quarta-feira, 27 de julho de 2011

Era uma vez a revolução...

Malory (James Coburn) e Miranda (Rod Steiger).
Assistindo ao filme Quando Explode a Vingança (1971), um faroeste de Sérgio Leone que tem como pano de fundo a Revolução Mexicana de 1910 achei que o pensamento de um dos personagens merecia ser comentado. Um dos protagonistas, Juan Miranda (Rod Steiger), é um bandido que faz pequenos furtos com a ajuda de seus filhos. Ele se une á um especialista em explosivos, o irlandês John Malory (James Coburn), para assaltar um banco numa famosa cidade mexicana. Miranda é um anti-herói, não quer se envolver na luta dos revolucionários, enquanto Malory quer fazer ali no México o que não conseguiu fazer em sua terra natal: uma revolução bem-sucedida. O irlandês empurra Miranda para a revolução sem querer. A uma certa hora, Juan finalmente explica porque não gosta de revoluções: porque os pobres, aqueles a quem os revolucionários dedicam suas ações, são sempre sacrificados.
Malory passa a rever sua posição e acreditar nas palavras de Miranda quando o líder local da revolução, Doutor Villega (Romolo Valli), pede para que eles lutem por eles. O bandido mexicano e o pirotécnico irlandês conseguem deter as tropas, mas o grupo é massacrado. Os filhos de Miranda são mortos e ele passa a combater o governo não por um ideal, mas pelo rancor. Malory percebe que empurrou o amigo para uma furada e que de certa forma é responsável pela morte dos seus filhos.
O pensamento de Miranda é comum e representa um sentimento popular: de que o povo será ludibriado de qualquer maneira. Um pensamento que leva á indiferença, á apatia política. Mas se pensarmos bem eles tem motivo para ter essa desconfiança com qualquer tipo de pensamento revolucionário. Na maioria das revoltas e revoluções  que foram feitas, o povo sempre foi usado como massa de manobra ou bucha de canhão. Poucos foram os líderes revolucionários que deram a cara á tapa e se uniram aos seus soldados, correndo os mesmos riscos que eles.

Pancho Vila (á frente, de casaco militar com botões) e Emiliano Zapata (ao seu lado direito).
A Revolução Mexicana, por exemplo, irrompeu como uma revolta contra a corrupção do governo de Porfírio Diaz e depois do general Victoriano Huerta e contra o poder dos latifundiários e das empresas estrangeiras. Foi um movimento que contou com poucos líderes, alguns populares como Pancho Villa e Emiliano Zapata, e outros mais moderados e liberais como Venustiano Carranza. Foi uma revolução sangrenta que devastou o país. A maior parte de seus líderes foram assassinados, sejam em emboscadas ou em intrigas palacianas. O número de mortos em combate é impressionante. A maioria, claro, pobres.
Desenvolveu-se um pensamento na esquerda internacional (apoiados na posição de Lênin) de que uma boa revolução precisaria de líderes bem coordenados (uma vanguarda) para conclamar o povo á luta e ordenar suas ações. A idéia que se tinha é de que o povo é uma massa que não consegue se organizar, ou porque existe uma certa irracionalidade nele (fruto de sua condição pobre) ou porque a maioria está alienada. Mas os intelectuais se decepcionaram, assim como Malory se desilude da revolução, quando perceberam que não conseguiram alcançar seu objetivo (a revolução) e que eram conhecidos pelo povo como opressores e demagogos também. O povo, que parecia ser um exame de abelhas sem coordenação, sabia que apesar do ideal revolucionário a ação da vanguarda era ainda autoritária ao se proclamar a organizadora da revolução. Uma revolução não se faz sem o apoio do povo.
A queda da Bastilha - prisão que se tornou símbolo da repressão do Antigo Regime.
A Revolução Francesa, por exemplo, conseguiu sobreviver porque o povo estava desgostoso com a monarquia e enxergou, em sua maioria, como de bom grado fazer algo diferente. O período que veio a seguir foi de intenso caos, afinal, quando se irrompe uma revolução alguns limites são quebrados, inevitavelmente. Depois da turbulência a República Francesa tomou corpo, os partidos se consolidaram (os jacobinos e gerundinos) e passaram a dominar a política e cometer os mesmos "pecados" da monarquia. Basta nos lembrarmos do período do "Grande Terror", onde Robespierre mandou guilhotinar qualquer um que fosse contra suas idéias e as de seu partido. Aliás, ao fim e ao cabo, ele próprio acabou guilhotinado.
Caricatura de Robespierre feita pelo cartunista Paulo Caruso.
Esse caso nos lembra o velho ditado: "A revolução come seus filhos". É arriscado falar em fases da revolução, porque os atos humanos não são como ações totalmente determinadas como as da natureza, mas é possível enxergar que na maioria dos casos as revoluções possuem o tempo da luta, quando ela irrompe e os limites se diluem na turbulência, e o tempo da domesticação, quando ela vence e é institucionalizada. Nessa última fase, a revolução deixa de ser revolução, pois não existe uma revolução institucionalizada. Revolucionar é constetar uma ordem estabelecida e não ser uma ordem estabelecida. Daí a ironia no nome dado ao grupo de generais e líderes que passaram a governar o México após expulsarem Huerta em 1910: Partido da Revolução Institucionalizada. A nova ordem estabelecida conseguiu fazer uma reforma agrária e diminuir o imperialismo internacional, mas não resolveu todos os problemas: o desenvolvimento dos grandes centros urbanos diminuiu a importância do campo, aumentando o êxodo rural e, consequentemente, os problemas de má habitação, miséria e violência. Um dos homens mais emblemáticos do PRI foi Lázaro Cárdenas que foi presidente do México em várias ocasiões e sabia como ninguém superar esses novos problemas e impedir novos conflitos com seu populismo. O populismo é uma estratégia para conseguir a paz social, para se manter no poder, para manter o status quo. Aqui, um líder carismático proclama-se defensor do povo, mas na realidade se compromete com todos os setores da sociedade dando a cada um deles um pouco do que querem. Engraçado que mesmo pretendendo evitar conflitos, no final das contas, o populismo acaba por os cria ao radicalizar a sociedade através da demagogia, discurso que elege em especial alguns inimigos do povo e os ataca constantemente.
Lázaro Cardenas.
O populismo pode ser entendido como uma contra-revolução, mas que no final pode acabar gerando conflitos, não necessariamente revoluções (revoltas, quem sabe). Quando se trata de contra-revolução existem as mais variadas estratégias possíveis. A apatia política e a conciliação política, por exemplo, podem se transformar em mecanismo contra-revolucionários, como aconteceu aqui no Brasil durante o Segundo Reinado.
A Junta Revolucionária, comandada por Getúlio Vargas, posa no Palácio do Catete, 1930.
Falando em Brasil, a Revolução de 1930 pode ser entendida como uma revolução? Ora, ela não mudou radicalmente a ordem social no Brasil (embora dela tenha decorrido a industrialização pesada e uma forma de se fazer política menos oligárquica) e nem teve participação popular (assim como a Proclamação da República, ela foi feita por um grupo de militares, agora reunidos com políticos de elites estaduais descontentes com a política do café-com-leite). No entanto, ela contou com o apoio popular, afinal, o povo estava descontente também com os rumos da autoritária República Velha. Contudo, muita gente pensou, na certa, que Getúlio não seria muito diferente dos outros, afinal, os pobres continuariam se ferrando. Vargas e seu governo foi autoritário também, mas de uma maneira mais "moderna", mesmo assim algumas transformações (algumas foram medidas populistas como a política de valorização do trabalhador, outras contudo ele apenas desenvolveu sem ter um controle absoluto sobre elas como a urbanização e a industrialização) ajudariam o pobre a ter mais espaço para se manter e se expressar.
Tanque invade o Palácio Laranjeiras no dia Primeiro de Abril de 1964.
Mais uma polêmica: 1964 pode ser encarado como uma revolução, como queriam os militares, ou um golpe, como dizem seus críticos? A ordem estabelecida não foi modificada mais uma vez, houve uma supressão de alguns direitos democráticos que haviam sido garantidos no período anterior, mas ainda não tinham sido consolidados (a própria atitude de tomar o Palácio Laranjeiras no Rio e depor Jango á força pode ser encarado como o exemplo mais claro disso). Surgiu então um período autoritário que, como Vargas fez na década de 1930, estava "antenado" com o que estava acontecendo no resto do continente: as ditaduras militares, crias da Guerra Fria. Mais uma vez os pobres continuaram do mesmo jeito, embora algumas transformações os ajudasse, como o crescimento econômico dos anos 70. Foi, contudo, um enorme "ouro de tolos", porque as consequências desse plano econômico seriam desastrosas, aumentando mais ainda e consolidando a desigualdade social, como se veria nos anos seguintes.
José Honório Rodrigues
Talvez o Brasil seja um país eminentemente contra-revolucionário, como pensava o historiador carioca José Honório Rodrigues. O que não quer dizer que tivemos confitos radicais, algo que se aproximasse de uma revolução. Ora, tivemos as revoltas regenciais, sendo a Cabanagem o maior exemplo de um movimento popular que quase conseguiu mudar o status quo. A revolta que eclodiu no Pará e no Amazonas teve seus líderes, mas a ação popular sem dúvida foi muito maior. Ela não conseguiu se manter porque haviam muitos interesses divergentes, o que impedia uma união contra as forças legalistas que exterminou boa parte dos revolucionários e do que sobrou da revolução.
Cabanagem no Pará.
Muitos acreditam, aliás, que as revoltas populares regenciais não sobreviveram porque não tinham suas vanguardas. Bem, algumas tinham e mesmo assim não deram certo como a Revolução Praeira e a Sabinada. Acredito que o responsável por isso tudo era o momento, afinal essas revoltas não tinham conhecimento da real força do governo que estava mais unido e antenado com as elites regionais do que se pensa.

Esse artigo não tinha como objetivo fazer um histórico das "revoluções" brasileiras, muito menos tencionava ser um manifesto contra revoluções. Seu objetivo era refletir um bocado sobre o papel do povo nas revoluções a partir da fala de um personagem do filme citado. Bem, a questão está na mesa: nas revoluções o povo tem um papel de protagonista ou coadjuvante? E que papel ele deve ter? As respostas não são fáceis. A minha contribuição aqui hoje foi mostrar, através de alguns exemplos, o que se entende por revolução e que existiram revoluções populares e outras mais "vanguardistas". A última pergunta diz respeito ao posicionamento político de quem responde. Politicamente, sou centro-esquerdista, o que significa que enxergo a democracia como um regime político ideal, onde devemos fazer de tudo para aperfeiçoá-la. O centro-esquerdismo e o centro-direitismo possuem uma linha muito tênue. Ambos defendem a democracia como ideal, embora um evite os conflitos e tensões, enquanto outro as procura. As duas posições, em sua maioria, pensam que chegamos ao melhor do que podíamos chegar. Portanto, não se fala muito em revolução. Eu acredito que a revolução é algo inerente á história do homem. Sempre chegará o momento em que uma ordem social cai e outra começa. Se esse momento chegar, na minha opinião, o povo e "suas" lideranças devem estar unidos, em sintonia, senão a revolução não ocorre ou se desvirtua. Portanto, na minha visão, os dois personagens devem ser protagonistas na revolução. Como Miranda e Malory (embora dos dois, o irlandês tenha maior atenção do diretor como demonstram os flashbacks), dois grandes amigos agindo articuladamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário