terça-feira, 7 de junho de 2011

Um conto e uma teoria historiográfica

Arthur Engrácio da Silva
Arthur Engrácio da Silva é um contista amazonense que participou do movimento conhecido como Clube da Madrugada que tinha como objetivo criar obras que fossem além do marasmo cultural porque Manaus passava após a crise da borracha. Engrácio é tido como o inaugurador do regionalismo moderno (aos moldes de Graciliano Ramos ou Rachel de Queiroz) no Amazonas com seu livro Histórias de Submundo (1960) com doze contos que versam sobre a fome, a miséria e toda forma de injustiça em geral.
Um desses doze contos, A Revolta, foi escolhido pelo Prof. Arcângelo Ferreira para ser objeto de seu estudo. Nesse conto, segundo o pesquisador, encontraremos pistas não só sobre o seu autor e do tempo em que foi feito, como também de uma concepção historiográfica que vinha ganhando peso na época.

Seringueiros
O conto se ambienta no interior da selva, num seringal na época do boom da borracha. Os seringueiros estão felizes ao redor da fogueira comemorando a vingança contra o coronel Euzébio que realizaram em breve. Os líderes da revolta são Manduca e Chico Pantoja. O bando vai indo em direção ao barracão central, ganhando mais adeptos, até que quando chega ao barracão ateiam fogo á casa do seu cruel patrão.
Arcângelo percebe na narrativa de Engrácio um sinal de compaixão com o caboclo interiorano, ele finalmente deixa de ser uma coisa, brutalizado e silenciado, para ser agente de seu destino - o que se concretiza na queima do barracão. No entanto, o mesmo autor trata os revoltosos como bárbaros e selvagens á compará-los com caitetus assanhados ou horda de selvagens. Como se o que tivesse motivado a revolta não fosse á sua consciência sobre o processo de dominação do coronel de barranco, mas viesse de um recanto da mente ligado á irracionalidade, á violência. É justamente aqui que Engrácio repete uma idéia presente no pensamento social de intelectuais marxistas brasileiros (sendo ele mesmo um grande simpatizante do marxismo) da época: uma concepção que enxergava nas revoltas populares uma falta de unidade, por conta da sua heterogeneidade cultural (graças á miscigenação, em boa parte), e por uma falta de racionalidade, por se amparar na reação violenta e selvagem do nativo. Essa concepção está ligada ao que Eric Hobsbawm chamou de marxismo vulgar, uma interpretação das idéias de Marx marcada pelo estruturalismo e pelo esquematismo. Um dos principais exemplos da adaptação do marxismo vulgar em terras tupiniquins pode ser encontrando na questão do feudalismo: por muito tempo achava-se que todos os países precisavam passar pelos mesmos estágios que passaram os europeus para chegarmos á sociedade industrial e assim estarmos apto para a revolução socialista, sendo assim alguns historiadores marxistas da época acreditavam que o Brasil tinha passado pelo feudalismo no tempo da colônia e que estaria entrando no mercantilismo á pouco tempo (opinião defendida por Nelson Werneck Sodré e Nestor Duarte e criticada por Jacob Gorender).

O pesquisador identifica um ponto importante do conto: a presença do fogo. Na festa, onde se preparam para a revolta, os seringueiros estão ao redor da fogueira. A revolta se consuma com o fogo destruindo o barracão do seringalista. Imagem parecida com o final do romance de Ferreira Castro, A Selva: Juca Tristão é morto por um incêndio provocado pelo ex-escravo Tiago. O fogo é o símbolo da mudança. Não é a toa que Heráclito acredita que o princípio de todas as coisas seja o fogo, uma vez que o filósofo grego pensa que todas as coisas do mundo não param de mudar.
Além disso, Engrácio está falando de um tempo de transição: o estadonovismo de Álvaro Maia está sendo substituído pelo trabalhismo de Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho. A mudança não significa que a situação do povo está melhorando: Manaus ainda é extremamente precária, isso sem contar o interior. O foco da atenção dos novos governantes foi o povo da capítal, á procura de voto, e seu objetivo era reeguer a economia extrativista e o status da Manaus da Belle Epoque. Era o tempo no Brasil do desenvolvimentismo de Juscelino Kubistchek e a Amazônia não parecia totalmente integrada nesse plano de 50 anos em 5. O fogo aí pode representar a chegada dos novos tempos: tanto no seringal quanto na cidade de Manaus.
Engrácio rompe com visões tradicionais sobre a época da borracha, mas comete alguns deslizes ao avaliar a essência de uma revolta popular, deslizes esses praticados por boa parte da nossa intelectualidadena época. O escritor Zemaria Pinto considera o rancor como a essência da obra de Engrácio: rancor provocado pela situação humilhante ao que o caboclo, o interiorano, é submetido e que irrompe no crime, na violência. O autor, portanto, possui sua especificidade, mas mesmo assim em seus escritos denota muito do seu tempo e da sua região. O diálogo, portanto, entre história e literatura é extremamente proveitoso e interessante, como o professor Arcângelo pode nos demonstrar em sua análise.

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