sábado, 18 de junho de 2011

Liberté ou Freedom?

Os Estados Unidos é um dos países mais odiados do mundo. Os motivos são inúmeros para tanto ódio, mas basicamente se referem sobre sua participação em episódios obscuros da história de muitos outros países, seja apoiando ditaduras ou invadido-os. Mas esse anti-americanismo eclipsa a sua contribuição ao mundo. Para entendermos melhor isso, vamos estudar um pouco da história da América do Norte.
A colonização inglesa nos primeiros tempos das grandes navegações era algo mínimo. A Inglaterra se dedicava mais á financiar piratas para roubar as mercadorias e o ouro que Espanha e Portugal encontravam no Novo Mundo. Apesar disso, a Coroa inglesa financiou algumas expedições em busca de uma terra só pra si. Walter Raleigh, o lendário corsário á serviço da rainha Elizabeth, achou um território na costa norte-americana e fundou a colônia de Vírginia.

Walter Raleigh
A Inglaterra só foi se dedicar realmente á colonização alguns anos depois quando a Espanha estava mais fraca (a Invencível Armada de Felipe II tinha sido vencida por Elizabeth) e o Reino Unido sofria com o problema da superpolução (os cercamentos, uma espécie de reforma agrária ao contrário, expulsou a maioria dos camponeses para a cidade e deu suas terras á nobres e burgueses, o que inchou principalmente Londres). Como era de se costume nesse tempo, a Coroa concedia á exploração das colônias á terceiros: ás vezes podiam ser fidalgos, burgueses ou uma empresa. No caso da América do Norte, a administração das colônias do norte ficou á cargo da Companhia de Comércio de Londres e a as do sul para a Companhia de Comércio de Plymouth.
Existe uma diferença muito importante entre o Norte e o Sul do atual EUA: enquanto no Norte o clima é temperado, no Sul ele é mais tropical e a terra mais fértil. Por isso, a Inglaterra se dedicava mais á sua colônia do sul, afinal nela ela podia plantar e colher gêneros que não podiam plantar no Reino Unido - como a cana-de-açúcar, o tabaco e o algodão, por exemplo. Tamanho era o interesse da Coroa que logo a Companhia de Plymouth saiu do jogo e a Coroa assumiu ela própria a administração dessas colônias (tornaram-se assim colônias régias).
Assim, as colônias no Norte se tornaram colônias de exploração (o mesmo modelo de colônia que Portugal criou no Brasil) onde imperava a monocultura e o latifúndio e onde esses dois estão juntos outra figura logo tem de aparecer para sustentá-los: a escravidão. A Inglaterra se aproveitou da escravidão africana também, sendo que por um tempo os escravos passaram a ser comprados não mais dos comerciantes negreiros, mas dos traficantes que viviam nas Antilhas (colônias francesas).
E o Norte? Nas colônias no Norte se plantavam os mesmos produtos que se plantavam na Inglaterra, por isso não se deu muita atenção á elas. Essa indiferença fez com que os colonos que vinham para o Norte tivessem maior liberdade. Eles não eram tão explorados assim - não é a toa que aqui imperava o minifúndio e o trabalho assalariado, embora também tenha havido aqui escravidão - e nem tão fiscalizados. Tanto que muitos homens que fugiam da perseguição religiosa na Inglaterra (como os quakers, presbiterianos, batistas, católicos, etc.) aqui podiam exerceu seu culto religioso sem muita censura. Alguns deles fizeram um pacto enquanto vinham no navio para o novo continente de que nesse Novo Mundo eles não persegueriam ninguém nem seriam perseguidos. Esse pacto é conhecido como o Pacto do MayFlower, nome do navio em que vinham.
Mas como esses colonos sobreviviam sem o incentivo da Coroa ou da Companhia de Comércio? Eles vendiam entre si os produtos de suas pequenas propriedades, mas também tinham desenvolvido uma indústria naval forte (antes dedicada á pesca, mas depois ao comércio triangular feito com as Antilhas, onde conseguiam açúcar, escravos e rum) e algumas manufaturas (como tecelarias). Além disso, entre as colônias do norte e do sul existia um enorme território vazio, ao qual os colonos do norte decidiriam colonizar. Nessa região eles encontraram uma forma segura de ultrapassar a cadeia de montanhas do Apalaches (que limitou a colonização inglesa ao litoral e impedia os colonos de conhecerem o interior da América do Norte) e lá encontraram uma outra forma de ganhar a vida: a venda de peles, uma vez que ali existiam muitos búfalos e outros animais. Assim, as colônias do norte e agora do centro iniciam uma nova atividade econômica: os cortumes.
Se a Coroa não tinha interesse nas colônias do norte porque ainda as tinha? Simplesmente porque não queriam perder mais territórios para outras potências européias como a França ou a Espanha, suas maiorias inimigas.  A França tentou tomar as Treze Colônias no século XVIII, atacando-as do interior para o litoral (uma vez que a França tinha conseguido estabelecer um posto em Quebéc, perto do círculo polar ártico). Assim começou a Guerra Franco-Indígena de 1754 (que pode ser entendida como um capítulo da Guerra dos Sete Anos, uma disputa intercontinental entre França e Inglaterra).Nessas guerras lutaram tanto as colônias de povoamento como as de exploração e conseguiram expulsar os franceses do entorno de seu território. Essa vitória aliás até trouxe um certo sentimento de independência para os colonos, uma vez que eles passaram a confiar em si mesmos como defensores de sua própria terra e não mais a Coroa.
Além disso, com o fim da guerra em 1763, a Coroa tinha que administrar um território maior que o original e recuperar o dinheiro que perdeu com as batalhas. Assim, os impostos para todas as colônias aumentam gerando mais descontentamento. Os colonos começaram a se rebelar, principalmente no Norte e Centro onde sempre desfrutaram de uma certa liberdade. Na década de 1770, a situação se radicalizou: os ingleses aprovaram uma série de medidas que restringiam as liebrdades dos colonos, mandando até tropas para resguardar os portos e capitais, enquanto alguns colonos partiam para a revolta explícita como um grupo de comerciantes de Boston que em protesto contra a proibição do comércio mundial no porto de Boston e a tarifa em cima do chá jogaram vários pacotes do produto no mar no que ficou conhecido como a Festa do Chá.

A Declaração de Independência no II Congreso Intercontinental, Filadélfia.
Em setembro de 1774, representantes das Treze Colônias se encontraram na Filadéfia, no que ficou conhecido como I Congresso Intercontinental, para discutir a idéia de se separar da Inglaterra. A separação deixou de ser uma idéia para ser uma bandeira após um desentendimento entre tropas inglesas e comerciantes de Massachusetts. Assim, a Revolução Americana explode em 17 de abril de 1775 e só irá terminar em 4 de julho de 1783 quando o Reino Unido reconheceu sua derrota com o Tratado de Paris.
Como colonos puderam vencer sua metrópole? Apesar das colônias do Norte, como dissemos antes, possuirem um certo avanço e uma tradição militar (com a guerra contra os índios e franceses), numericamente eram inferiores ao Império Britânico. As primeiras batalhas foram decepcionantes, mas o jogo parece mudar quando a França entra na guerra, dessa vez do lado dos colonos, em 1778. Tanto que a assinatura do tratado que reconhece a independência da antiga colônia foi feita justamente em território francês.
Apesar de se unirem pela independência, as Treze Colônias, como dissemos acima, tinham interesses muitos distintos que só foram superados com a Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865). A independência só foi consolidada após uma segunda guerra com a Inglaterra entre 1812 e 1815, sendo essa muito menor que a anterior e cujo principal motivo era o controle do comércio nas Antilhas.
A Constituição Norte-Americana instituiu uma República Federativa, uma solução, segundo muitos historiadores, para impedir conflitos entre as diversas regiões. O federalismo garantia a autonomia estadual e a república substituía o rei pelo presidente. Até então quando se falava em república tinha-se em mente uma pequena comunidade, como imaginava Jean Jacques Rosseau. A mesma constituição garantia uma série de direitos considerados inalienáveis e que se centravam no conceito de igualdade e liberdade. A liberdade de expressão era uma delas.
O pensador francês Alexis de Toucqueville visitou o país recém-liberto e escreveu suas impressões alguns anos mais tarde, revelando o que uma nova forma de democracia (a democracia dos gregos era bem restritiva: não era permitida á mulheres, estrangeiros, artesãos, escravos e pobres). No papel, ela garantia direitos á todos os homens e mulheres dos Estados Unidos da América, sendo que na prática a democracia circulava entre grupos de homens poderosos no Sul e Centro e pequenos proprietários no Norte.
Os Estados Unidos estavam inaugurando assim a democracia liberal. O ideal de liberdade que tanto agitou a Revolução Americana também influenciou as demais colônias da América: Simón Bolívar, o general revolucionário venezuelano clamava liberdade para a América do Sul e utilizava o episódio bem-sucedido dos EUA como exemplo de que isso não era impossível (embora, Bolívar não desejasse implantar o mesmo tipo de regime norte-americano). Basta lembrarmos que alguns dos inconfidentes mineiros tentou se corresponder com Thomas Jefferson pedindo apoio do governo norte-americano.
E não só o Novo Mundo se apaixonou pela mensagem da Revolução Americana: a França de Luís XVII foi sacudida pelo desejo de liberdade que resultou na Revolução Francesa em 1789. Alguns iluministas franceses se inspiraram no novo regime que surgia nos EUA. O lema dos revolucionários era: libertè, igualitè e fraternitè (complementando assim a proposta dos norte-americanos). Embora muitos se assustassem com as possibilidades abertas com ele: o próprio Toucqueville tinha medo de um governo regido pelas massas, pois via no povo um grupo fácil de se manipular e quase irracional.


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Esse post terá uma continuação em breve.

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