domingo, 30 de outubro de 2011

Período Populista: Amazonas II


O Boto X o Ganso
Como vimos, Gilberto Mestrinho é eleito em 1958 governador do Estado do Amazonas. Seu programa de governo é uma espécie de continuidade do governo Plínio Coelho: medidas assistencialistas, reformas urbanas e diálogo com os líderes sindicais e as esquerdas. No entanto, o discípulo começa a se desentender com o mestre: Mestrinho começa a disputar com Plínio o prestígio político que detém em Manaus e fora dela. O cume dessa rivalidade subterrânea foi á prisão do Ganso do Capitólio sob a acusação de que este teria ordenado ao seu sobrinho que matasse Mestrinho. Na realidade, uma tentativa de assalto foi feita na casa do governador. O sobrinho de Plínio teria confessado que o tio estava envolvido.
Plínio conseguiu sair da cadeia com a ajuda de seu advogado. Pressões vindas de dentro do Amazonas e fora (da direção geral do PTB) pediam que ambos se reconciliassem uma vez que o partido precisava de todo o apoio para a campanha de Lott-Goulart em 1960. Ambos se reconciliaram. Ficou decidido que tudo ficaria no passado e que nas próximas eleições Plínio seria o candidato á governador, enquanto Mestrinho permaneceria na política ocupando o cargo de deputado federal por Rondônia.

Elas por elas
O resultado das eleições de 1960 era mais que previsível: Plínio ganha mais uma vez. Curioso que um dos seus primeiros atos é nomear um novo chefe de polícia, Genésio Braga, e expedir uma ordem para que ele prendesse Kliger da Costa, o antigo chefe de polícia, responsável por sua prisão no incidente anterior. A mensagem seria para Mestrinho, caso tencionasse sobrepujar Plínio mais uma vez.

Roadaway, parte do Porto de Manaus, na década de 40.

A constança
Com algumas pequenas exceções, os governos de Coelho-Mestrinho-Coelho foram um dos mais continuístas da história do Amazonas, uma vez que as mesmas medidas continuaram sendo aplicadas e o mesmo estilo de fazer política prevalecia nas ruas e nos bairros. O que desagradava muito os setores mais conservadores, enxergando nesse movimento uma anomalia. Plínio pretendia caprichar no seu segundo governo: inicia as construções de novas rodovias ligando a capital ao interior, cria um plano diretor para urbanizar a cidade baseado em critérios modernistas (inspirado no arquiteto de Brasília) e continua a presentear seus eleitores com cestas básicas, casas e, para os mais íntimos, cargos.
Contudo, no governo de Mestrinho, o trabalhismo se fortalecera mais, graças a sua união com as lideranças sindicais locais, principalmente dos estivadores. Oyama Ituassu lembra das incontáveis greves organizadas por essa categoria, paralisando o Porto de Manaus por dias a fio. O jurista também lembra do poder dos motoristas e choferes, que em 1961 organizaram uma greve na qual impediram o tráfego de veículos por toda cidade, inclusive limitando os postos de gasolina de abastecerem os carros que não tinham sua permissão.
A prova de que eles tinham o apoio oficial seria a proteção que a polícia civil e militar dispensava aos cordões grevistas. Em alguns momentos o Exército entrou em atrito com a polícia justamente por pretender abafar as manifestações em nome da ordem pública. Outro exemplo desse apoio foi a rápida passagem de Mestrinho pela avenida Eduardo Ribeiro, quando da paralisação dos motoristas, aplaudindo a causa dos grevistas.

O ritual trabalhista
O ponto alto do trabalhismo no Amazonas, quase que seu ritual de consagração, era o Festival Folclórico do Amazonas, realizado desde 1957 na Praça General Osório. Mestrinho logo percebeu o poder de manipulação e popularização que este evento poderia produzir nas pessoas ao descobrir o intenso número de brincantes e organizadores de quadrilhas e danças que a frequentaria. Plínio se aproveitara de todo o instrumental que Mestrinho tinha criado em volta do Festival, como os seus discursos populistas e sua aparição triunfal, quase como um campeão olímpico, segundo o jornalista Narciso Lobo.
É justamente num Festival Folclórico que Plínio Coelho recebe a notícia de que os militares tinham deposto João Goulart e o manteriam em prisão preventiva agora. Plínio consegue convencer os policiais a fazer o discurso de abertura do Festival. Basicamente nesse discurso o líder trabalhista fala que terá de sair do poder por uma incontigência histórica, mas voltará algum dia nos braços do povo.

Charge sobre Plínio Coelho em O Jornal de 1958. Fonte: Cel. R.Mendonça.

 
Caça ás bruxas
Plínio tinha sido preso, mas não fora cassado, ao contrário de Gilberto Mestrinho, cujo nome foi colocado na lista de cassados pelo Ato Institucional (AI) pelo general Augusto Cesar Moniz de Aragão, que quando foi Comandante da Base Militar do Amazonas entrou em conflito com Mestrinho por ter inflamado o povo contra as Forças Armadas.
Mestrinho teve de fugir do Amazonas com a identidade de Vivaldo Lima. Plínio foi solto e ainda passou a governar por alguns meses, enquanto a Assembléia Legislativa do Estado e o governo federal decidiam o que fazer com ele e quem colocar em seu lugar. Finalmente, em maio de 1964, Plínio é cassado e o Anfremon Monteiro, presidente da Assembléia, se torna o governador em exercício.
No Amazonas existia uma longa lista de personalidades que deveriam ser presas em 1964, a maioria ligada aos governos de Plínio e Mestrinho. Gente como o líder sindical dos estivadores Antogildo Paiva, o líder dos bancários Aldemar Bonates, o jornalista Arlindo Porto e o líder comunista Aldo Moraes.

Uma base forte
Na realidade, o Amazonas representava um dos pontos mais sólidos do trabalhismo. Não é a toa que dois dos maiores líderes trabalhistas no Congresso eram amazonenses: Arthur Virgílio Filho e Almino Affonso. Nem no Rio Grande do Sul, onde Leonel Brizola acreditava ser o nascedouro do movimento o partido tinha chegado tão fortemente em todos as esferas do Estado. No entanto, devemos lembrar que nem todos políticos dos governos trabalhistas no Amazonas eram realmente trabalhistas. Muitos atingiam postos importantes por tráfico de influência. O clientelismo tinha criado uma rede segura para o trabalhismo.
Quando o golpe de 1964 se tornou vitorioso, essa mesma rede resolveu se debandar para o lado do vencedor. O que explica o por quê certos elementos, não tão radicais, não foram cassados.

64 em Manaus
Como o golpe de 1964 se fez em Manaus? Essa é uma pergunta que pretendo responder em um futuro artigo. Por enquanto posso dizer que as classes anti-trabalhistas já vinham preparando um golpe há muito tempo (Arthur Reis revela em um livro escrito no tempo em que fora governador que já tinha participado de diversas conspirações, envolvendo militares, para depor Plínio e Mestrinho. Confabulações que não foram levadas adiante).
Quando souberam do destino de Jango na capital, resolveram aproveitar a oportunidade e finalmente dispensar seu próprio golpe. Além disso, a instituição militar sempre contou com muito poder no Amazonas e as ações do presidente, de quebrar a hierarquia e ferir a honra militar, nos seus últimos meses de governo teriam agravado mais ainda a situação.

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