sábado, 23 de julho de 2011

Tupi or not Tupi?

Oswald de Andrade (1890-1954) foi o homenageado da Flip desse ano. Além das palestras no evento, muito foi falado sobre ele na mídia, impresa ou digital.Vamos falar um pouco dele aqui e fazer uma breve síntese do modernismo como um todo.
Oswald era filho de uma família tradicional paulistana (por sinal, ele, Mário de Andrade e Drummond não eram parentes, como muitos pensam) e assistiu, como muitos da sua geração, a pequena cidade que era São Paulo se transformar em uma metrópole no começo do século XX.
Educado em colégios de renome como o Ginásio Nossa Senhora do Carmo ou o Colégio Modelo Caetano de Campos, Oswald tinha o diploma de bacharel em Humanidades e, mais tarde, o diploma de Filosofia (fez o curso no Mosteiro de São Bento).

Foto aérea atual do Mosteiro de São Bento em São Paulo.
Dedicou-se á muitas coisas: a pintura, á poesia e principalmente ao jornalismo. Reunia seus amigos através dos jornais e revistas que editava ou fundava, como a Revista de Antropofagia e Klaxon. Antes de viajar para a Europa em 1912, já tinha passado algumas temporadas no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Se envolveu na Europa com uma estudante francesa, Kamiá, com a qual teve seu primeiro filho.
Oswald teve muitos amores: Maria Lourdes Andrade (Miss Cyclone), Pilar Ferrer e Julieta Bárbara Guerrini são as menos conhecidas. Quando se fala em Oswald de Andrade duas figuras encantadoras nos vêem á cabeça: a pintora Tarsila do Amaral e a jornalista Patrícia Galvão, a Pagu. Tarsila e Oswald se conheceram um ano antes da Semana de Arte Moderna de 1922. Mário de Andrade e Anita Malfatti, seus velhos amigos, lhe apresentaram á essa pintora que eles consideravam uma das maiores artistas do movimento que eles defendiam, o modernismo. No circuito intelectual da "Paulicéia" e sempre com um pé nos jornais, Oswald conheceu Pagu mais ou menos na mesma época, mas quem era o centro das suas atenções era Tarsila. Os dois viajaram muito pelo mundo e colaboraram mutuamente com suas respectivas obras (a maioria dos livros de Oswald eram ilustrados por Tarsila, e seus quadros eram apresentados por Oswald na imprensa).

Tarsila do Amaral
O relacionamento não foi formalizado. Quando terminaram com ele em fins da década de 1920, continuaram se falando ainda por muito tempo. Pagu, a jovem jornalista que adorava o modo polêmico de Oswald se aproximou mais dele, os dois se apaixonaram e chegaram a se casar (excentricamente em um cemitério). A relação com Pagu, militante do Partido Comunista Brasileiro, aproximou Oswald de grandes figuras da esquerda nacional, como Luís Carlos Prestes. O encontro com Prestes significou, segundo ele mesmo revelou anos mais tarde, um divisor de águas em sua vida. Oswald começou a construir uma obra mais engajada, que incitasse á revolução. No momento, Vargas tinha instaurado uma ditadura no Brasil e Pagu e Oswald foram perseguidos. Com a volta da democracia em 1945, Oswald continua a militar publicamente, mas não está mais junto de Pagu.
Patrícia Galvão (Pagu)
Na década de 1950, o modernismo já consagrado (inclusive pelo inimigo político de Oswald, Vargas, que cooptou vários artistas modernistas como Mário de Andrade para sua política cultural), o escritor paulistano começa a publicar mais ensaios e artigos. A maioria saudando velhos amigos e revelando aspectos do movimento que ajudou a desenvolver.
Mas que movimento é esse? O modernismo foi um movimento organizado por intelectuais brasileiros reunidos nos grandes centros urbanos. Até então, a vida intelectual brasileira era basicamente européia, ou seja, os nosso modelos de pensar e agir vinham de fora, principalmente da França. Muitos intelectuais antes dos modernistas já tinham percebido essa incomoda mania, como Monteiro Lobato ou Lima Barreto, mas eram autores isolados (Lobato foi aplaudido por muitos quando criticou o caipira, mas quando propunha uma solução para nosso marasmo intelectual era ignorado; Barreto, por sua origem e por suas idéias, era tido como um louco e veio a falecer em um sanatório com sérios problemas de bebida, sem nenhum tipo de reconhecimento).

Capa do Manifesto Pau-Brasil
Com o modernismo temos um batalhão de artistas ligados pela denúnica de nossa pobreza intelectual e propondo uma maneira de construirmos uma cultura genuinamente brasileira. Como? Oswald de Andrade acreditava que teríamos que buscar nas raízes de nossa cultura, teríamos que voltar ao tempo do descobrimento. São tidos como bíblias do modernismo seus manifestos do Pau-Brasil e da Antropofagia, escritos em 1924 e 1928, respectivamente.
No primeiro ele diz que o Brasil está no caminho certo, já nos libertamos de nossas amarras colonialistas (através da Semana de Arte Moderna), ainda não temos algo totalmente genuíno, mas estamos chegando lá. Aproveita e crítica todas as outras escolas literárias que vieram antes, importadas da Europa, como o naturalismo, o parnasianismo etc. Defende uma poesia que não seja objeto de luxo, mas uma poesia que se encontra em todos os aspectos da nossa vida, inclusive no cotidiano.
No segundo, influenciado pelo quadro Antropofagia de Tarsila, ele defende que o artista brasileiro, se quer fazer uma obra nacional, deve digerir tudo o que vem de fora e vomitar algo novo. Algo que seria uma mistura do que vem de fora com o que temos aqui dentro. O que propõe é uma reinterpretação do mundo que nos cerca segundo a nossa sensibilidade brasileira.

Antropofagia de Tarsila do Amaral.
Oswald era um profundo conhecedor da cultura européia, como todo intelectual brasileiro de família tradicional era naquele período, mas seu espírito inquieto não se contentava em produzir meras cópias do que vinha sendo produzido em Paris. Muito antes de se construir o grupo modernista, ele já criticava essa falta de preocupação com a identidade nacional. Mas até então sua inovação era atacar as bases do que era consagrado com afiadas e cruéis paródias. Daí sua fama de iconoclasta, de polemista. Num segundo momento, quando o grupo já estava consolidado, ele deixa de apenas atacar o velho para propor algo novo. Inspirado pelos movimentos de vanguarda que andavam sacudindo a Europa, Oswald achou que já era a hora de acontecer algo do tipo no Brasil. Já era hora do Brasil tentar ter seu próprio movimento artístico e esse movimento seria o modernismo.

Macunaíma de Mário de Andrade.
O interessante é que sua proposta é nacionalista, mas não exclui a cultura estrangeira. Através da antropofagia a cultura que vem de fora é redimida, basta apenas ela ser reinterpretada por nós. É um projeto diferente do de Mário de Andrade que defendia o resgate de nossas raízes e a sua reatualização. Mário ainda não tinha passado da primeira etapa de seu projeto (como mostra a sua inacabada Enciclopédia Brasiliense e sua Missão de Pesquisas Folclóricas enquanto esteve á frente do Departamento de Cultura de São Paulo) exatamente porque havia muito a ser resgatado ainda. Mas já tentava dar mostras do que seria feito na segunda etapa, quando escreveu Macunaíma em 1928. Macunaíma é quase que inteiramente baseado nos relatos antropológicos do pesquisador alemão Theodor Koch-Grünberg. Mário une lendas indígenas das mais variadas e em certo momento o cenário deixa de ser a selva para ser a floresta - a reatualização.
Os projetos de Oswald e de Mário são, portanto, um tanto diferentes, mas ambos pregam a criação de uma arte nacional. Oswald possui uma obra vasta que vai do teatro á poesia, uma obra que aos poucos foi sendo revelada. Essa Flip atraiu muita gente não só pelos convidados ilustres, mas também por esse carisma que Oswald têm. Ele é frequentemente tido como o mais rebelde dos rebeldes e realmente suas idéias e obras foram revolucionárias. Elas influenciaram não só uma geração, mas várias gerações. Basta lembrar que o concretismo e o tropicalismo, por exemplo, beberam na fonte do autor de O Rei e a Vela.

Bem, por enquanto é só. Oswald de Andrade e o modernismo é um tema muito interessante (e, porque não, divertido) e muitas vezes um breve resumo acaba se tornando quase uma suma literária ou histórica. Mas continuaremos a falar sobre esse assunto nos próximos posts.

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