sábado, 27 de outubro de 2012

Da série "A Cara de Manaus"


Acorda cedinho e vai vender picolé na rua. Digo, nas ruas.
Faz calor, do tipo implacável.
Você pede uma chuva. Dez mil picolezeiros rezam por mais calor. Não tem como competir, meu amigo. Em Manaus, o mormaço não é só uma questão climática, mas social também. Existe uma indústria por trás do mormaço: vendedores de água mineral, guarda-sol, picolé, água de coco, etc. Enfim, se acabar o calor, vêm o desemprego.
Pelo menos é o que ele pensava.
-Picolé da massa! Olha o picolé da massa! Vai?
Sacolejando no buzão, uma boa alma lhe dirige a palavra:
-Quais são os sabores?
Quais são os sabores? Ora, os sabores... os sabores...
Tá ficando velho, concluía.
Voltou para o igarapé, mas saiu de casa na pancada. Não era a sua casa. Nem era o seu igarapé. No labirinto de palafitas, na sua cabeça, em ambos se encontrava perdido.
Até hoje anda por aí, errante, á procura de uma pista sobre o passado que a doença repentina lhe tirou. No seu isopor, o picolé derretido se fundiu com o jornal formando algo que lembra o estado da sua mente hoje.

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