sábado, 18 de junho de 2011

Inverno e Primavera Árabe

Bernard Lewis
Bernard Lewis é um grande especialista no Oriente Médio, sendo até hoje um dos pioneiros no estudo do Império Turco Otomano, no entanto não é tão festejado assim nos círculos intelectuais  internacionais por conta de sua posição política de apoio á intervenção norte-americana no Oriente Médio.
Lewis parte da idéia de que a civilização islâmica começou a entrar em crise quando o Império Turco Otomano sumiu em 1918. Conhecido como um dos impérios da pólvora por ser um dos poucos a utilizá-la como arma (os outros são o império Grão-Moghol e o Império chinês após ser conquistado pelos descendentes de Gengis Khan), nasceu com a conquista de Constantinopla por um grupo de turcos convertidos ao islamismo em 1453 e durou quase 500 anos. O motivo de tal sucesso está ligado á sua estrutura administrativa eficiente, sua capacidade bélica e sua tolerância (o sultão era o comandante de todos os fiéis muçulmanos, independente da região em que viviam e mesmo os membros de outra religião poderiam viver em território comandado por ele desde que pagassem um tributo). A primeira coisa a roer foi a capacidade bélica com a derrota para a Liga Santa (de reinos católicos europeus) em 1571, logo em seguida veio a cair a sua eficiência administrativa com focos de corrupção e com o surgimento de verdadeiros caciques locais. O Ocidente estava vivendo a Revolução Industrial e o Império Turco Otomano estava caindo aos pedaços. Foram feitas algumas tentativas para se reerguer, mas foram inúteis. O Império veio a acabar com uma revolução feita por jovens estudantes e militares que adotaram os valores ocidentais como seu guia (os Jovens Turcos).
Sem o sultão, as comunidades muçulmanas ficaram órfãs. Logo surgiram uma série de movimentos radicais: ou pregavam a volta ao islamismo dos primeiros tempos ou pregavam a total adoção dos valores ocidentais. Vale um especial destaque para os movimentos de defesa da identidade regional (conhecido como Wattanybia) seja ela iraquiana, síria ou palestina. Outro destaque é o pan-arabismo, iniciado com Gamal Nasser, e que tinha uma proposta laica e populista.
Os conflitos no Oriente Médio começam então com a entrada das potências estrangeiras, uma vez que elas estimulam essas reações á seu imperialismo, e com o fim de uma unidade política e religiosa forte (o Império Turco Otomano). Por isso acredito que os conflitos do Oriente Médio são eminentemente políticos e a religião é utilizada somente como um pretexto. Bernard Lewis acredita que no Oriente Médio religião e política são intrínsecas (uma vez que o islamismo nasceu com Maomé e ele próprio construiu uma instituição e um aparelho de Estado, diferente do cristianismo que nasceu como uma seita de dissidentes judeus e só veio a se tornar uma grande instituição após Constantino ter se convertido séculos depois).
Lewis acredita que o Oriente Médio possui certas tendências: primeiro, a tendência á unir política e religião, e segundo, a tendência á se orientar com base em paradigmas vindos de fora - ora, o islamismo foi criado justamente pela união entre a cultura beduína com o cristianismo europeu e bizantino com o judaísmo, assim como o sunismo foi remodelado pela influência dos conquistadores mongóis. Essas duas tendências explicariam a crise do islã: o Oriente Médio está sofrendo as consequências do fim de uma unidade política e da falta de um paradigma novo. A solução pode estar em renovar a cultura árabe com valores ocidentais como a democracia, a secularização. O que Lewis propõe é uma ocidentalização do Oriente.
Está claro que qualquer sociedade se enriquece ao entrar em contato com outra sociedade, mas nem sempre esses contatos são orientados por motivos nobres. A conquista do Novo Mundo foi movida pelo mercantilismo e acabou com dezenas de povos indígenas. Se pensarmos bem, foi a repartição do Oriente Médio que iniciou a crise do Islã de que fala Lewis. E seu projeto de ocidentalização também está embasado em interesses específicos: controle de uma região rica em petróleo, mão-de-obra e mercado consumidor.

Edward Said
Um grande crítico de Lewis era o professor de literatura norte-americando Edward Said que construiu sua obra tentando mostrar através da literatura e dos discursos como o Ocidente construiu uma imagem do Oriente para justificar sua dominação sobre ele. Lewis, em sua visão, é mais um nome para lista de adeptos dessa ideologia. Said iniciou uma corrente de pesquisadores do Oriente Médio que criticavam justamente essa dominação ocidental e lembravam a complexidade da região. No entanto, quando se fala em propostas para solucionar o conflito, muitos defendiam, além da saída das potências estrangeiras, a promoção do debate como forma de esclarecer a população. O debate seria levado por intelectuais, mas de onde? Do Ocidente. Temos então uma reafirmação assim do Ocidente, ainda que de forma sutil.
Essas duas visões tentam entender, de formas diferentes, como o Oriente Médio entrou em uma fase obscura. No entanto, não demonstram certo otimismo com a capacidade dos seus habitantes: a solução pode ser diferente, mas sempre deve ser efetuada por ocidentais. O que dizer então quando a Península Arábica toda é sacudida com movimentos que surgem de dentro dela e que clamam por mudanças. Esses movimentos, alguns bem-sucedidos e outros não (pelo menos ainda não), pegaram todo o Ocidente de surpresa. Não se esperava ver árabes lutando por melhores condições de vida, indo além do discurso do rancor ou da obediência aos ditadores locais, porque está muito enraizado em nossa cabeça essa mentalidade pejorativa em relação ao povo islâmico - Said dedicou boa parte de sua vida á desconstruir essa mentalidade, por isso sua militância se concentrou mais dentro dos países ocidentais.
Hoje, o que ficou conhecido como Primavera Árabe, pode remodelaro status da região, se para melhor ou para pior ninguém ainda consegue saber com certeza, uma vez que a região é cheia de peculiaridades. Tivemos o caso do Egito onde o poder foi transferido parcialmente aos rebeldes (é sempre bom lembrar que o governo ainda está nas mãos de homens que estiveram ligados á Mubarak) e o caso da Líbia onde Kaddaffi ainda luta para se sustentar e os rebeldes contam com o apoio da OTAN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário