terça-feira, 6 de março de 2012

Sorriso amarelo: polemizando e entendendo o humor de hoje


Agora que vocês conhecem minha concepção de humor e um pouco da história dele na TV, finalmente posso entrar de cabeça na questão. Como dissemos antes, o humor é subjetivo e subversivo. Nem sempre você rir da mesma coisa que teu colega e quando alguém rir de ti você se sente desmoralizado. Por séculos, os tiranos e poderosos tentaram sufocar o riso, temendo serem humilhados. O riso pode ser uma forma de protesto.
Mas o riso também pode ser uma arma muito perigosa. Usamos aqui o exemplo o Buylling em outra oportunidade. Reitero a escolha. Ridicularizar ao extremo o rapaz que tem orelhas grandes significa traumatizar alguém e incentivar a intolerância. O que há de engraçado nesses dois resultados?
O humor hoje continua na moda. A moda de um humor novo. Um humor que seja diferente, subversivo. E o diferente aqui acaba sendo ser desbocado e anárquico, em outras palavras, atacar de frente o politicamente correto, movimento executado pelas minorias contra o preconceito que vem sendo bem recepcionado pela opinião pública e o Estado. Já falei antes, houve um tempo em que a febre nacional entre a garotada era humorista. "Papai, quero ser humorista! Vou zoar todo mundo!". Humor não é simplesmente zoar, já discutimos isso. O que é importante dizer agora é que muitos querem ser comediantes simplesmente pelo prazer de zoar com as pessoas. Claro, não são a maioria, mas é uma parte do todo que acaba manchando a reputação da profissão.
Esse pessoal abusa de duas premissas: a liberdade de expressão e o individualismo. "Eu posso falar o que quiser porque temos liberdade de expressão!" Claro que pode, mas o problema é que essa visão exclui o Outro. O que eu posso falar pode magoar alguém, pode dar margem á alguma coisa interpretação perigosa, enfim, enxergar o direito de liberdade de expressão da noção de respeito mútuo, tão cara á democracia, é uma desvirtuação.

Agora nos voltemos para nossos humoristas de verdade e seus programas: a maioria deles, na TV aberta, se declaram ecléticos, mas em muitos momentos fica nítido que o público-alvo é diferente: alguns são a rapaziada de classe média, outros são o povão mesmo. Se proclamam, ou pelos menos é o que se pode inferir, que são programas inovadores e subversivos. Uma subversão enlatada, pois a maioria dispões de recursos e de ajuda da mídia. Alguns apostam na crítica social como diferencial, mas acabam escorregando numa ideologia um pouco elitista. Alguns humoristas acabam até caindo na armadilha do egocentrismo que se ampara no direito á liberdade de expressão.
Não sou contra que se toquem em temas espinhosos, desde que seja feito isso com o máximo de cuidado. Qualquer assunto pode se tornar uma piada, mas nem sempre uma piada de bom gosto. Afinal, há que se ter em vista o respeito. Nesse ponto, o humor negro é um dos campos mais arriscados de se investir, pois brinca justamente com tabus e questões delicadas. É uma corda bamba. Um movimento em falso e se cai na vulgaridade.
Humoristas apelando para vulgaridade? Isso não é exclusivo de nosso tempo. Houve uma época em que Chico Anysio fez uma brincadeira com Lula, chamando-o com todas as palavras de vagabundo e miserável. Ele teve de se retratar. Ora, comediantes são seres humanos também, não estão imunes de preconceitos e principalmente de erros. A coisa pega quando eles não reconhecem que erraram.

Na minha opinião, Rafinha Bastos errou com sua piada sobre Wanessa Camargo e seu bebê. Nos dois sentidos: fazendo um esforço para ser suficientemente frio, reconheço que a piada não teve graça e, pelo ponto de vista moral, não respeitou a condição de gestante da cantora. Não admitir esse erro é o que mais me decepciona nesse cara que tem tudo para ser um grande humorista.
Ele próprio já admitiu que quer apenas ver o circo pegar fogo. Em uma entrevista revelou que anda pensando se ele continua com essa posição ou passa a aproveitar o seu status de personalidade pública para debater temas interessantes. Afinal, estamos falando do homem que foi considerado o mais influente do mundo, tomando o número de seus seguidores como base. Queira ou não ele está influenciando que o segue ou curte.     Achei interessante ele resolver assumir seu papel como um exemplo respeitável. Mas não sei se essa mudança de fato acontecerá. Rafinha já tem contratos com a Fox e a Rede TV, emissoras ansiosas por seus seguidores.
Mas, sejamos imparciais ou pelo menos tentemos: da outra parte também encontramos uma certa intolerância. Quando Preta Gil foi alvo de piadas de Danilo Gentili em nenhum momento Gilberto Gil utilizou de seu cacife político para despedi-lo da Band. As respostas da cantora e de quem lhe apoiava foi suficiente. Isso faz parte da democracia: erros não se combatem com erros. Por conta de uma abobrinha devo baixar um decreto pedindo a cabeça de fulano? Não é o certo. 
O pior é que já tem até gente pensando em fazer um projeto de lei para definir o que é ilegal no humor. Mais um absurdo. O humor é subjetivo, quando você impõe regras á ele está admitindo que o "bom humor", aquele que você julga ser o melhor, é o único tipo de humor possível, menosprezando assim o gosto de outras pessoas por paródias ou humor negro, por exemplo. Onde fica aí o respeito para com o Outro? Rir é um dos atos de mais pura liberdade e realização da sociedade humana, devemos acorrentá-lo á leis só porque erros foram cometidos? Não tem cabimento.
O que me garante então que não vamos ter vulgaridade gratuita na TV? O bom senso. Há um acordo invisível sobre o que é passível e o que não é passível de ser avacalhado, podemos até chamá-lo de um padrão social.Se esse acordo, se esse padrão não vem sendo seguido então é um dever nosso manifestar nosso descontentamento, pedir que se retratem. Mas daí a querer linchar ou baixar uma regulamentação do humor é viajar na maionese.
Um bom humorista sempre procura ser original. Sempre procura novas maneiras de fazer rir, novos temas para suas piadas e seus shows. Mas é preciso ter em mente que nem tudo é "humorível". É preciso pesar muitas vezes o que vale mais: a gargalhada ou a seriedade do tema ou da pessoa tratada. Esse é um dos dilemas morais da arte de fazer rir, demonstrando que o humor tem sim sua parte séria e não é por ser séria que ela deixa de ser menos interessante, pelo menos para mim.
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