de Curso.

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