segunda-feira, 11 de julho de 2011

A mulher da Belle Epóque: dos palacetes aos seringais

Chafariz onde hoje atualmente fica a Bola do Eldorado.
Recentemente, a época do boom da borracha tem sido alvo de um olhar mais alternativo pelos historiadores. Agora procura-se não mais se contentar com as grandes obras arquitetônicas ou com os elogios para com a riqueza trazida pela borracha. Agora podemos ver não só os "coronéis de barranco" desfrutando do seu dinheiro na Belle Epóque, mas também os trabalhadores, os miseráveis. Em suma, o outro lado da Paris dos Trópicos. Um lado que ninguém queria que o mundo visse, mas que está sendo visto agora pelos historiadores.
Dentro dos trabalhos que relativizam a idéia de uma "era dourada" se encontram alguns que tentam recuperar o papel da mulher nessa época. Márcio Souza, em A Expressão Amazonense, dera uma pista ao dizer que a mulher, durante o fausto, passou a ser vista mais do que nunca como um objeto: um objeto de status, quando o coronel de barranco estava em casa, e um objeto de prazer, quando o mesmo estava num bordel de luxo. Coube aos historiadores que viriam a seguir se aprofundar nesse tema.

Salão, Otto Dix.
Edinéia Mascarenhas lembra que a prostituição era um dos alvos das políticas urbanas; ela devia ser não exterminada, mas melhor encoberta. José Leno Barata Souza, que se dedicou melhor á questão da prostituição, lembra a hipocrisia da sociedade manauara: a protistuição era perseguida pelas figuras públicas e homens de família que prezavam pela moral e os bons costumes, que criavam leis para regular a profissão mais antiga do mundo, mas esses mesmos homens de família visitavam constantemente os bordéis e cabarés.
Mangue, Di Cavalcanti.
Maria Luiza Ugarte lembra a associação entre estivadores e prostituitas: as ruas próximas do porto eram o local por excelência do baixo meretrício, enquanto algumas quadras acima estavam os luxuosos cabaréis. A marginalização unia estivadores e prostitutas e era manifestada principalmente no traçado urbano.Leno Barata tenta demonstrar como as prostitutas tentavam não apenas sobreviver com essa profissão, mas encontrar maneiras de atacar o sistema que as marginalizava e as via como criminosas. Há casos de muitas que decidiam colocar a boca no trombone ou usar seus segredos como chantagem.
Goulue e duas mulheres, Toulouse-Latrec.
E as mulheres de família? Ainda há poucos estudos sobre as "grandes damas" da sociedade manauara, não se sabe se por falta de fontes (muitas delas serem de fundos particulares também atrapalha um bocado as pesquisas em alguns casos) ou de simpatia pela questão (afinal temos que lembrar que no momento a história vista por baixo é quase uma moda historiográfica hoje). O que podemos dizer é que não era de se esperar que numa sociedade machista e gananciosa da época elas também não fossem marginalizadas, apesar de estarem constantemente sobre os holofotes, sejam nas cerimônias oficiais ou nos bailes da elite manauara.
Mademoiselle Marcelle Lender, Toulouse-Latrec.
No entanto, elas tinham uma posição, certamente melhor que as prostitutas (mais recursos), mas deviam obedecer á um código de conduta do que se entendia ser a mulher perfeita: aquela totalmente devota á sua família e á sua religião. Um código de conduta que remonta ás origens coloniais (ibéricas) de nosso país. No entanto, muitas não se contentaram em se resignar e começaram a se sobressair. No Amazonas, apesar das ações de práxis como organizar saraus, chás e praticar a caridade, muitas mulheres se movimentaram, por exemplo, na campanha abolicionista. A poetisa Emília de Freitas, embora fosse cearense (morou em Manaus de 1892 á 1900 quando se casou com um jornalista do Jornal de Fortaleza e voltou ao seu estado-natal. Com a morte do marido retornou a Manaus onde veio a falecer em 1908), teve um papel importante aqui ao lado de sociedades emancipacionistas femininas, e ainda criticava e muito o machismo.
Há, contudo, muitas outras ocasiões em que as mulheres não aceitam totalmente o papel que esse código de conduta lhes impunha, inclusive situações menos divulgadas e mais particulares. É a resistência implícita, mais silenciosa, mas nem por isso menos engenhosa ou forte, que uma boa pesquisa ainda falta revelar. Afinal, era capaz que uma mulher conseguisse estabelecer suas próprias regras do jogo sem que isso vazasse para o âmbito do público. Há casos e casos, só faltam ser revelados á luz de uma boa pesquisa como disse antes.
Favela, Cândido Portinari.
A Manaus marginalizada, a Manaus das classes pobres, também não devia fugir ao ideal machista que imperava em nossa sociedade, embora aqui, por conta da situação precária, ela tivesse seu protagonismo mais visível, uma vez que compartilhava a obrigação de sustentar a família, seja trabalhando por ela ou cuidando dela. Existe um local onde a presença feminina, contudo, é muito menor: os seringais.
Nos seringais era produzida a borracha, o "ouro negro", que sustentava todo o fausto ou que se pensava ser um "fausto". Nos seringais a presença masculina era maior, porque o que se procurava era mão-de-obra adequada. Trazer a família dos seringueiros era um custo muito alto para o seringalista. Arthur Cézar Ferreira Reis lembra que exatamente por essa ausência a mulher era altamente cobiçada nos seringais a ponto de ser tratada como uma mercadoria: há casos de seringueiros que dão toda sua economia ao seu patrão para que ele trouxesse uma mulher para eles. Mulheres que eram conseguidas geralmente no baixo meretrício da capítal.

Mulata com flores, Di Cavalcanti.
Muitos criticavam essa atitude e propunham que o seringalista financiasse a vinda da família de seus empregados ou pelo menos incentivasse casamentos. Associavam inclusive a situação precária e animalesca dos seringais á ausência da mulher, reconhecida tanto pela religião (principalmente católica) quanto por doutrinas laicas (o positivismo, por exemplo, acreditava que a mulher era essencial para estabilizar a sociedade, pois ela impunha ordem e transmitia amor á família) como elemento de ordem, de civilização. É um papel fundamental que surge no século XIX, mas sempre associado á esfera do privado e nunca do público (o poder era visto como algo essencialmente masculino, enquanto as formas de poder alternativo eram vistas como eminentemente femininas, assim para se ter uma boa sociedade ambos devem estar funcionando em harmonia, mas mesmo assim se dá mais ênfase ao poder público; mais informações: leia esse post ).
Esperamos assim ter feito uma boa apresentação da questão de gênero no Amazonas do boom da borracha.

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