quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Massacrados pelo "heroísmo" ou atropelados pelo "Progresso"

Índios caçando onça., Johan Rugendas.
Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1993) quando publicou seu livro de estréia, História do Amazonas, em 1931, pretendia preencher uma lacuna e atender a um pedido. A lacuna seria a falta de um livro que desse conta da história do estado, já que antes o que havia eram apenas livros sobre determinados episódios como a Revolta Tenentista de 1924. O pedido seria o feito pelo carismático escritor e político local Álvaro Maia de incentivar os jovens a defender sua região através do culto á heróis cívicos locais. Essa é uma das teses defendidas pela historiadora Lademe Corrêa que analisou o livro de Reis.
Arthur Cezar Ferreira Reis.
O primeiro livro de história do Amazonas pouco falou sobre os povos indígenas. O grande protagonista era o colonizador português, entendido como um dos maiores heróis da história brasileira por ter enfrentado a natureza hostil. O indígena aparecia aqui e ali como ajudante do colonizador ou como seu inimigo bárbaro. A exceção é o líder da resistência indígena Ajuricaba, defendido anteriormente por Álvaro Maia, como um dos pioneiros na defesa do Vale Amazônico. Ajuricaba se tornou uma lenda na região e foi transformado num herói cívico pela sua bravura e coragem. No livro de Reis, Ajuricaba possui as mesmas qualidades do colonizador português: a bravura, a coragem, a intrepidez. Mas é claro, no livro, que ele é uma exceção.
Reis estava influenciado pela historiografia tradicional, principalmente em Francisco Adolfo Varnhagen, que enxergava na colonização portuguesa um ato magno de heroísmo ao tentar civilizar uma terra bravia. Varnhagen é o construtor da história oficial, da história do Estado Português e seu filhote, o Império do Brasil. Reis está na República, mas repete essa visão.
Em 1953, após entrar em contato com muitos pensadores nacionais como Gilberto Freyre, Luís da Câmara Cascudo e Sérgio Buarque de Hollanda, Arthur Reis começa a mudar de posição. Em um livro encomendado pelo Serviço de Informação Agrícola sobre a atividade gomífera Reis demonstra essa vontade de fazer uma história mais crítica e mais social - embora ainda persista aquele ideal tradicionalista da heróica colonização portuguesa na Amazônia. O livro em questão é O Seringal e o Seringueiro. Nele o autor dá especial enfoque aos migrantes nordestinos. Considera que a Amazônia venceu a estagnação econômica e cultural graças aos nordestinos que trouxeram consigo a sua resistência, a vontade de trabalhar, uma religião mais católica e uma linguagem mais brasileira. Em contraposição ao nordestino temos o caboclo amazônico que herda os traços negativos do elemento indígena, como a preguiça, o sincretismo e a dispersão.

Como vemos, Reis repete um preconceito antigo, atribuindo ao indígena traços psicológicos negativos. Ele não enxerga a diversidade do povo indígena. A preguiça aqui é entendida como vontade inata de não querer trabalhar, ao contrário de um meio de resistir a uma forma de trabalho diferente da que o indígena estava acostumado. O colonizador formou essa afirmativa ao entender a sua forma de trabalho como a única válida em todo mundo. Tanto é que quando Reis afirma isso não se embasa em estudos científicos, mas apenas em um desentendimento que com os anos tomou o status de verdade velada.

Djalma Batista
Djalma Batista (1916-1979) no artigo Da Habitalidade da Amazônia traça uma pequena história do contato entre o homem branco e o indígena. Conclui que a história da Amazônia tem sido a história do massacre, conclusão a qual Márcio Souza também chegaria anos mais tardes em seu A Expressão Amazonense. Djalma Batista denuncia o lado negativo da colonização: o genocídio. Lado esse que até então não tinha sido devidamente denunciado. No entanto, Djalma ainda possui alguns traços de etnocentrismo. Quando se refere aos indígenas utiliza sempre os termos "indiada", "bugres", "silvícolas" ou "bárbaros". Na última parte do artigo, quando pretende fazer uma pequena exposição sobre os traços psicossociais dos caboclos, adquiridos dos indígenas, elenca, além da culinária e dos hábitos corriqueiros como banhos em igarapés, a preguiça e o desrespeito com a propriedade.
Djalma também reproduz uma idéia presente nos anos de 1950, quando o artigo foi escrito, e que se acentuaria na década de 1960. A idéia de que o indígena está intrinsecamente ligado ao passado e de que sua cultura será destruída pelo desenvolvimento, pela industrialização. Entende-se assim a modernidade como um rolo compressor que condenaria os "primitivos". O que se pode fazer para amenizar os efeitos do progresso são as reservas indígenas.

Capa da segunda edição (2007).
Quando lança Complexo da Amazônia, em 1976, Djalma reitera as afirmações desse pequeno artigo, no entanto combate o desenvolvimentismo puro, o progresso a todo custo. Defendendo um desenvolvimento auto-sustentado (hoje fala-se de desenvolvimento sustentável) que preservaria a natureza e a cultura local (incluindo a indígena) aproveintando de ambas racionalmente.

O que podemos perceber nessa rápida análise sobre o pensamento desses dois grandes intelectuais, considerados como nomes essenciais á tudo que se refere sobre a história e a problemática amazônica, é que estavam ainda presos ao etnocentrismo (um mais que o outro). Mesmo o elemento indígena sendo mais presente no Amazonas, aqui se repetiria discursos fabricados em todo país de que o índio é preguiçoso e está condenado pelo progresso. Um discurso criado pelo colonizador, como apontou através de grande pesquisa empírica Victor Leonardi em Entre Árvores e Esquecimentos. O fato da maioria das sociedades indígenas brasileiras serem ágrafas, ou seja, não possuirem escrita, não permitiu que tivéssemos a opinião dos indígenas sobre a história nacional. Seu silêncio involuntário uniu-se á imposição do colonizador pela escravização, catequese ou ideologia. Hoje tenta-se romper esse olhar etnocêntrico tentando produzir uma historiografia indígena, mas nunca é demais lembrar que toda "verdade velada" é muito resistente, possuindo a capacidade de sobrevivência semelhante á das baratas.

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