domingo, 12 de junho de 2011

Manaus: tentativa de retrato em 1947

Samuel Benchimol
Samuel Benchimol, grande pensador e empreendedor amazonense, escreveu sua tese de mestrado em Sociologia na Universidade de Miami (EUA) em 1947. Nesse estudo, chamado Manaus: O Crescimento de Uma Cidade no Vale Amazônico, o autor tenta produzir um retrato da capital do Amazonas e propor algumas diretrizes para seu futuro.
Antes de falar da Manaus de seu tempo, Benchimol nos lembra como a cidade surgiu: fundada na década de 1660, mas com o nome de Vila da Barra de São José do Rio Preto, nasceu sob o signo do Forte militar e da Igreja Matriz, numa área quadrangular. O pequeno quadrado inicial com o passar dos anos foi se expandindo, mas condicionado pelos igarapés e rios. Com o boom da borracha, Manaus deixa de ser uma cidade provincial, quase uma aldeia, para se tornar uma cidade cosmopolita, erguida segundo os padrões da Belle Epóque européia.

Vista aérea de Manaus na década de 1940.
Manaus chega á decada de 1940 com três bairros além do centro: São Raimundo, Cachoeirinha, Educandos e Adrianópolis. Mas desde que ainda era uma pequena vila colonial há o desejo de se morar no centro. No começo, o centro da cidade era onde se localizava o poder (seja por conta das instituições como por conta das residências dos membros dessas instituições). Com a borracha, o centro passa a ser também o espaço de comércio e lazer. O centro é o cartão de visitas de Manaus, por isso ele é sempre mais assistido pelo poder público. Morar no centro significa ter boas condições de vida e possuir um bom status.
Benchimol começa uma tipologia do status em Manaus, relembrando os tempos da colônia: possuir status na época da Vila da Barra era ser branco e católico. O autor acredita que esse status começa a mudar com a Cabanagem: a revolta dos caboclos, negros e índios ajudou um pouco a ascensão social do caboclo. Mas com certeza o maior ataque ao status colonial veio com a borracha: a economia gomífera atraiu muitos aventureiros que em questão de meses tornaram-se milionários. Apesar da dominação, alguns coronéis conseguiram se tornar "coronéis de barranco". Esses "novos ricos", conhecidos também como "arrivistas", não foram recebidos sem resistência - Benchimol lembra do glebarismo, movimento regionalista amazonense que desdenhava pessoas vindas de fora do estado principalmente as que ocupassem cargos públicos.
Mas os "arrivistas" instituiem uma nova série de indicadoresde status: a educação de seus filhos fora do país, por exemplo. Ou mesmo a educação na Universidade do Amazonas, criada ainda na época da borracha.Viajar para o exterior também ajuda.

Cinema Avenida, 1942. Fonte: Roberto Mendonça Furtado.
Agora, Benchimol falará do status como ordenador do espaço urbano: o centro, como sabemos é o local de todo comércio, lazer e assistência pública, um bairro para a tradicional elite amazonense. Educandos, por sua vez, é um bairro para onde veio muitos imigrantes, principalmente do Maranhão (o que sucitou vários conflitos entre os moradores mais antigos e os novos), e que, segundo o autor, se tornará um distrito industrial, uma vez que lá foi erguida a refinaria de Isaac Sabbá, o aeroporto da Ponta Pelada para escoar os barris de petróleos e as toras vindas das madereiras instaladas em seu entorno. Em São Raimundo, entretanto, há uma unidade cultural (há um senso de comunidade realmente forte), mas ainda é um bairro muito pobre, com poucas fontes de trabalho. Cachoeirinha é um dos bairros mais antigos da cidade e um dos mais populares. Na época ele tinha adquirido a imagem de um "bairro dormitório", uma vez que a maioria de seus moradores trabalhavam no centro a semana inteira. Adrianópolis, por seu turno, é um bairro muito recente: começou como um conjunto de chácaras de moradores do centro e pouco a pouco está se tornando em um bairro para a classe média que não conseguia moradia no centro. Benchimol ainda mensiona os balneários dessa mesma classe média feitos nos arrabaldes da cidade (onde hoje seria o Parque Dez de Novembro de Flores) para onde elas vinham aos finais de semana se esquecer um pouco da correria da cidade nos banhos de igarapés.

De uma maneira geral, Manaus é uma cidade que ainda está em crescimento. Claro que num crescimento menor se tivermos a Manaus do boom da borracha como comparação. Estão surgindo agora muitas fábricas, principalmente no bairro de Educandos, como madereiras, fábricas de cerveja, ferrarias, etc. Uma nova figura que promete redimensionar a cidade, como fizeram os coronéis de barranco, é a do jovem industrial. Esse personagem está por trás de iniciativas industriais não só em Manaus, mas também pelo interior, construindo usinas para beneficiar a castanha-do-Pará ou o pau-rosa, por exemplo. Talvez o maior exemplo desse jovem empreendedor naquele momento seja Isaac Sabbá, futuro amigo de Benchimol.

Atlético Rio Negro e um ônibus modelo Zeppelin em frente á ele, 1950. Fonte: IBGE.
Assim, o amazonólogo critica aquela visão cristalizada da "Manaus estagnada". Ele a critica de uma outra maneira também: demonstrando como a cidade vinha experimentando uma vida social até que agitada. Existiam algumas instituições de ensino boas na cidade (a maioria localizada, como era de se esperar, no centro). Existiam também instituições de lazer, como os clubes Ideal, Nacional, Rio Negro, Olímpico (sendo, respectivamente, reduto da elite mais conservadora, da parte mais liberal e das classes médias). E haviam as festas populares, a maioria de cárater religioso - como as festas de São Pedro, Nossa Senhora da Conceição, etc. Mas as festas profanas também tinham seu lugar, principalmente o Carnaval e o Boi Bumbá.

Feira da Manaus Moderna em ocasião de enchente em 2010. Fonte: Marinho Ramos.
A última seção de seu estudo chama-se "Fluxo de vida" e se dedica justamente a compreender o que comanda a vida do manauara. Aqui o autor começa uma análise antropológica mas que não se baseia na ciência, mas sim na memória. O autor justifica essa escolha, pois acredita que para entender realmente o amazonense não se pode confiar só na ciência, mas na convivência. "Realmente para conhecê-los, é preciso ter uma íntima associação com a sua cultura, morar na sua casa, dormir em uma rede, dançar nas suas festas, ver o seu trabalho, respirar o mesmo ar, comer da sua cozinha, e até amar as suas garotas"
A primeira parada nessa viagem é a alimentação. O grosso da alimentação do manauara é com certeza os peixes que habitam o enorme rio, sendo que até aqui encontramos a divisão de classes: o jaraqui costuma ser identificado como o peixe dos pobres, enquanto a pescada ou o tambaqui é encarado como um alimento de luxo. O preço do peixe varia com de acordo com o fluxo do rio durante o ano. A cidade se alimenta do que vem do rio e em alguma épocas ela não precisa ir ao mercado público e ás feiras para entrar em contato com o que vem do rio; ás vezes o rio vem até o manauara. O autor menciona as costumeiras enchentes e inicia assim a citação da série de problemas que a cidade possui: as enchentes, as doenças, a falta de iluminação pública e as importações. Manaus precisa importar alimentos e bens o que encarece tais produtos e assim afastam as classes mais pobres de seu acesso. Esses são problema estruturais. No tempo da borracha isso também existia, mas a riqueza do látex o fazia menos sentido. A cidade era muito precária.
Geralmente, depois do diagnóstico vem a receita do remédio e para Benchimol a indústria era esse remédio. Não só ela, claro. Manaus precisava adotar uma economia racional e planificada, diferente do extrativismo da borracha, e a indústria é o melhor exemplo desse tipo de atividade. Benchimol não está falando de indústrias de base (metalurgia, etc.), mas de fábricas menores. A cidade precisa começar com um passo de cada vez. Ele não está prevendo a instalação da Zona Franca, está apenas conclamando o poder público local que aposte nessa solução. Dado interessante é que o próprio Benchimol apoiaria por um tempo o modelo da Zona Franca, por não poluir os rios e derrubar a floresta (modelo que hoje sabemos que produz esses problemas sim).

Concluindo, esse texto, apesar de ser produzido para uma faculdade estrangeira, tem uma mensagem enfática aos amazonenses. Mensagem que Benchimol defenderia ao longo de toda sua vida. Ainda que nesse texto ele fale mais como economista ou sociólogo que historiador, seu estudo pode ser uma boa fonte para se entender a Manaus pós-borracha. Como falamos antes, ele critica um pouco a visão da "Manaus estagnada" e nos fornece um painel da história da cidade que destaque o papel das classes sociais na construção do espaço urbano, diferente do que diziam seus predecessores.

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