segunda-feira, 6 de junho de 2011

Para além do inferno verde

Euclides da Cunha é um nome central não só quando se fala em Canudos, mas na Amazônia também. Nomeado como parte de uma comissão para reconhecer as fronteiras entre Peru e Brasil na região do Alto Purus em 1904, Euclides escreveu dois livros sobre essa experiência : Á Margem da História e Peru versus Bolívia (que mais tarde foi reunido no livro Contrastes e Confrontos).

Euclides da Cunha
Apesar de ficar um ano e meio na região, a estada do jornalista no Norte lhe permitiu investigar não só a realidade como a história local - Euclides entrou em contato até com os relatos dos cronistas. Essa investigação nasceu da sua inquietação para entender o homem amazônico. Euclides, como sabemos, tornou-se conhecido por desenvolver uma teoria sobre os dois Brasis: o Brasil oficial e o Brasil real. O Brasil real seria aquele de Canudos, aquele onde o Estado não chega e onde o homem se faz por si mesmo. O sertanejo se moldou de acordo com o ambiente e o caboclo amazônico também.
No Nordeste, o ambiente era agreste e rígido o que fez o homem ser rude e agressivo. Na Amazônia, a floresta impenetrável  se impõe, portanto o homem aqui é comandado pela natureza. O caboclo amazônico vive de acordo com o rio e com as estações do ano. Ele não possui ambições materiais tampouco intelectuais, apenas com o que consome, o que, aliás, é sempre o mínimo possível. A imagem formada por Euclides se assemelha e muito á do caipira de Monteiro Lobato.
A visão euclidiana tornou-se predominante na "amazonologia", como os intelectuais amazônicos chamavam o exercício de compreender o Extremo Norte. Ou seja, durante muito tempo buscou-se entender a Amazônia como uma batalha entre a natureza e o homem, sendo que a primeira saiu vencedora. O homem aqui estava á margem da história não só no sentido de não participar do curso dos acontecimentos nos grandes centros urbanos, mas também por não possuir uma história realmente, aqui tudo era a natureza e na natureza as coisas são sempre as mesmas.

Djalma Batista. Fonte: Roberto Mendonça Furtado.
Djalma Batista, um grande intelectual acreano radicado amazonense, nunca se acostumou com essa visão. Talvez porque ela condene a Amazônia ao subdesenvolvimento eterno, a não ser que se destrua a floresta toda. Em seu primeiro livro, Letras da Amazônia (1935), já demonstra essa sua divergência de Euclides, apesar de reconhecer seus reais méritos, ao exaltar a avaliação de Araújo Lima em seu livro Amazônia. a Terra e o Homem (1932). Araújo Lima, médico de formação assim como Djalma, fez uma análise antropogeográfica e contestava a tese de que o ambiente determina o homem. Acreditava antes que o homem podia ludibriar o meio e o fez na Amazônia. Aqui o homem teria construído, aos poucos, uma civilização na luta contra a selva. A maior prova seria o bravo seringueiro que consegue viver na floresta, sendo seu único mal a exploração do seringalista ambicioso. Araújo Lima era contra a idéia de inferno verde, inaugurada por Euclides mas divulgada pelo escritor Alberto Rangel; para ele, a Amazônia era apenas "uma terra fraudada e saqueada". A seleção aqui não era natural, mas social.

Djalma baterá de frente contra a concepção evolutiva e determinista de Euclides em um artigo publicado nos Cadernos da Amazônia pelo INPA em 1965: Da Habitalidade da Amazônia. Nele, o médico e sociólogo acreano demonstra por meio da demografia e da história que a Amazônia não é impenetrável e que o homem não é comandado pela selva. Ao contrário, ele anda dominando muito ela e de forma desordenada (extrativismo puro). Aqui Djalma já expôe seu conceito de "desenvolvimento auto-sustentado" que consiste numa primeira fase de maior compreensão do mundo amazônico, através de pesquisas científicas e de consultas á cultura cabocla e indígena, e numa segunda de uma industrialização que respeite a floresta e saiba explorá-la sem depredá-la. Tese essa que será melhor explicada em seu livro mais conhecido: Complexo da Amazônia (1970).
Araújo Lima é o primeiro a combater a visão euclidiana dentro da amazonologia, sendo Djalma Batista o continuador de sua luta. Ambos tentam tirar a Amazônia do fatalismo provocado pelos determinismo (sejam étnicos ou geográficos) trazidos pela concepção de Euclides, muito embora ele também tenha trazido ás reflexões amazônicas um primeiro sopro de síntese, cientificidade e realismo (principalmente na descrição da vida cruel dos caucheiros e seringueiros).

Nenhum comentário:

Postar um comentário