domingo, 27 de maio de 2012

Resmungo tropicano


Eu não gosto de sair muito. Pense num homem sedentário, sou eu! Não é que eu seja tímido, mas é que eu nunca vi muita graça em ficar na rua. Tem gente que adora ficar na rua. Tem gente que tem casa só pra enfeite: nunca pára quieto, se bobear a cama fica até na calçada. Eu não, eu gosto é de ficar em casa mesmo, onde eu faço o que quiser, onde não sou incomodado.
E o pessoal vive me dizendo: "Mas rapaz, vamos sair, vamos beber um pouco, vamos ver o show do fulano e coisa e tal" Eu não vou. Primeiro, porque tem gente que bebe e se transforma. É a metamorfose ambulante, quer dizer, cambaleante (porque afinal, depois de uns copos até garça sai tropicando nos próprios pés). E eu já to muito velho pra passar sufoco. Segundo, em show acontece de tudo: sai porrada, gente morre, enfim.
Mas tem show que vale a pena correr o risco. Por exemplo, Alceu Valença, que eu gosto muito, ia fazer um show aqui em Manaus, lá na Bola da Suframa, por conta aí do Viradão Cultural e sei lá o que. Aí eu passei a semana toda me preparando. Sim, eu me preparo.Pra aproveitar a noite você tem que tá cem por cento, senão não rola. No outro dia tu amanhece todo doído e o escambau. Eu sei do que eu to falando, rapaz, esse esqueleto aqui já virou muita madrugada só na base do chinelo.
Pois então, aí eu me hidrato, bebo água, faço uns alongamentos, passo um óleo nas juntas e pronto.
Chegou o grande dia. Eu acordo, todo suado. "Que merda é essa", eu pensei. Levanto da cama, tá aquele calor do inferno. E aquela tontura. "Pronto, to com a pressão baixa!" Pra melhorar a mulher levantou inspirada, me xingando por não ter fechado a janela antes de dormir e o caralho a quatro. Resultado: fui pro hospital.
A coisa que eu mais odeio no mundo é ir em hospital. Um bando de gente doente! A gente esperando na fila! Tem umas horas que parece que eu to na Previdência, de tanto que demora pra a fila andar. Quando o caboclo do meu lado espirra no meu cangote ou passa alguém na minha frente com a cabeça rachada aí que eu me lembro que estou no hospital.
Enfim, lá estava eu, todo feliz, no hospital, esperando. O médico me colocou no soro e me deu um diazepan. Eu lutei pra não tomar esse troço, mas a pressão só ia subindo e eu só ia ficando mais fraco. Conclusão: tomei a porra e dormi o dia todo. Quando acordei lá pelas tantas da madrugada a descoberta sensacional: eu perdi o show do Alceu Valença.
Não, o melhor: um infeliz amigo meu me liga ainda pra dizer o quanto o show tá bom. "Olha, tá fresco aqui, cheio de mulher, todo mundo dançando, o cara cantando todas aquelas músicas". Eu tive que mandar o cidadão chupar cocô pra ver se vira brigadeiro. Vê se pode: ligar para um doente só pra fazer raiva?
Você precisa ver a enxurrada de mensagens pra mim no dia seguinte: "faltou você", "porque você não foi?" "perdeu um showzão". Segunda conclusão: voltei pro hospital.
Se eu não morrer por causa do calor, morro por causa dos meus amigos.

Advertência, aviso de utilidade pública: peço encarecidamente que ninguém mencione as palavras "Alceu Valença" na minha frente nas próximas duas semanas!

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