sábado, 7 de abril de 2012

O beato que deu o que falar

Já falamos aqui em outra oportunidade das interpretações sobre a Guerra de Canudos. Hoje pretendo retornar ao assunto, mas para me focar em um aspecto dele. O que quero é entender esse estranho fascínio de nossas Ciências Sociais pela Guerra de Canudos.
Antônio Conselheiro era apenas mais um dos muitos beatos do sertão nordestino falando na volta de Jesus Cristo e no fim do mundo. O que fez dele o símbolo do messianismo brasileiro foi a dimensão que seu Arraial tomou. O Arraial de Canudos já atraia preocupações por parte da Igreja Católica na Bahia e de alguns coronéis vizinhos a região. O drama de seus moradores ganhou vulto nacional somente com a primeira investida contra o Arraial em 1893.
O que se lia nos jornais era que aquele era um movimento monarquista tentando derrubar a república por meio da revolta armada. Antônio Conselheiro seria apenas uma marionete dos ressentidos monarquistas que lhe financiavam com munição adequada. Só isso poderia explicar o fracasso de todo um batalhão da polícia em vencer os pobres sertanejos.
O que é importante perceber aqui é que Canudos é traduzida para a opinião pública nacional como um fato político. O discurso oficial e da imprensa era este: uma revolta monarquista. Quem leva este acontecimento para o campo dos estudos científicos é justamente um jornalista, Euclides da Cunha. Euclides tenta decodificar Canudos utilizando o conhecimento mais avançado da época: o evolucionismo. Assim ele encontra no determinismo geográfico a razão daquele misterioso e trágico movimento.
Canudos, portanto, já é um marco da nossas Ciências Sociais, antes mesmo delas existirem (o que oficialmente só acontece com a criação das universidades na década de 1930). Ela será revisitada pelos primeiros sociólogos e historiadores porque revisitá-la é revisitar os primórdios das Ciências Sociais no Brasil.
Essa revisão, contudo, leva a mais questões: Canudos não foi um movimento único, determinismo geográfico não explica fatos sociais, Antônio Conselheiro não era louco, etc. Assim, nos anos 70 a Guerra do Contestado, a história da Pedra do Reino, o caso de Jacobina no sul do país, dentre outros, já são conhecidos de um público maior que dos estados onde tais movimentos aconteceram. Agora não se fala em Canudos como um acontecimento isolado, mas como parte de um fenômeno maior - o messianismo sertanejo.
Nesse sentido, Maria Isaura Pereira Queiroz foi o maior nome na sistematização do messianismo brasileiro, classificando os movimentos por seu caráter singular também.Canudos agora não é mais um fato político, nem religioso, mas social. O messianismo é produto do estado de coisas deplorável do sertanejo. Abandonado e dominado pelos chefões locais (como os coronéis) ele se ampara nas promessas dos beatos. Canudos pode ser a demonstração de revolta do sertanejo para com essa situação.
Por mais incrível que pareça, a análise do ponto de vista religioso é mais recente e remonta á Duglas Monteiro. Jaqueline Herrman também nos fala da religiosidade sertaneja e chega a curiosa hipótese de que Antonio Conselheiro era, no fundo, mais ultramontano que muito bispo da época.
Falamos, falamos e falamos e ainda não chegamos no ponto principal: porque essa curiosidade por Canudos? Ora, o fato de ser um tema inicial do pensamento social brasileiro é uma parte da resposta. A outra, creio eu, deve ser buscada no estranhamento que Canudos carregava consigo. Afinal, o Brasil pensante de então se concentrava nas grandes cidades onde se olhava mais para Paris do que para Praça Onze. Do nada, irrompe-se uma revolta de pobres no sertão que consegue vencer da polícia estadual e do Exército. Ninguém compreende porque. O discurso oficial dá suas insuficientes respostas.
Essa necessidade de compreender passou das raias da opinião pública para a academia. Euclides forneceu uma resposta válida para sua época. Os intelectuais que vieram depois tiveram que achar a sua própria resposta, uma vez que o determinismo geográfico havia sido refutado. Portanto, Canudos atraía pelo paradigma euclidiano, que esperava-se superar, e pelo próprio exotismo.
Falar de Canudos é falar do Brasil real, na expressão de Euclides. A própria atmosfera de exotismo que carrega este movimento demonstra o quão os intelectuais estavam desligados de sua terra, compreendendo muito melhor a Europa medieval que o sertão nacional. Hoje Antônio Conselheiro já é uma personagem familiar, seja pela História, Sociologia ou pela Literatura. E também já não é o único: ao seu lado figuram Pedro Quaderna de Ariano Suassuna ou mesmo o Beato Salú, para os mais televisivos. A figura do beato já se consolidou como um personagem popular na nossa cultura e isso se deve ao trabalho de nossos escritores e cientistas sociais. Canudos foi apenas o ponto de partida.

Um comentário:

  1. Ainda insisto...vale a leitura de OS SERTÕES...

    Antônio Conselheiro é tido por muito esquerdista aí um Che-Sertanejo, mas não passava de uma pessoa de vida difícil, provavelmente sob um surto patológico grave. Não deve haver um psiquiatra que não concorde com isso. Há sim um perigo que nos ronda: tomamos aos doentes como heróis, não por sua "razão", mas pela dimensão - ouça-se, BARULHO, dos teus feitos. Quem diz o tamanho da revolução é a imprensa, e escondam-se os laudos psiquiátricos.

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