sábado, 25 de junho de 2011

"Mutante com orgulho"

X-Men: Primeira Classe é um filme no qual pouca gente botava fé. Era visto como mais uma maneira da Fox, a distribuidora da franquia, conseguir mais dinheiro mexendo em algo que havia dado sucesso antes. Na realidade, Wolverine: Origens já fazia parte desse plano, mas foi um fracasso. Por isso foi um susto para muita gente, incluindo a própria distribuidora, quando o novo filme estourou nas bilheterias.
Esse filme (que pretende possuir algumas continuações, até para encaixar nos filmes anteriores) fala sobre o começo da equipe de mutantes criada por Stan Lee e Jack Kirby em 1962. Curiosamente, a história se passa na data em que os super-heróis foram criados. O novo filme se aproveita de outro acontecimento de 1962 também: a crise dos mísseis em Cuba.

Manchete do Estado de S. Paulo sobre o desenlace da Crise dos Mísseis de Cuba em 1962.
Foi um ato muito ousado envolver X-Men e História, mas se pensar bem essa relação é mais que explícita. A mensagem de X-Men tem a ver com uma pergunta: como lidar com as diferenças? Temos aqui um bando de pessoas que possuem super-poderes graças á evolução. Elas não sabem o que fazer com seus poderes e a Humanidade não sabe o que fazer com eles. Por isso X-Men foi um sucesso na época, porque naquele momento muitas questões que estavam em pauta tinham a ver com essa mensagem. Naquele momento vivia-se nos Estados Unidos as lembranças do macarthismo (a caça aos comunistas empregada pelo senador Joseph McCarthy entre a década de 1940 e 1950), isso sem falar da luta pelos direitos civis dos negros. Muitos comparam o personagem Professor Charles Xavier com Martin Luther King por seu ideal pacifista e Magneto, o vilão original da série, com Malcolm X ou os Panteras Negras, por sua posição mais radical.

Joseph McCarthy
Martin Luther King Jr.
Malcolm X
Passaram-se os anos 60 e X-Men continua sendo um sucesso. Por quê? Porque a sua mensagem tem um quê de universal: independente de onde e em que época estamos, sempre haverá alguma espécie de preconceito contra o que é diferente do que chamamos de "normal". Hoje, com a temática jovem mais explorada, X-Men pode dizer respeito ao período difícil da adolescência onde criamos nossa identidade e nos preocupamos com a aceitação das pessoas. Há sempre o medo de ser diferente.
E neste filme essa questão fica mais do que clara. No começo do filme, Xavier dispara uma cantada em uma mulher sobre sua mutação: ter um olho de cada cor. Xavier diz que ela não se deve envergonhar, que devemos revisitar o termo "mutante" extraindo dele a carga pejorativa e percebê-lo como fator de orgulho. E no final do filme, Mística (aliás, uma personagem que foi muito bem trabalhada) deixa como mensagem á seu colega Fera, outro que teme mostrar quem realmente é ao mundo, que ele seja "um mutante e com orgulho". Aí está a questão das diferenças.

Charles Xavier (James McAvoy) e Erik Lehnsser (Michael Fassbender).
No entanto, as propostas de como a aceitação deve vir podem ser diferentes e elas são trazidas pelos dois personagens mais carismáticos da franquia: Professor Xavier e Magneto (muito bem interpretados por James McAvoy e Michael Fassbender). Um, como dissemos acima, defende a convivência pacífica e outro a luta. Xavier tem uma visão mais otimista da Humanidade, enquanto Magneto (até por conta de sua experiência em um campo de concentração) enxerga as coisas de uma maneira mais pessimista. Os dois tem bons argumentos e acabam se complementando. Talvez por isso os produtores desistiram de fazer um filme apenas do Magneto: ele e Xavier são inseparáveis, seja como amigos ou como inimigos.

Sebastian Shaw (Kevin Bacon) e Emma Frost (January Jones).
Magneto, contudo, não é o vilão desse filme, mas o milionário e também mutante Sebastian Shaw (interpretado por Kevin Bacon). Shaw é ávido por poder, mas no discurso se aproxima de Magneto, uma vez que ele sonha em um mundo dominado pelos mutantes. Sua intenção é justamente criar a Terceira Guerra Mundial com o propósito de fazer as grandes potências (EUA e URSS) acabarem com a Humanidade, abrindo o caminho assim para os mutantes. Shaw faz parte de um grêmio de homens poderosos (econômica e politicamente) que influenciam as decisões globais chamado Clube do Inferno (aliás, existiu realmente um Clube do Inferno na Inglaterra do século XVIII, onde os homens mais ricos se embebedavam e participavam de orgias) que acaba provocando nesa história a Crise dos Mísseis em Cuba. O objetivo de Xavier e Magneto é formar um time de mutantes e impedir que ele realize seu plano.
Até agora eu falei sobre o filme explorando essa sua relação com a história. Agora vou deixar minhas impressões sobre o filme como um todo. Em primeiro lugar, não sou um fã carteirinha de X-Men. Sou o que pode se chamar de "fã relapso": eu vi o desenho animado do começinho dos anos 90 e uma nova edição dele que fizeram no final da mesma década e li algumas edições desconexas. O que sei sobre o universo de X-Men é o básico. A grande polêmica que surge quando se fala em adaptações de histórias em quadrinhos para o cinema é as mudanças que os roteiristas fazem e elas partem dos maiores fãs das séries. Nesse filme, assim como no primeiro de 2000, existem muitas mudanças. Óbvio, são mídias diferentes; as mudanças sempre existirão. Por isso se chama "adaptação"! E acredito que toda mudança é bemvinda desde que não se traia o espírito da série ou de seus personagens.
Nesse filme temos várias mudanças: a equipe original não tinha Banshee, Destruidor, Darwin, Mística; Sebastian Shaw era um grandalhão do século XVIII que tinha perdido a mulher; Magneto não tinha pertencido á primeira equipe e por aí vai! Mas mesmo assim, os roteiristas souberam usar isso em seu favor: Shaw continua sendo o personagem megalomaníaco e maquiavélico que era, Xavier continua sendo o mais sensato dos mutantes, Magneto continua sendo o mutante violento e carismático, o objetivo da primeira equipe é impedir outros mutantes de utilizarem mal seus poderes (como os do Clube do Inferno). O que prova que acertaram na mão ao contratar roteiristas que realmente conhecem seu material, como o diretor dos dois primeiros filmes e co-roteirista Brian Synger, apaixonado pela série desde criança.
Isso faz com que o filme seja surpreendete e inovador, aliás, eles estão contando uma história que todo mundo sabe o fim. Ainda assim, esse filme tem várias faces: o começo relembra o filme de 2000 (com a impactante cena de Magneto ainda garoto envergando o portão do campo de concentração), logo a seguir ele toma um rumo que lembra e muito Bastardos e Inglórios (possui inclusive uma cena no bar argentino que faz referência direta áquela cena do bar alemão) e então a história ganha um ar de espionagem á la James Bond (com vilões excêntricos [falando nisso, o Clube do Inferno lembra um bocado o Spectre...], fugas espetaculares e o velho tema da Guerra Fria). Há poucos minutos do final, o enredo consegue realmente se achar e aí sim estamos diante de um filme dos X-Men.
Resumindo, é um filme que explora bem sua relação com a História e com a série. Ele consegue ser novo, sem deixar de ser fiel á série. Quem não conhece a série entenderá e quem conhece também. Além disso tem ótimas cenas de ação e vale a pena ser assistido.

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