OBS: Esse artigo tratará do humor utilizando a TV como foco, porque entendo que este veículo de massa é responsável pela popularização do humor que se vem produzindo no país.
Na minha opinião o Brasil é um dos maiores celeiros de humoristas do mundo. Mas ainda no começo do século passado o humor aqui não era reconhecido como profissão, ele estava amadurecendo. Bom humor é uma das características que muitos viajantes ou pesquisadores estrangeiros diziam encontrar na nossa gente e é justamente esse humor do dia-a-dia que muitos levam para os palcos. Mesmo assim havia aquela ideia de que isso era vulgar, que o humor de verdade é aquele polido e inteligente. Gente que acredita nessa premissa até hoje ataca as chanchadas.Ora, não existe O humor, mas vários tipos de humor. Nenhum melhor ou pior ao outro, são apenas diferentes. Humor popular deixa de ser humor só por ser popular? Só por ser um pouco mais ingênuo, um pouco menos politizado? Nem sempre ele é assim. Na maioria das vezes os políticos e o governo acabam entrando como tempero no caldo do humor popular. É bem verdade que nessa sopa ás vezes encontramos algumas pitadinhas de preconceito, oriundos do senso comum, mas nem o humor inteligente está isento de preconceitos também.
O que eu quero dizer é que o humor popular foi por muito tempo, digamos assim, subversivo. Subversivo simplesmente porque ele queria provar que era humor também. Com a chegada da televisão no Brasil, esse humor acabou ganhando o seu espaço. Na verdade já o tinha nas ruas e depois nas rádios, mas com a televisão ele passou a ter um alcance maior e conquistou gradativamente o status de profissão. Aliás, foram os grandes humoristas do rádio que ajudaram a consolidar o humor no país por meio da TV, como José Vasconcelos, Chico Anysio, Walter D'Ávila, Manoel de Nóbrega, Costinha, Ronald Golias e companhia.
Essa turma se adaptou ao novo mundo que a indústria cultural proporcionava. O que não significa que muitos se renderam á ela. Muitas vezes os improvisos (os famosos cacos) acabavam se tornando protestos ligeiros contra os ditames das emissoras. Aqueles mais radicais continuaram fora do veículo. Há outro lado também: a televisão não é a única plataforma possível para o humor. Há a escrita, a música, as fotos, enfim, um mundo de possibilidades. E aqui gostaria de destacar a figura de Millôr Fernandes, um dos nossos maiores gênios do humor, que faz um humor inteligente acessível e multimídia (desenho, teatro, imprensa) há mais de 40 anos.
Vivemos um marasmos, humoristicamente falando, nos últimos anos. Os consagrados mestres do riso faleceram em sua maioria, embora muitos ainda estejam aí sendo mal-aproveitados. Ao mesmo tempo, um pessoal começou a despontar. Com a internet, a divulgação passou a ser maior, mais democrática. Alguns nomes do humor atual foram alavancados graças á ela. Outros começaram seu caminho nos bares, nas rádios, nos bastidores da TV. O marco dessa nova era foi a migração de um programa de rádio para a TV: Me refiro aqui ao pessoal que faz parte do grupo de humoristas da Jovem Pan que criaram, lá por 2005 ou 2006 mais ou menos, o Pânico na TV. Antes já existia Hermes e Renato, mas era na TV á cabo. Pânico na TV tinha maior popularidade justamente por estar num canal da TV aberta.
Qual foi a grande mudança? Agora estamos falando de um tipo de humor que não tem papas na língua e que não se envergonha de ridicularizar não só seus integrantes como as celebridades. O que me cativou era esse último ponto. No Brasil possuímos um culto ás celebridades, menos poderoso quanto o dos EUA, claro, mas ainda assim forte, nutrido por revistas de fofocas, novelas e comerciais. Ao cutucá-los com piadinhas ácidas o fosso entre povo e celebridades diminui, porque enxergamos o quanto eles são parecidos com nós e não com deuses. Claro há também uma ponta de sadismo nisso, mas enfim...
Por esta mesma época começou no Brasil a moda do stand-up, onde o humorista vai para o palco de cara limpa contar suas piadas. De fato, o stand-up não é ultra-mega-hiper-inédito no Brasil: Costinha, Chico Anysio e José Vasconcelos já faziam isso nos anos 60 e 70 aqui. Mas o que pegou aqui foi essa ideia de que ele é novo e foi exportado. O que é importante entendermos desse momento é que mudou-se a concepção que tínhamos de humorista. Para nós, ser engraçado e ter feições engraçadas eram os dois pré-requisitos essenciais para fazer carreira no humor. Mas essa leva de rapazes fazendo stand-up nos revelou que isso tudo é relativo: qualquer um pode ser humorista, não importa a sua cara ou seu jeitão, desde que ele sabia como usar seus recursos para fazer as pessoas rirem.
O humor, de certa forma, virou uma moda. Me lembro que tinha gente no cursinho que se achava comediante nato. Sempre houve e haverá os espertinhos na escola, mas a partir desse momento eles passaram a acreditar que podiam ser muito mais que isso. Pego esse exemplo da escola não por acaso: a nova face do humor nacional é jovem. O problema é que iludidos pela falta de informação, o orgulho e os hormônios muitos não enxergam o que é verdadeiramente o humor e que não são tão inovadores assim. Em outras palavras, nos últimos tempos o humor passou a ser reconhecido como profissão ao mesmo tempo em que se nutria no meio da população um certo desentendimento sobre essa arte e uma falta de contato com nossa tradição.
Humor não é só fazer imitações, não é só repassar fotos e vídeos engraçados na internet. O humor é muito mais que isso. Na minha opinião, um imitador é um artista sim, mas que está mais para o lado da atuação do que do humor, enquanto esses sites que divulgam gags pela internet e nãos a produzem são apenas atravessadores e se são chamados de "sites de humor" é só por falta de nome melhor. O humor engloba técnicas, seja qual for o seu tipo. Técnicas que podem até não serem adquiridas, podem ser intuídas pelas pessoas. Coisas como a construção dos personagens, o timing, o carisma com o público (leitor, telespectador, ouvinte, navegador de internet, seja lá o que for), dentre muitas outras.
Ultimamente muitos humoristas de verdade tem declarado a sua paternidade, se referindo aos grandes mestres do passado, se filiando a uma corrente de humor, e isso é muito importante, pois lembra todo o nosso histórico. O contato com essa tradição nos ajuda a ver o que é realmente inovador no pessoal de hoje. Resumindo, depois da primeira onda estamos conseguindo ver claramente o horizonte. Quer dizer, nem tão claro assim, afinal as polêmicas sobre piadas com estupro e homofobia demonstram que as fronteiras não estão tão bem demarcadas assim.
Qual o problema? Existem alguns programas de humor que são como um chiclete que você passou uma hora mascando: perderam totalmente o gosto, insistem em fórmulas superadas (leia-se aqui Zorra Total) e com isso desperdiçam bons talentos. E existem outros que investiram no que há de mais moderno. Programas que dizem ser diferentes dos demais porque tem uma preocupação e até uma linguagem nova. Alegam serem subversivos por questionarem tabus e convenções políticas, mas na realidade não se aprofundam nisso, pelo contrário, ás vezes reafirmam velhos preconceitos. Estou me referindo ao CQC e aqui entra um parenteses.
O CQC não trazia o roteiro manjado do Zorra Total e não era só pura gozação, beirando a vulgaridade como o Pânico na TV. Isso cativou muita gente, incluindo eu. A parte da denúncia, unindo humor e jornalismo investigativo, era o seu grande diferencial. Mas depois do momento inicial ficou claro que a estrutura mercantil venceu essa preocupação política: não sei se por conta da posição da emissora ou da própria franquia. Sem contar que em alguns momentos transparece um sentimento um tanto elitista, do tipo "nós fazemos humor inteligente, somos melhores que os outros". Um programa que se diz eclético não pode ter esse tipo de sentimento.
A Record entrou na disputa pelo humor tentando copiar esse formato com Os Legendários. Para não dizerem que é uma cópia descarada incluíram quadros vindos dos tempos de MTV, emissora da qual a maioria de seus membros vieram. Aliás, cabe aqui outro parenteses: a fome por humor é tanta que a própria MTV, um canal de música na teoria, acabou readaptando a sua grade de programação e agora o humor possui quase que 60% da emissora, ao contrário do que ocorria em 1999 quando Hermes e Renato, por exemplo, começou a ser exibido.
Existe ainda outro tipo de programa que busca levar a experiência do stand-up ou dos vlogs para a televisão. Ou seja, pegar o que há de mais cativante nessas plataformas (espontaneidade e a liberdade de conteúdo) e adaptar para um local fortemente regulado pelo tempo e pelos desígnios dos patrocinadores. Alguns pereceram justamente por isso. Outros ainda persistem. Até quando ninguém sabe ao certo.
A conclusão é que o humor popular não é mais tão subversivo quanto era antes. Ele já foi devidamente domesticado pelas empresas, assim como o humor inteligente e o humor negro. Ou não se faz nada inovador ou se incentiva a produzir polêmicas. O humorista ou se cala ou apela. Hoje temos um ambiente muito mais confortável para essa profissão, mas para que ela se consolide de vez estas questões tem de ser pensadas, discutidas ao invés de serem eternamente adiadas.
Qual o problema? Existem alguns programas de humor que são como um chiclete que você passou uma hora mascando: perderam totalmente o gosto, insistem em fórmulas superadas (leia-se aqui Zorra Total) e com isso desperdiçam bons talentos. E existem outros que investiram no que há de mais moderno. Programas que dizem ser diferentes dos demais porque tem uma preocupação e até uma linguagem nova. Alegam serem subversivos por questionarem tabus e convenções políticas, mas na realidade não se aprofundam nisso, pelo contrário, ás vezes reafirmam velhos preconceitos. Estou me referindo ao CQC e aqui entra um parenteses.
O CQC não trazia o roteiro manjado do Zorra Total e não era só pura gozação, beirando a vulgaridade como o Pânico na TV. Isso cativou muita gente, incluindo eu. A parte da denúncia, unindo humor e jornalismo investigativo, era o seu grande diferencial. Mas depois do momento inicial ficou claro que a estrutura mercantil venceu essa preocupação política: não sei se por conta da posição da emissora ou da própria franquia. Sem contar que em alguns momentos transparece um sentimento um tanto elitista, do tipo "nós fazemos humor inteligente, somos melhores que os outros". Um programa que se diz eclético não pode ter esse tipo de sentimento.
A Record entrou na disputa pelo humor tentando copiar esse formato com Os Legendários. Para não dizerem que é uma cópia descarada incluíram quadros vindos dos tempos de MTV, emissora da qual a maioria de seus membros vieram. Aliás, cabe aqui outro parenteses: a fome por humor é tanta que a própria MTV, um canal de música na teoria, acabou readaptando a sua grade de programação e agora o humor possui quase que 60% da emissora, ao contrário do que ocorria em 1999 quando Hermes e Renato, por exemplo, começou a ser exibido.
Existe ainda outro tipo de programa que busca levar a experiência do stand-up ou dos vlogs para a televisão. Ou seja, pegar o que há de mais cativante nessas plataformas (espontaneidade e a liberdade de conteúdo) e adaptar para um local fortemente regulado pelo tempo e pelos desígnios dos patrocinadores. Alguns pereceram justamente por isso. Outros ainda persistem. Até quando ninguém sabe ao certo.
A conclusão é que o humor popular não é mais tão subversivo quanto era antes. Ele já foi devidamente domesticado pelas empresas, assim como o humor inteligente e o humor negro. Ou não se faz nada inovador ou se incentiva a produzir polêmicas. O humorista ou se cala ou apela. Hoje temos um ambiente muito mais confortável para essa profissão, mas para que ela se consolide de vez estas questões tem de ser pensadas, discutidas ao invés de serem eternamente adiadas.
Muito legal o blog! Caí aqui por acaso, procurando a figura do Millor e me interessei em ler o artigo. Gostei da sua óptica, de como você transmite o recado sem ofender.
ResponderExcluirO Brasil está carente de bons jornalistas também...
Parabéns!