quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS NÃO PERECÍVEIS I

Cainã Ito e Vinicius Alves do Amaral


Naquela casa o tédio era quase um parente. O que quebrava a monotonia era a geladeira: a mãe usava seus fundos como varal doméstico, o pai garimpava doces e o menino se espantava com a luz que ela possuía – será que ela continuava acesa mesmo fechada? Se perguntavaA resposta era não. E se o garoto fosse um pote de feijão saberia muito bem disso. A vida na geladeira espantaria qualquer um. Em cada prateleira, um drama.
O sabor abacaxi organizou uma assembleia extraordinária de gelatinas, com intuito de expulsar o desgraçado tutti-frutti da prateleira, uma vez que nem sabor de verdade ele era diziam elas, e quando ele tentava argumentar:-Vocês me julgam pela minha cor seus insolentes filhos da fruta, vocês hão de afogarem no creme de leite.Enquanto isso na porta da geladeira, uma reunião parecida ocorria. O tema: ovos podres.O casal Ketchup e Mostarda sugeriram a pauta com o plano de preservar a integridade da porta. O odor denunciava, mas ninguém se revelou.O silencio prevaleceu ate queo ovo número cinco dedurou. Diante disso, o alarde começou, só restava eliminar o pobre coitado. Seus colegas de granja sem pensar duas vezes, empurraram-no sem dó e nem piedade, e assim que a geladeira foi aberta espatifava-se no chão o renegado: "Oh! Ele tinha duas gemas! É um sinal! A profecia do Pão Mofado está se concretizando!”.
Mas a podridão não acabou por aí: a fofoca da vez era a traição do Seu Mostarda com Dona Pimenta. Quase se tornou um caso passional, não fosse o Requeijão ter interferido. A Manteiga derreteu-se: mais uma prova de que seu vizinho era uma boa alm... alimento.
A panela de pressão contava as novidades da cozinha: parece que a dona iria fazer salpicão. O peito de frango já soluçava. A maionese, por outro lado, sentia saudade do mundo lá fora.
E havia o medo constante das criaturas do freezer. Ninguém nunca as viu, no entanto, toda noite ouvia-se ruídos vindos de cima. Talvez fossem monstros hibernando que vez ou outra acordassem para bocejar. Talvez fosse o dono fazendo um lanchinho á meia noite, como teorizava o Salame. Quem sabe?
Na gaveta de legumes, alegria geral: a dona Batata já tinha seus primeiros brotinhos. Na quinta prateleira uma Lasanha de duas semanas resmungava sobre a vida: “É muito maçante...”. Invejava a garrafa d’água que a cada minuto saia. “Quero ver te colocarem aquela boca suja, te deixarem toda babada, como fazem comigo”, replicava sua companheira. É, tá difícil pra todo mundo.


Então, a energia acabou. O profeta da quinta prateleira, Pão Mofado, gritou: "É o sinal! Não deveríamos ter sacrificado o pobre diabo!" Já se ouvia o choro das cebolas. As paredes começavam a suar. O lugar nunca antes visitado, senão pelo pote de feijão, degelava-se e ouvia-se sons terrivelmente assustadores. E agora? O que aconteceria?


Continua no mesmo horário e na mesma geladeira...

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